sábado, 18 de abril de 2020

Míriam Leitão - O ministro ainda não se explicou

- O Globo

O novo ministro da Saúde tem que dizer a que veio, o que pensa e qual é a sua estratégia para não virar um joguete político

O ministro da Saúde, Nelson Teich, foi genérico. No seu discurso de posse, nem falou a expressão “distanciamento social”. Tentou contornar o incontornável. O assunto está no centro das atenções, e o presidente Jair Bolsonaro não fugiu dele. Disse, logo em seguida, ao explicar as razões de ter trocado o ministro, que quer “essa briga de começar a abrir o comércio”. O presidente sabe que não poderá decidir isso, já que o STF foi claro sobre as competências dos governadores e prefeitos, mas continua jogando politicamente. O novo ministro, se não quiser ser um joguete na mão do presidente, terá que marcar o território sendo mais claro sobre o que pensa e sobre qual é a sua estratégia.

Teich falou sobre a importância de termos mais informações sobre o coronavírus. Isso é óbvio. Todos querem no mundo inteiro mais informações sobre o vírus e isso só se conseguirá com aposta maior na ciência, coisa que seu antecessor defendia. O presidente, contudo, é um negacionista da ciência em todas as áreas. Teich disse que é preciso a integração as várias pastas do governo. Claro. É isso que o chefe da Casa Civil, Braga Neto, tem tentado demonstrar que já existe com aquelas entrevistas no Palácio do Planalto em que diariamente se alternam os ministros de diversas áreas. O novo ministro disse que precisa montar seu time. Certo. É isso mesmo que fazem todos os que chegam aos seus postos. Ou seja, ele assume falando platitudes e sem dizer qual será a sua estratégia. Não fez referência à cloroquina, mas falou de um antiviral como promissor. Essa notícia animou as bolsas há dois dias, mas é dessas informações que vêm e somem ao sabor das cotações. Há uma corrida dos laboratórios por remédios e vacinas e, claro, a torcida geral é para que logo se chegue ao bom resultado, mas o que temos até agora é nada.

Nelson Teich assume no pior momento e isso, como disse Bolsonaro, é demonstração de coragem. O errado foi mesmo o presidente que, por motivo fútil, trocou um ministro que vinha fazendo um bom trabalho, num momento dramático. Em plena escalada. Há 31 dias o país teve o primeiro registro de morte por Covid-19. Ontem, dia da posse no ministério, o número de mortos chegou a 2.141.

Não se sabe o que o novo ministro fará. Sua primeira fala ao lado do presidente no anúncio foi contraditória, a segunda, no dia da posse, foi vaga. O ministro que saiu foi claro em deixar recados. Mandetta reafirmou a centralidade do SUS neste momento. E depois fez especial homenagem à Fiocruz. Disse que haverá uma nova ordem mundial na saúde, a partir da pandemia e de tudo o que estamos dolorosamente aprendendo. Defendeu que a nossa autonomia científica será conseguida através da Fiocruz. Era mais uma diferença que Mandetta marcava com os seus adversários na luta que manteve nos últimos meses. A Fundação Oswaldo Cruz foi grosseiramente atacada no governo Bolsonaro. Por quem? Pelo então ministro Osmar Terra.

A economia esteve presente durante todos os debates, discursos, disputas políticas. O que realmente acontece é que a economia já foi atingida, e inevitavelmente seria, com uma pandemia. Caso não fosse feita qualquer política de distanciamento social, ela seria atingida pelo crescimento do surto. A única forma de aliviar os impactos econômicos, defendida por todos os bons economistas, é reduzir ao máximo a movimentação de pessoas, reduzir a curva de infecções, mortes e demandas sobre o sistema de saúde. Para assim voltar o mais rapidamente e com mais segurança à atividade normal.


E para aliviar os efeitos econômicos da paralisação das atividades, os remédios que se conhecem são a transferência de recursos públicos para os que ficaram abruptamente sem renda, para empresas boas, evitando que elas quebrem, e cooperação fiscal entre os entes federados. Quanto mais o governo for ineficiente na formulação e execução das medidas maior será a crise econômica. Portanto, a resposta está mesmo na economia. O impacto já é fato consumado e a hora é de reduzir danos. Ao ministro da Saúde cabe focar na saúde. Se fizer um bom trabalho lá poderá ajudar a retomada de atividade, se quiser adaptar as suas decisões ao imperativo econômico vai fracassar duplamente.

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