quarta-feira, 29 de abril de 2020

Míriam Leitão - Sombras sobre Jair Bolsonaro

- O Globo

A nomeação de um amigo para a PF ajuda Bolsonaro a se proteger de investigações, mas sombras cercam seu mandato

Três investigações cercam o presidente da República e pessoas próximas pessoal ou politicamente. Todos os inquéritos passam pela Polícia Federal. Ele nomeou um delegado, amigo dele e dos seus filhos, para a diretoria-geral. E daí? Daí que o Brasil é uma democracia e uma república em que somos todos súditos da lei, lembrou o ministro Celso de Mello. Há muitas portas pelas quais o presidente pode escapar. Uma é ter um amigo na PF, outra é ter um ministro submisso no Ministério da Justiça, outra é contar com os favores do procurador-geral da República . E se nada disso funcionar ele pode comprar apoio no Congresso. Bolsonaro está blindando os quatro cantos do campo para terminar seu mandato.

O PGR Augusto Aras foi se encontrar com o presidente logo no dia em que o ministro Celso de Mello estava decidindo a instauração do inquérito. Podem ter conversado sobre assuntos outros, mas esse encontro é indevido. Aras chegou à PGR contornando a lista tríplice e com ofertas explícitas de uma procuradoria com a qual o presidente pudesse contar. Tem cumprido a sua parte. Até no pedido de abertura de inquérito para apurar as denúncias contra o presidente fez de tal forma que investigasse também quem denunciou os fatos.

Bolsonaro e seu entorno são alvos do inquérito aberto pelo STF sobre fakenews, de outro, sobre os atos antidemocráticos, e agora, pelas suspeitas de ter pressionado pela demissão do diretor-geral da Polícia Federal, porque queria ter notícias de investigações em andamento. O da fakenews pode chegar nos seus filhos e no “gabinete do ódio”. O dos atos antidemocráticos pode investigar deputados bolsonaristas, como contou Merval Pereira. O último inquérito é direcionado a Bolsonaro mesmo.

O que o ministro Celso de Mello fez foi vigoroso. Segundo a definição de um colega: “O relator reafirmou o império da lei. Proclamou a todos os ventos que à Constituição todos estão submetidos.” Essa é a causa que faz Celso de Mello se agigantar e ele fez isso numa peça forte. O problema é que dificilmente o inquérito termina antes de ele deixar a toga em novembro. O tempo começa com 60 dias para se intimar o ex-ministro Sergio Moro. Mello também pediu que avaliasse o pedido do senador Randolfe Rodrigues e periciasse o celular da deputada Carla Zambelli.

O ministro Celso de Mello deixou claro que nem a imunidade do presidente, prevista no artigo 51, nem a cláusula de exclusão do artigo 86 impedem que ele seja investigado para se buscar “elementos de prova” e apurar “materialidade”. Quem fará isso? A Polícia Federal. E daí? Daí que o amigo dele estará lá no posto-chave de diretor-geral.

Depois da investigação, ele só será denunciado se o procurador da República assim decidir. E, depois, a Câmara terá que autorizar. Durante o governo Temer, duas denúncias foram negadas. Se Celso de Mello chegar ao fim do seu período no STF e o inquérito não tiver terminado, quem herdaria seria o ministro que Bolsonaro vai indicar. Quando Teori Zavascki morreu, o então presidente Temer avisou que só nomearia depois de o STF decidir o relator da Lava-Jato. Dessa forma, poupou o país de qualquer constrangimento. Não se espera de Bolsonaro a mesma atitude. No STF, um ministro me contou que, se Celso de Mello se aposentar antes do fim do inquérito, ele deve ser distribuído imediatamente, sem esperar o novo ministro, “já que o envolvido é aquele que indica o novo juiz”.

Sombras cercam o presidente Jair Bolsonaro e ele trata de abrir as portas para escapar ileso. Há muitas portas. Mas a opinião pública pode fechar algumas delas. A pesquisa DataFolha trouxe péssimas notícias para o presidente: só 20% acreditam na versão de Bolsonaro na briga com Moro — o ex-ministro convenceu 52% —, 56% acreditam que ele queria interferir na PF. Em 11 dias, subiu de 38% para 45% os que reprovam sua condução da crise do coronavírus. Caiu 21 pontos a avaliação positiva do Ministério da Saúde, depois que ele demitiu Luiz Mandetta. O governo prefere olhar a avaliação geral dele, que subiu de 30% a 33%, apesar de todas as crises que provocou. Os sinais de piora, contudo, estão em todas as outras perguntas. Jair Bolsonaro pode passar o resto do seu mandato lutando contra sombras.

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