segunda-feira, 6 de abril de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

Congresso mostra eficiência em decisões na crise – Editorial | O Globo

Nos últimos dias, Legislativo atuou com celeridade e bom senso, apartando as próprias divergências

O Congresso está fazendo uma coerente releitura da História em sintonia com as necessidades impostas pela crise provocada pela pandemia.

Na semana passada realizou a primeira sessão remota bicameral dos seus 195 anos. Com 89% dos votos de senadores e deputados, aprovou mudanças significativas no Orçamento da União para permitir ao governo federal uma ampla margem de aumento nos gastos com o socorro a pessoas, empresas, estados e municípios durante esta etapa da calamidade pública.

Nos últimos 15 meses têm sido frequentes as análises sobre o protagonismo do Legislativo no vácuo de um governo recolhido aos próprios impasses político-ideológicos. Nessa crise, a novidade está na demonstração de inusual agilidade operacional e de amplo consenso entre parlamentares em decisões sobre questões complexas e abrangentes para a emergência sanitária nacional.

A velocidade legislativa tem acompanhado o ritmo de avanço da Covid-19 em direção à periferia das grandes cidades e das capitais para o interior.

Em alguns aspectos, ecoa a reação à epidemia de 1918, quando um vírus de gripe chegou ao país a bordo do navio Demerara, com escalas no Recife, em Salvador e no Rio. No mês seguinte, outubro, deflagrou-se uma devastação no país, que não dispunha de rede pública hospitalar. A dimensão das fragilidades do setor público, do clima de caos e horror da época está nos registros históricos sobre grande número de sepultamentos em covas coletivas.

Ultrapassada a emergência, em 1919, o Congresso aprovou uma ampla reforma na Saúde, de âmbito nacional, que pode ser interpretada como marco inaugural da luta pela construção do Sistema Único de Saúde, consolidado em 1988 e posto à prova na atual pandemia.

Nos últimos dias, o Legislativo não só mostrou celeridade como, também, bom senso ao apartar as próprias divergências, típicas de qualquer parlamento, numa espécie de quarentena.

Por consenso, dispensou o governo do cumprimento das metas fiscais, aplainando o caminho para quase R$ 400 bilhões de despesas efetivas (antes de juros e encargos da dívida pública) acima das receitas previstas no Orçamento de 2020. Retirou as amarras da burocracia orçamentária.

Não mais será preciso que o governo aponte a origem dos recursos para custear os gastos emergenciais, enquanto durar a pandemia.

Atuou, ainda, junto ao Supremo Tribunal Federal para que se produzisse decisão imediata, liminar, desobstruindo o caminho do governo na ampliação dos necessários investimentos em saúde.

Poderá avançar muito mais, em torno de temas consensualmente já estabelecidos — entre outros, as políticas de renda mínima e de saneamento básico —, reconhecidos como fundamentais à reconstrução do país.

Pandemia empobrece 569 milhões em 20 países da América Latina – Editorial | O Globo

Número de pobres deve aumentar de 186 milhões para 220 milhões, prevê

A pandemia impôs uma nova e estranha realidade a um mundo povoado por 7,7 bilhões de pessoas, das quais 569 milhões vivem em duas dezenas de países que compõem a América Latina. Do México à Argentina, o impacto econômico do novo vírus já é devastador.

A perspectiva para o curto prazo na região é de empobrecimento. É provável que o número de pobres aumente de 186 milhões para 220 milhões, prevê a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), das Nações Unidas. Na extrema pobreza sobrevivem atualmente 67,5 milhões. Esse contingente poderá aumentar para 90,8 milhões.

São graves as sequelas da crise global para uma região que passou os últimos sete anos convivendo com níveis sofríveis de desempenho econômico. No ano passado, enquanto a economia global cresceu à média de 2,5%, o Produto Interno Bruto da América Latina oscilou 0,1%, ou seja, ficou estagnado. Hoje, “numa abordagem conservadora”, ressalva a Cepal, os dados sugerem queda de 1,8% em 2020.

O declínio da produção na China afeta diretamente Brasil, México, Chile e Peru. No caso brasileiro, não somente pelo impacto nas exportações (mais de US$ 110 bilhões no ano passado), como também porque a indústria chinesa é provedora de insumos automobilísticos, eletroeletrônicos e farmacêuticos.

O Brasil conta com reservas externas substanciais (cerca de US$ 350 bilhões), em tese suficientes para a travessia numa crise em tempos normais. O problema é que a pandemia tornou indefinido o conceito de “normalidade”. Não se sabe a duração, nem a dimensão do estrago. Mas os sinais recessivos são evidentes, como se vê na Argentina, maior comprador de manufaturados brasileiros.

Está quebrada, em grave crise social e relutava em negociar com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A emergência agravou a desordem econômica de tal maneira que o presidente Alberto Fernández decidiu atropelar aliados peronistas e pediu socorro ao FMI. Deve receber US$ 3,5 bilhões para a sustentabilidade da economia.

Já o México, além de tudo, tem a peculiaridade da alta dependência do petróleo, cujos preços voltam a subir. Mas no início da semana o óleo mexicano chegou a US$ 10,37 por barril, o menor nível dos últimos 22 anos. Isso só aumenta a incerteza sobre o futuro da economia e da maior empresa do país, a estatal Pemex, há tempos combalida.

A pandemia expõe a América Latina nas suas maiores vulnerabilidades. A chance de recuperação será proporcional ao êxito dos governos na proteção à população.

O perigo da desinformação – Editorial | O Estado de S. Paulo

Recente pesquisa do Datafolha sobre a percepção da população acerca da epidemia de covid-19 mostrou que o grau de desinformação a respeito da doença é maior entre os mais pobres e menos escolarizados.

Não chega a ser um resultado surpreendente, uma vez que essa parcela da sociedade apresenta em geral um nível reduzido de conhecimento a propósito dos grandes problemas nacionais. No caso da epidemia, porém, tal constatação é particularmente preocupante, porque é a informação de qualidade que pode reduzir a disseminação do novo coronavírus, especialmente entre cidadãos vulneráveis – que não dispõem de recursos básicos e são, por isso, dependentes de um Estado que já apresenta sinais de exaustão para conter uma epidemia que mal começou.

A pesquisa mostrou que a faixa dos entrevistados com renda familiar mensal de até dois salários mínimos concentra o maior número de pessoas que se consideram apenas “mais ou menos” informadas (27%) ou que se dizem “mal informadas” (5%) sobre o novo coronavírus. O contraste é gritante com as faixas superiores de renda. Entre os entrevistados com renda superior a 10 salários mínimos, apenas 13% se consideram “mais ou menos” informados e 1%, “mal informado”. Mesmo o grupo dos entrevistados na faixa salarial mais baixa que se consideram “bem informados” (67%) está muito distante dos 83% de cidadãos no topo da pirâmide socioeconômica que dizem ter o mesmo grau de conhecimento sobre a epidemia.

Além disso, dos que consideram que “não há motivo para tanta preocupação” – o que indica propensão ao relaxamento e a não seguir as orientações do Ministério da Saúde –, os maiores porcentuais se concentram entre os mais pobres (14%) e menos escolarizados (15%), contra apenas 3% entre os mais ricos e 6% entre os mais escolarizados.

Esse contraste fica ainda mais evidente quando a pesquisa pergunta se os brasileiros estão mais preocupados do que deveriam. Para 26% dos que ganham até dois salários mínimos e 28% dos que fizeram até o ensino fundamental, há exagero, enquanto apenas 12% dos que recebem mais de dez salários mínimos e 12% dos que têm ensino superior são da mesma opinião. Para 63% dos mais ricos e 35% dos mais pobres, os brasileiros estão menos preocupados do que deveriam.

Os mais expostos à doença, isto é, os mais idosos, também mostram um preocupante descolamento da realidade. Dos que têm 60 anos de idade ou mais, nada menos que 34% dizem não ter medo de serem infectados pelo vírus, enquanto entre os entrevistados de 16 a 24 anos esse porcentual é de apenas 19%. É também entre os mais idosos que está a maior parcela dos que acreditam não ter a menor chance de pegar a doença (19%), contra 9% na faixa dos 16 a 24 anos.

Esses números são um potente indicativo da necessidade de melhorar e ampliar a comunicação oficial para esclarecer a população a respeito da epidemia e sobre como os cidadãos podem colaborar para ajudar as autoridades e os agentes de saúde a contê-la.

Já está claro que somente a informação de qualidade, transmitida de maneira clara e direta, é um potente instrumento para frear o vírus. O governo precisa alinhar seu discurso e impedir ruídos que possam causar confusão, como tem acontecido nos últimos dias. Não é o momento de falar em possível tratamento ou de classificar de exageradas medidas que, ao contrário, são essenciais para frear a expansão do novo coronavírus.

A comunicação oficial deve ter como objetivo primordial isolar o vírus da desinformação, que pode levar os cidadãos a ignorar a necessidade de distanciamento social e também a comprar e consumir remédios que ainda estão em fase de testes, acarretando sérios riscos para a saúde pública e pessoal.

A Organização Mundial da Saúde já qualificou a atual epidemia de “massivo infodêmico”, em que há superabundância de informações. Se por um lado esse fenômeno é positivo, pois acelera a tomada de decisões por parte de autoridades e de cidadãos, por outro pode causar tumulto e descrença. Cabe ao governo, com a autoridade que tem, instruir os cidadãos sobre a realidade dos fatos, especialmente para a população que, quando for afetada, terá poucos recursos para se defender.

Está na hora de trabalhar – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo do presidente Jair Bolsonaro gasta enorme energia, a sua própria e a do resto do País, com questões absolutamente insignificantes, ao mesmo tempo que se ausenta deliberadamente quando sua atuação se faz necessária. A votação do Congresso que confirmou a ampliação do alcance do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – com um provável impacto de R$ 217 bilhões em dez anos – foi a mais recente demonstração da já rotineira displicência política do governo quando se trata de temas de grande relevância. O presidente acabou vetando a medida.

No ano passado, o Congresso aprovou a concessão do BPC, de um salário mínimo, a pessoas com deficiência e idosos com mais de 65 anos que tivessem algum impedimento físico, mental ou intelectual de longo prazo, com renda familiar de até R$ 522,50 mensais per capita. Até então, o limite era de R$ 261,25. A pedido do Ministério da Economia, o presidente Bolsonaro vetou o dispositivo. No dia 11 de março, o Congresso derrubou o veto presidencial, por 302 votos a 137 entre os deputados, e por 45 votos a 14 entre os senadores.

Os placares elásticos mostram que mesmo partidos e parlamentares que supostamente se alinham ao Palácio do Planalto decidiram derrubar o veto e contrariar a recomendação da equipe econômica, preocupada com o significativo efeito fiscal da medida justamente num momento de grande aperto.

Vários fatores concorreram para o fiasco. Para começar, já não é mais possível falar em inabilidade política da articulação do governo no Congresso; o que aconteceu na votação foi uma clara omissão do Palácio do Planalto, tão clara que parece ter sido proposital. Não se pode condenar quem veja no desinteresse do governo em defender o veto presidencial uma maneira de atribuir ao Congresso a conta da irresponsabilidade fiscal, o que ajudaria a alimentar o discurso, corrente entre as hostes bolsonaristas, segundo o qual os deputados e senadores jogam contra o presidente Bolsonaro e, portanto, contra o Brasil.

Se tivesse disposição para trabalhar, o governo teria lutado no Congresso pela derrubada do projeto ainda em 2019; mesmo derrotado na ocasião, teria se empenhado em manter o veto ao dispositivo. Votos certamente não lhe faltariam. Mas não fez nem uma coisa nem outra. Ao contrário: Bolsonaro mostrou grande vontade de confrontar o Congresso, seja rasgando acordos previamente estabelecidos a respeito do Orçamento, seja convocando a população a protestar contra os parlamentares – chamados de “inimigos do povo” nas redes sociais insufladas pelo “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto. É até natural, portanto, que parte do Congresso tenha votado contra os interesses do governo como forma de retaliação – e isso indicaria que o reformismo demonstrado até agora pela atual legislatura está sujeito a circunstâncias, o que obviamente deveria preocupar o governo.

É possível também que o governo tenha cruzado os braços porque a expansão do Benefício de Prestação Continuada é uma medida popular, que tende a ser bem recebida por eleitores pobres direta ou indiretamente beneficiados. Bolsonaro vetou o aumento por insistência da equipe econômica, mas já demonstrou inúmeras vezes sua inclinação ao populismo desbragado, e seria surpreendente se aceitasse ser acusado de arrochar benefícios sociais em nome do equilíbrio fiscal.

Em resumo, o governo de Jair Bolsonaro parece muito mais interessado em administrar suas redes sociais do que em conduzir o País, pois no ambiente virtual não há necessidade de negociar apoio do Congresso para os projetos de interesse do governo, muito menos de ouvir a opinião alheia. Ali, o presidente é o “mito”, e todos concordam com ele.

Os partidos e seus donos – Editorial | O Estado de S. Paulo

Não é figura de linguagem dizer que, no Brasil, os partidos políticos têm donos. É a mais estrita realidade, como comprovam os números relativos aos recursos destinados pelas legendas a seus dirigentes. Segundo noticiou o Estado, os partidos repassaram R$ 144 milhões a pessoas físicas em 2018, último ano com prestação de contas integralmente disponível. Desse total, R$ 12,4 milhões (9%) foram pagos aos responsáveis administrativos dos diretórios nacionais ou estaduais das siglas. Os partidos têm donos, que recebem vultosos dividendos.

O levantamento foi feito pelo Movimento Transparência Partidária (MTP), que, a partir dos dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cruzou as informações sobre a composição das direções partidárias e os pagamentos feitos pelas legendas a pessoas físicas.

Tal relação de propriedade, assegurando renda farta aos titulares das legendas, é especialmente escancarada em alguns partidos nanicos, com alto porcentual de recursos destinados a pessoas físicas. Por exemplo, o Partido da Mobilização Nacional (PMN) destinou 57% dos recursos a pessoas físicas. Por sua vez, o Partido Republicano Progressista (PRP), que, no final de 2018, foi incorporado ao Patriota, destinou, em seu último ano de funcionamento, 47% dos recursos a pessoas físicas. Não muito atrás ficou o Partido Humanista da Solidariedade (PHS), que em 2018 destinou 46% dos recursos a pessoas físicas. No ano passado, o PHS foi incorporado ao Podemos.

Segundo o levantamento do MTP, a pessoa física que mais recebeu recursos de uma agremiação política em 2018 foi Eduardo Machado, presidente do antigo PHS e hoje vice-presidente do Podemos. Em 2018, Eduardo Machado recebeu R$ 769.436 a título de “adiantamentos diversos”.

Entre as dez pessoas físicas que mais receberam recursos está também Luiz Claudio França, outro ex-dirigente do antigo PHS. Em 2018, ele recebeu R$ 355.516, sob as rubricas de “salário e ordenados”, “reembolsos com transporte e refeições” e “outras despesas com pessoal”. Os valores pagos a Eduardo Machado e a Luiz Claudio França representaram 97% do total pago pela antiga legenda a dirigentes em 2018.

Os dois dirigentes do antigo PHS asseguraram a inexistência de qualquer irregularidade na concentrada destinação dos recursos. “O presidente recebia o salário mais alto e o secretário-geral recebia 90% desta remuneração, além de eventuais reembolsos de despesas. Tudo declarado e oficial, sem qualquer ilegalidade”, disseram ao Estado, por meio de nota.

O problema é precisamente este. A lei avaliza um sistema completamente equivocado e disforme, destinando recursos públicos a entidades privadas, cujos donos usam os recursos como bem entendem, tal como indica o levantamento do MTP.

Os partidos são entes privados e não há motivo para que o Estado financie suas atividades e, menos ainda, seus dirigentes. O atual sistema assegura às legendas recursos públicos de dois fundos, alimentados com dinheiro do contribuinte. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral) têm de ser extintos.

Fala-se que a “democracia tem um custo”. Sim, o Estado deve bancar o custo das eleições, por exemplo, os gastos relativos às urnas eletrônicas e à Justiça Eleitoral. Mas não é dever do poder público sustentar partido político, que, sendo entidade privada, deve buscar sua receita entre seus membros e apoiadores. A atividade partidária deve ser financiada pelo cidadão que, no livre exercício de seus direitos políticos, assim queira proceder.

Recursos públicos devem ser destinados às funções do Estado, e não ao bolso de dirigentes partidários. Além de respeitar a finalidade do dinheiro público, acabar com o custeio estatal das legendas é caminho de fortalecimento da democracia representativa. Sem recursos públicos, os partidos deixarão de ser feudos e poderão ser, de fato, entidades aptas a representar e a defender ideias e propostas políticas.

Caixa de Pandora – Editorial | Folha de S. Paulo

Projeto que muda relações privadas na crise precisa evitar risco do voluntarismo

O impacto devastador da crise provocada pela pandemia de Covid-19 sobre a renda das famílias e a receita das empresas tumultuará, inevitavelmente, as relações contratuais que envolvem pessoas físicas e jurídicas. Nesse contexto, é desejável evitar que reveses temporários resultem em danos permanentes para os mais vulneráveis.

Para tanto, países têm adotado normas jurídicas excepcionais para este período de colapso da atividade econômica. O Brasil deu o primeiro passo nessa direção com a aprovação, pelo Senado, do projeto de lei 1.179/2020, na sexta (3).

O texto, que ainda passará pela Câmara dos Deputados e pelo crivo presidencial, institui um regime emergencial a vigorar de 20 de março a 30 de outubro, a tratar de temas tão diferentes quanto ações de despejo e serviços de entrega de mercadorias.

Deve-se ter em mente que interferir em contratos livremente firmados entre particulares constitui uma anomalia. Ainda que a emergência do coronavírus possa justificá-la, a tarefa é complexa e sujeita a equívocos desastrosos.

Fizeram bem os autores do projeto —uma associação entre as cúpulas do Legislativo e do Judiciário, ficando o Executivo de fora— em abandonar propostas como a que permitira a suspensão do pagamento de aluguéis. A pretexto de proteger inquilinos, a medida colocaria em risco locadores que dependem dessa renda.

Mesmo em questões menos controversas, o texto estará sujeito a questionamentos. O dispositivo que suspende o prazo para usucapião, por exemplo, parece inferir que o Judiciário ficará inoperante nos tempos de confinamento —o que não é verdadeiro.

Corretamente, o projeto suspende liminares para desocupação de imóvel urbano em ações de despejo ajuizadas a partir de 20 de março. Pode-se objetar, contudo, que ações de reintegração de posse não tenham sido incluídas na norma.

Tampouco se mostra indiscutível a necessidade de restringir o direito do consumidor de se arrepender de uma compra pela internet. Empresas têm adaptado seus sistemas de venda por essa via, e não se conhecem dados que sustentem a impossibilidade de fazê-lo dentro das normas vigentes.

Dúvidas à parte, o diploma votado pelo Senado tem o mérito de oferecer algum ordenamento mínimo para os tempos excepcionais que teremos pela frente. Pior será ficar à mercê de decisões voluntaristas de juízes de primeira instância ou iniciativas irrefletidas deste ou daquele parlamentar.

Infelizmente não há tempo para um debate mais aprofundado em torno de temas tão espinhosos. Que os deputados examinem o texto com cautela, sem abrir uma caixa de Pandora de normas arbitrárias e mal concebidas.

No passo certo – Editorial | Folha de S. Paulo

Datafolha mostra ampla aceitação das medidas penosas para o combate à pandemia

O isolamento social —medida que poderia, por sua severidade e efeitos colaterais, despertar divergências significativas entre os brasileiros— merece neste momento o amplo apoio da população.

Com pequenas variações entre regiões e diferentes estratos da sociedade, pesquisa Datafolha mostra que as providências recomendadas pelas autoridades de saúde são defendidas por 76% dos entrevistados entre os dias 1º e 3 de abril.

Para essa sólida parcela majoritária, as pessoas devem permanecer em casa mesmo que tal decisão prejudique a economia e possa causar desemprego.

O resultado colide com as opiniões do presidente da República, que, como se sabe, vem investindo desde o início da pandemia contra as evidências científicas e os critérios adotados por governantes de todo o mundo com o objetivo de enfrentar o enorme desafio que se apresenta.

Para usar uma imagem militar, Jair Bolsonaro marcha em passo diferente dos demais —mas acredita ser o único que está certo.

Resumem-se a 18% dos brasileiros os que acreditam ser mais importante acabar com o isolamento para estimular a economia. Trata-se de preocupação sem dúvida pertinente, que decerto não escapa à maioria, embora esta prefira aceitar os riscos econômicos em nome de um enfoque mais seguro para a saúde individual e pública.

Dois terços dos entrevistados são favoráveis a manter a proibição de abertura do comércio não essencial, e 87% concordam que as aulas devem permanecer suspensas.

Mesmo entre os que não se enquadram em grupos de risco como idosos e doentes crônicos, o isolamento social recebe apoio de 60%.

Mais do que endossar as medidas adotadas à revelia do mandatário, 71% dos brasileiros sustentam que o governo poderia ir além e proibir, por tempo determinado, que pessoas que não trabalhem em serviços essenciais saiam às ruas.

Embora neste período um modelo mais draconiano de confinamento não tenha sido adotado, a pesquisa deixa claro que na hipótese de mostrar-se necessária, a decisão encontrará eco na sociedade.

Os dados evidenciam que, a exemplo das populações de outros países, os brasileiros entenderam as restrições como uma etapa penosa, mas indispensável para evitar um colapso do sistema de saúde e a perda de mais vidas.

Reequilíbrio das concessões é desafio no pós-pandemia – Editorial | Valor Econômico

Primeiros impactos da pandemia têm sido arrasadores para o fluxo de caixa das concessionárias de serviços públicos

Como se não bastassem os efeitos potencialmente catastróficos para o sistema de saúde e o universo de incertezas que recai sobre a toda a população, especialmente os mais vulneráveis, a pandemia de coronavírus lança mais um desafio de grandes proporções: a viabilidade dos contratos de concessão na área de infraestrutura. E não poderia haver momento pior para esse choque negativo: quando a iniciativa privada dava sinais de que lideraria o crescimento do PIB, o mercado de capitais aumentava sua participação como alternativa de financiamento aos projetos, começava a haver uma limpeza dos passivos - como o drama em torno do aeroporto de Viracopos (SP) e de rodovias licitadas na gestão Dilma Rousseff - e o governo Jair Bolsonaro prometia acelerar os leilões.

Os primeiros impactos da pandemia têm sido arrasadores para o fluxo de caixa das concessionárias de serviços públicos. Um dos setores mais atingidos é a aviação comercial, com repercussão direta nas contas de grupos responsáveis por terminais aeroportuários. O Galeão (RJ) terá apenas três voos diários em abril. Em Brasília, um dos principais centros de conexão do país, serão 21 pousos e decolagens - ritmo de operações normalmente observado em 30 minutos de aeroporto funcionando.

Operadoras de metrôs, trens urbanos e veículos leves sobre trilhos (VLTs) relatam uma redução de 82% na demanda depois de iniciado o isolamento social. Com o grande comércio fechado e indústrias produzindo menos, a taxa de queda no consumo de energia elétrica é de dois dígitos, mas distribuidoras precisam continuar honrando seus contratos de longo prazo com os donos de usinas geradoras.

O último grande tombo no nível de atividade, durante o biênio 2015-2016, deixou como legado uma avalanche de pedidos de reequilíbrios contratuais. Na área de rodovias, muitas concessionárias não conseguiram cumprir com exigências para a duplicação das pistas. Nos aeroportos, o movimento de passageiros ficou longe da curva inicialmente projetada. O saldo foi um comprometimento da sustentabilidade econômico-financeira de diversos contratos.

A resposta mais comum das agências reguladoras e do Congresso àquela crise, analisando esses pedidos de reequilíbrio ou projetos de lei com repactuação contratual, foi rejeitar mudanças e atribuir prejuízos das concessionárias ao “risco de demanda” que caracteriza o negócio.
Desta vez, no entanto, há quase um consenso de que a pandemia é o tipo de “evento fortuito” ou “razão de força maior” mencionado nos contratos para justificar mudanças pelo poder concedente.

“O cenário atual é parecido com o do racionamento, mas muito mais complexo”, comparou o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, um dos maiores especialistas no setor elétrico (Agência Infra, 27/3). Empresas de distribuição de energia ainda estão fazendo as contas, mas o presidente da Copel, Daniel Slaviero, fala na necessidade de um empréstimo de R$ 15 bilhões a R$ 17 bilhões ao segmento para enfrentar o desequilíbrio de caixa.

Sem ter uma ideia precisa de qual será a demanda futura, o Ministério de Minas e Energia suspendeu leilões de novas usinas e linhas de transmissão. Também cancelou, por prazo indeterminado, a 17ª rodada de licitação para áreas de petróleo e gás natural. Diante do cenário totalmente incerto para os cruzeiros turísticos, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) desmarcou a concessão de um terminal portuário de passageiros em Fortaleza, mas o Ministério da Infraestrutura diz que manterá os demais certames - de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias.

No difícil ambiente pós-pandemia, a aceleração dos investimentos privados nas concessões de infraestrutura terá papel-chave para uma retomada mais forte da atividade econômica. E o interesse dos potenciais investidores, sejam nacionais ou estrangeiros, estará certamente condicionado à maneira como o governo e as agências reguladoras lidarão com os problemas advindos da atual tormenta. Já houve acenos importantes, como o adiamento das outorgas anuais cobradas das concessionárias de aeroportos e uma flexibilização das obrigações regulatórias, para companhias aéreas ou para operadoras de linhas interestaduais de ônibus.

A decisão mais difícil, no entanto, ainda está pela frente: como recompor o equilíbrio dos contratos - talvez, inclusive, diminuindo os valores de outorga cobrados ou aceitando aumentos de tarifas para os consumidores. A conta não será agradável, mas não se pode fazer de conta que o problema não existe.

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