terça-feira, 7 de abril de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Ameaça a Mandetta reflete o que é Bolsonaro – Editorial | O Globo

Só um presidente que não segue as leis da lógica pode afastar este ministro numa hora dessas

A fritura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é típica de um governo como o de Bolsonaro, em que a lógica cartesiana costuma ser contrariada por outras condicionantes. Pelo perfil psicológico do presidente e/ou por crenças ideológicas dele, da família e de quem os cerca. Não é lógico e depõe contra a inteligência agredir a China, o maior parceiro comercial do país, e de quem o Brasil precisa de ajuda para enfrentar a epidemia de coronavírus. Mas, nesta espécie de mundo paralelo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, faz crítica à China, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, segue atrás e põe na rede uma brincadeira de mau gosto e de má-fé com os chineses. Não estão preocupados com assuntos de governo e de Estado, apenas com suas crendices sectárias.

Por isso, Mandetta, cuja atuação na epidemia da Covid-19 é aprovada por 76%, segundo pesquisa recente do Datafolha, corre risco de ser mandado embora e no momento em que a crise de saúde inicia sua fase de agravamento. Os sensatos que estão na cúpula do governo ajudaram a convencer ontem o presidente a não cometer o desatino. Há algum tempo Bolsonaro tem demonstrado conviver mal com esta popularidade, ameaçando usar a caneta contra aqueles que “viraram estrelas”. Mais explícito, só se citasse o nome. Talvez falte ao ministro da Saúde o cuidado que tem o colega Paulo Guedes, da Economia, de sempre consultar o chefe. Mesmo ungido superministro, Guedes deve ter considerado a necessidade de ser cauteloso diante do estilo impulsivo de Bolsonaro, mesmo que atue numa área em que teoricamente seria mais difícil Bolsonaro dar ouvidos a outros.


Não se deve arriscar. Ou talvez Mandetta devesse ter o cuidado de Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, escalado nas apostas como concorrente de Bolsonaro em 2022. Moro fez defesas de teses caras ao presidente, caso do “excludente de ilicitude”, entre outros gestos.

Cair ministro é parte do jogo de poder. O grave é o que pode significar a saída de Mandetta, responsável, com sua equipe, por adotar no Brasil o isolamento social, como indicam a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a grande maioria dos médicos e especialistas. Reduzir a um mínimo a circulação das pessoas retarda a disseminação do coronavírus e dá tempo ao sistema de saúde, público e privado, de preparar-se para atender a um forte crescimento da demanda por leitos, principalmente de terapia intensiva.

Os contornos da tragédia desta pandemia estão sendo desenhados pelas muitas mortes decorrentes do erro de avaliação de alguns governos, como o que Bolsonaro cometerá se trocar Mandetta por alguém sensível ao seu argumento de que manter as pessoas em casa — com exceção dos trabalhadores em áreas vitais — é destruir empregos e salários, levando o país a uma crise nunca vista. Bolsonaro não se preocupa com um avanço rápido da epidemia, porque — mesmo que não diga — considera que um número maior de mortes será compensado pela preservação dos setores produtivos, a tempo de o crescimento voltar bem antes das eleições de 2022. Engana-se, como vários estudos acadêmicos provam. E ainda incorrerá na questão ética de desprezar vidas em nome de um projeto eleitoral.

Uma grande crise econômica haverá de qualquer forma, mas seu governo a tornará mais grave se atrasar bastante a retomada ao permitir o que está acontecendo nos Estados Unidos, na Itália e na Espanha. Seus governos demoraram a se convencer de que deveriam fazer um rígido isolamento social, e o número de seus mortos ultrapassa os 3.300 da China. Nos Estados Unidos, passaram ontem dos 10 mil. O Norte da Itália antecipou o que poderá acontecer no Brasil: a morte de um grande número de idosos infectados por filhos e netos na volta para casa depois do trabalho. O destino de incontáveis famílias pobres poderá ser decidido pela caneta de Jair Bolsonaro.

• Vírus põe à prova estrutura do SUS em cidades pequenas e médias – Editorial | O Globo

Falta de leitos de internação em 47% dos municípios brasileiros reforça necessidade do isolamento

Por ter uma relação direta com a mobilidade das pessoas, o novo coronavírus surgiu nos grandes centros. Mas, pela facilidade de propagação da doença e por uma certa falta de sintonia de prefeitos de cidades pequenas e médias com as normas adotadas nas metrópoles, era inexorável que a epidemia avançasse.

Levantamento feito pelo GLOBO mostrou que o vírus já circula em 397 municípios, além das capitais e cidades das regiões metropolitanas. Por ora, esse número representa 7,1% do total de 5.570. Mas importa menos o percentual e mais a tendência de interiorização.

Se nos grandes centros a preocupação é evitar o colapso das redes pública e privada, no interior o problema é ainda maior, à medida que não existe sequer estrutura. O colapso ocorre numa etapa anterior. Traduzindo-se em números: 47% dos municípios do país não têm leitos de internação do SUS. E apenas 23% contam com UTI pública.

Em parte o problema decorre da própria estrutura do SUS, que concentra os serviços mais complexos nos municípios de maior porte. Mas, diante da pandemia do novo coronavírus, esse sistema será posto à prova.

Por óbvio, não se consegue mudar essa estrutura de uma hora para outra. Hospitais de campanha podem ser uma saída, mas é incerto que pequenos municípios que vivem às custas do Tesouro tenham recursos. De qualquer forma, essa tendência de interiorização só reforça a necessidade de governos manterem o isolamento social, adotando as medidas de contenção dos grandes centros. O governador de São Paulo, João Doria, já disse que os prefeitos paulistas terão de cumprir as determinações. Se havia a ilusão de que pequenos núcleos populacionais estariam imunes à epidemia, não há mais.


• Orçamento da crise – Editorial | Folha de S. Paulo


PEC acerta ao criar normas especiais para despesas temporárias na calamidade

Se um quase consenso une diferentes correntes políticas e ideológicas em torno da necessidade de expandir vigorosamente as despesas públicas durante o combate à Covid-19, também precisa estar claro que apenas gastos de caráter temporário devem ser criados para o enfrentamento da crise.

Aí está o mérito maior da proposta de emenda constitucional (PEC) que altera normas de gestão das finanças públicas na vigência do estado de calamidade, já aprovada pela Câmara dos Deputados.

Batizada, espera-se que com exagero, de PEC do Orçamento de Guerra, a matéria busca abrir caminho legal para a expansão rápida e ampla de desembolsos relacionados à crise, com relaxamento momentâneo de limites e controles aplicados na condução ordinária da máquina administrativa.

Apenas em novas despesas primárias, ou seja, não financeiras, já se estima um impacto de R$ 224,6 bilhões neste ano, o equivalente a 3% do Produto Interno Bruto ou a quase sete anos de pagamentos do programa Bolsa Família.

Esse montante inclui medidas cruciais de amparo aos estratos mais vulneráveis da população, casos do auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais e famílias de baixa renda (R$ 98,2 bilhões) e do complemento ao salários de empregados formais com jornada reduzida (R$ 51,2 bilhões).

Tais gastos urgentes extrapolarão o teto inscrito na Constituição e serão bancados por meio de endividamento, o que não seria possível em tempos normais. A PEC também fixa prazo reduzido, de 15 dias úteis, para o exame de medidas provisórias que criem despesas extraordinárias.

De mais controverso, o texto permite que o Banco Central compre títulos públicos e privados, de modo a garantir o financiamento do Tesouro Nacional e a evitar uma paralisia do mercado de crédito.

A providência, já adotada por outros países, gerou temores de favorecimento indevido ao setor financeiro. Não parece coincidência, assim, que o Conselho Monetário Nacional tenha limitado temporariamente o pagamento de dividendos e o aumento da remuneração de administradores de bancos.

A proposta de emenda constitucional cria um Comitê de Gestão da Crise, comandado pelo Executivo federal mas com representantes —sem direito a voto— dos governos estaduais e municipais. O colegiado terá a missão de deliberar sobre contratação temporária de pessoal, obras, serviços e compras.

O Legislativo, que conduz as iniciativas mais importantes nesta crise, dá nova oportunidade ao governo Jair Bolsonaro de exercer sua liderança natural. O chefe de Estado, infelizmente, permanece dedicado à discórdia contínua.

• Um caso clínico – Editorial | Folha de S. Paulo

Boçalidade do ministro Weintraub em ataque à China ilustra pior do bolsonarismo

O comportamento da China no manejo do início do que hoje é a pandemia do coronavírus já mereceu diversas críticas. Tentativa inicial de abafamento, estatísticas inconfiáveis e crescente autoritarismo em nome da emergência sanitária são alguns dos itens a observar.

Também é certo que a crise de proporção planetária, enquanto inspira cenas inauditas de solidariedade, tem mostrado a face predatória de nações com mais recursos, notadamente os Estados Unidos. Acirra-se a competição por meios para combater a Covid-19.

A lógica prevalente nas cadeias produtivas globais colocou nos chineses peso enorme na confecção de insumos básicos na crise, de simples máscaras cirúrgicas a ventiladores mecânicos.

Logo, apenas um lorpa decidiria eleger Pequim como alvo no momento em que cooperação e boa vontade são tão importantes. Ou alguém vil. Seja qual for o caso, tal indivíduo existe e ora ocupa um dos mais importantes ministérios do Brasil, o da Educação.

Abraham Weintraub conseguiu reacender uma crise que estava contida após o presidente Jair Bolsonaro conversar por telefone com o líder da ditadura chinesa, Xi Jinping, na semana retrasada.

O contato visava contornar declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho presidencial que havia endossado a acusação de que a China contribuíra para piorar a propagação do vírus, para a ira da diplomacia chinesa.

Por sua vez, Weintraub encontrou tempo para fazer troça de indisfarçável tom xenófobo ao modo como parte dos asiáticos pronuncia palavras da língua portuguesa. Tudo isso para questionar quem sairia ganhando mais da crise atual.

Não satisfeito, ao ser ouvido sobre críticas da Embaixada da China, que apontou racismo na manifestação, Weintraub subiu o tom.

Disse que se desculparia caso Pequim vendesse mil respiradores a preço de custo —e sugeriu que o país asiático escondeu informações ao mundo sobre a doença para auferir lucro com equipamentos, além de ter escondido o número de ventiladores que possui.

Weintraub, assim como Eduardo Bolsonaro, testa os limites do que há de pior no bolsonarismo radical.

Infelizmente, comanda uma pasta que não pode se dar ao luxo da estagnação. Não satisfeito em comprometer o futuro do ensino nacional, o ministro se coloca entre o Brasil e seu maior parceiro comercial. Trata-se de um caso clínico.

• Cheque em branco – Editorial | O Estado de S. Paulo

Não resta a menor dúvida de que, por mais robustas que sejam, as medidas adotadas pela maioria dos governos do mundo para mitigar os efeitos da epidemia de covid-19 sobre a economia não serão suficientes para evitar um desastre de proporções ainda desconhecidas. Assim, o aumento exponencial de gastos públicos tornou-se quase uma obrigação, sobretudo porque, além de reforçar o sistema de saúde, é preciso proteger os empregos e a renda da parcela da população que vive na informalidade e vê a fome bater à porta.

Num cenário como esse, é evidente que não se pode falar, ao menos neste momento, em contenção fiscal, razão pela qual é uma boa notícia a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 10/20, que criou o chamado “orçamento de guerra” – que tratará especificamente das despesas decorrentes do enfrentamento da epidemia, separado do Orçamento da União.

O texto passou na Câmara com votações expressivas (505 votos a 2 no primeiro turno e 423 a 1 no segundo) e está para ser apreciado a qualquer momento no Senado. Tal apoio a um projeto gestado pela própria Câmara é claro indicativo de que não há polarização política que resista ao imperativo de salvar vidas e proporcionar ao setor produtivo condições de sobreviver em meio à tormenta já em pleno curso.

A PEC do “orçamento de guerra” dá liberdade praticamente irrestrita ao Executivo, representado por um Comitê de Gestão de Crise, que será dirigido pelo presidente Jair Bolsonaro, para administrar os recursos destinados ao enfrentamento da epidemia. Até mesmo a regra de ouro – que impede o governo de emitir títulos para pagar gastos correntes – estará suspensa durante a vigência do estado de calamidade. O Congresso, contudo, se reservou o direito de sustar as decisões do comitê “em caso de irregularidade ou de extrapolação dos limites” estabelecidos na PEC. E fez bem. A calamidade não pode ser pretexto para que se criem despesas permanentes, estranhas ao estritamente necessário para o esforço do combate à epidemia.

Não é um risco desprezível, a julgar pelo histórico de irresponsabilidade do poder público com o dinheiro do contribuinte. Basta ver o que fez o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, na sexta-feira passada, ao determinar que a União pague a Estados e municípios o complemento das verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Graças a uma interpretação criativa da lei que criou o fundo, que vigorou de 1998 a 2006, Estados com baixa receita e menos alunos julgavam-se no direito de receber o mesmo valor destinado aos Estados com muito mais alunos.

A decisão do ministro Dias Toffoli representa uma despesa adicional de R$ 90 bilhões para os cofres da União, já bastante comprometidos pela necessidade urgente de socorrer cidadãos e empresas em meio à epidemia de covid-19. É a criação de esqueletos fiscais dessa natureza que fragiliza as contas nacionais mesmo que não houvesse o novo coronavírus a nos atormentar.

Assim, não se pode permitir que as boas intenções – seja a melhoria da educação, seja a luta contra os efeitos da epidemia de covid-19 – sirvam como subterfúgio para favorecer grupos de interesse em detrimento do resto do País, a quem restará pagar a conta do colapso fiscal. “Tem de separar setores com problemas emergenciais do oportunismo”, disse ao Estado a economista Zeina Latif, que defendeu a manutenção do teto de gastos: “Tenho medo do precedente que se abre ao suspendê-lo”.

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, foi claro ao dizer que “não há por que continuar (no futuro) com políticas que só se justificam em um contexto de calamidade”, mas o receio de que isso venha a acontecer é mais que justificado. O Tesouro Nacional – leia-se, os contribuintes – não tem recursos infinitos, e tudo o que se fizer agora terá consequências graves no futuro. Justamente por estar em branco, o cheque que a sociedade acaba de conferir ao Executivo para lidar com a crise deve ser usado com muito mais parcimônia e responsabilidade.


• Ajuda demora, empresas perdem o fôlego – Editorial | O Estado de S. Paulo


Está difícil pegar empréstimo em banco, reclamam grandes e pequenos empresários, enquanto caem as vendas, a produção encolhe e começam as demissões, ainda lentas, mas sempre assustadoras. Para fazer o dinheiro chegar a quem precisa, o Banco Central (BC) se dispõe a tratar diretamente com as empresas, pulando a intermediação bancária. A solução será a compra direta de títulos e carteiras de crédito, mas isso dependia, até ontem, da aprovação de uma proposta de emenda constitucional já em tramitação no Congresso. Recursos liberados pelo BC estão empoçados no mercado financeiro, porque os bancos “estão segurando a grana”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes. Banqueiros dizem estar empenhados em atender quem precisa, e, enquanto a discussão se alonga, a crise se alastra e se aprofunda. Um dos sinais mais alarmantes é o desastroso balanço de março da indústria automobilística.

Reduzida a 190 mil unidades, a produção das montadoras no mês passado foi a mais baixa em 16 anos, pouco maior que a de março de 2004, quando bateu em 185,5 mil, e inferior até a de março de 2016, pior momento da recessão, quando foram montados 200,3 mil automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Os dados são da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea). As vendas de veículos novos foram 16,8% menores que as de fevereiro e 21,8% inferiores às de março de 2019. Mas o drama das montadoras é só a parte mais visível dos problemas. A crise se espalha por centenas de fornecedoras de peças, componentes e outros insumos – em grande parte, pequenas e médias empresas.

Mais do que nunca, essas companhias precisam, agora, de capital de giro para sobreviver e evitar demissões. Isso vale também para empresas de outros setores, quase todas atingidas pela redução das vendas e, portanto, forçadas a diminuir a atividade. Mas os bancos, sem soltar o dinheiro, “estão sentados em cima da liquidez e, quando liberam, liberam com taxas absurdas”, disse o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, numa entrevista ao Broadcast, serviço online da Agência Estado.

O setor bancário reage às queixas listando suas ações na crise. As cinco maiores instituições “estão processando mais de 2 milhões de pedidos de renegociação de dívidas”, afirma a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Segundo o informe, os bancos se antecipariam ao repasse de recursos do governo, iniciando os empréstimos para folhas de salários de pequenas e médias empresas. O Banco Central e o Ministério da Economia devem conferir nos próximos dias o alcance, o ritmo e as condições desse repasse.

Enquanto empresários cobram apoio financeiro e a crise se espalha, economistas do mercado tentam divisar, através da névoa, as condições dos negócios nos próximos tempos. Diante das incertezas de hoje e da experiência de outros países, alguns números da pesquisa Focus, do BC, parecem até otimistas. A mediana das projeções de variação do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 caiu em uma semana de -0,48% para -1,18%. No caso da produção industrial, o número ainda se manteve positivo, tendo passado de 0,85% para 0,50%. O detalhe mais luminoso é a expectativa de rápida reação. Para 2021 a mediana das projeções aponta 2,50% de expansão do PIB, número igual ao da semana anterior. Esse crescimento é estimado sobre uma base mais baixa, mas a boa expectativa é muito clara. Quanto à produção industrial, o aumento calculado para o próximo ano passou de 2,50% para 2,70%. Não se pode acusar o mercado, de modo geral, de estar fazendo terrorismo.

No caso do PIB, algumas projeções mais feias que a mediana são de instituições de grande peso. No cenário básico do Banco Santander, por exemplo, o PIB encolherá 2,2%. No melhor cenário, com 5% de probabilidade, a perda será de apenas 0,4%. No pior, com 25% de chance, o tombo será de 6%. Na semana passada, grandes bancos apresentaram projeções de queda na faixa de 3,5% a 4%. Em nenhuma hipótese, mesmo nas mais otimistas, a lentidão das medidas anticrise é justificável.

• Um ministro abusado – Editorial | O Estado de S. Paulo

Duas semanas após o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ter provocado uma crise diplomática ao publicar um tuíte acusando os chineses de terem escondido informações sobre o início da pandemia do novo coronavírus, o que levou o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, a divulgar uma nota na qual afirmava que o filho do presidente Bolsonaro contraíra um “vírus mental que infectou a amizade entre os povos”, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, fez uma bobagem semelhante. Em tuíte postado no sábado, usou a imagem do Cebolinha, personagem da Turma da Mônica, na Muralha da China, e substituiu o “r” pelo “l”, ironizando o modo como ele acha que os chineses falam português. “Quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial?”, escreveu o ministro.

Essa iniciativa irresponsável foi marcada por três importantes coincidências. Entre segunda e terça-feira da semana passada, o governo brasileiro foi surpreendido com a decisão do governo chinês de enviar material médico-hospitalar para os Estados Unidos, em detrimento de acordos que já haviam sido firmados com o Brasil. Na quinta e na sexta-feira, o ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta, deu declarações explicando o quanto o Brasil depende do fornecimento de equipamentos provenientes da China, a principal fonte mundial de material médico-hospitalar, para poder enfrentar a pandemia do novo coronavírus de modo eficiente. Além disso, no dia em que Weintraub postou seu tuíte, o cônsul-geral da China no Rio de Janeiro publicou um artigo no jornal O Globo refutando as declarações ofensivas do filho do presidente Jair Bolsonaro.

Após a inconsequente atitude do ministro da Educação, que deu a medida de seu despreparo, a embaixada da China distribuiu nota classificando suas palavras e ironias como “absurdas e desprezíveis”, com “cunho fortemente racista e objetivos indizíveis”. A nota também afirma que, ao estigmatizar os chineses, o tuíte de Weintraub vai na contramão da “cooperação proativa internacional necessária para acabar com a pandemia e restabelecer a saúde pública mundial com brevidade”.

Nas duas notas de protesto divulgadas pela embaixada em resposta às tolices do filho de Bolsonaro e de seu ministro da Educação, o denominador comum foi a menção ao fato de que as falas de ambos “causaram influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil”. Isso dá a medida do descalabro com que o governo Bolsonaro vem se comportando em matéria de política externa. Justamente no momento em que o Brasil mais precisa da China para salvar vidas, a população brasileira colhe os ventos e os raios da tormenta criada pela copa e cozinha do presidente da República.

No primeiro incidente, em vez de pedir desculpas exigidas pela China, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, saiu em defesa do filho do presidente, limitando-se a afirmar que a opinião do deputado Eduardo Bolsonaro não refletia a posição do governo brasileiro. O que dirá agora após o segundo incidente, quando tolices semelhantes foram postadas por um ministro de Estado? Ainda no primeiro incidente o presidente Bolsonaro tentou remediar os efeitos negativos da fala de seu filho e ligou para o presidente chinês, Xi Jinping, a pretexto de “reforçar os laços de amizade”. Se for atendido, o que poderá alegar agora, depois do texto difamatório que Weintraub postou em seu Twitter?

Em matéria de relações exteriores, os países têm de fazer escolhas. Como qualquer nação soberana, a China escolhe os beneficiários do material médico-hospitalar que produz conforme seus interesses estratégicos e com base na qualidade de seus relacionamentos bilaterais. Diante do estrago feito primeiramente pelo deputado Eduardo Bolsonaro e, agora, pelo ministro Weintraub, qual será o comportamento do governo brasileiro, uma vez que nada fez para merecer tratamento favorecido ou prioritário do governo chinês nesta crise sanitária?

• Medidas não evitarão piora do mercado de trabalho – Editorial | Valor Econômico

Aumento do desemprego é certo e pode superar 15%

O mercado de trabalho entrou já muito fragilizado na pandemia do coronavírus. Apesar das diversas ações anunciadas pelo governo, tudo indica que o desemprego poderá ser ainda maior quando a crise finalmente passar. As medidas, que vão implicar desembolso equivalente a cerca de R$ 200 bilhões, apenas devem evitar que o pior aconteça. Além da demora na elaboração, elas estão demorando para serem implantadas. Em alguns casos, como o auxílio aos informais, nem se sabe bem como se chegará aos bolsos pretendidos.

Depois de dois trimestres de recuperação, os dados do mercado de trabalho levantados pela Pnad Contínua do IBGE voltaram atrás no período de dezembro a fevereiro. O índice de desemprego subiu 0,4 ponto na comparação com o trimestre anterior, findo em novembro de 2019, subindo de 11,2% para 11,6%. Em números, os desempregados somavam 12,3 milhões de pessoas no mês do Carnaval.

O desemprego geralmente aumenta em início de ano com a dispensa de trabalhadores do setor de varejo contratados para postos criados para atender o aumento da demanda tradicional de fim de ano. Desta vez, no entanto, chamou a atenção que as demissões foram lideradas pelo setor de construção, que não conseguiu manter a reação do fim de ano. Houve demissões também na administração pública, em boa parte de empregados na área da educação, muitos dos quais seriam contratados após a aprovação do novo orçamento, e nos serviços domésticos.

O número de trabalhadores ocupados, incluindo empregados, empregadores, funcionários públicos e os que trabalham por conta própria, diminuiu 0,7% para 93,7 milhões. Os trabalhadores informais representavam 40,6% do total de ocupados, um pouco menos do que os 41,1% do trimestre anterior, mas ainda assim envolvia 38 milhões de pessoas. Esse grupo compreende os sem carteira assinada, incluindo empregados domésticos, empregadores sem CNPJ e trabalhadores familiares auxiliares.

Na tentativa de amenizar o impacto da pandemia de coronavírus no mercado de trabalho, o governo lançou, até o momento, iniciativas em três frentes. Em um primeiro momento buscou minorar a situação crítica dos trabalhadores informais, os primeiros que sentiram o impacto do isolamento social imposto na tentativa de se desacelerar a escalada da contaminação da população. A renda dos informais cessou imediatamente. O governo criou um auxílio emergencial, inicialmente fixado em R$ 200, que a Câmara dos Deputados triplicou. O grupo beneficiado foi sendo ampliado. Ao final, além dos informais, foram abrangidos os autônomos, microempreendedores individuais (MEIs), os listados no Cadastro Único e beneficiários do Bolsa Família.

Cálculos feitos pela Fundação Getulio Vargas, quando se estimava que perto de 29 milhões de pessoas seriam beneficiadas, era que o custo da medida seria inferior a 1% do Produto Interno Bruto (PIB), mas seu impacto na economia seria maior, aumentando o PIB em 1,2%. Já a Instituição Fiscal Independente (IFI), que assessora o Senado, calculou que os beneficiados chegam a 30,5 milhões, ao custo de R$ 59,3 bilhões em três meses. Mas o governo fala em 54 milhões de pessoas e em um custo que chega a R$ 98 bilhões.

Outra medida foi a abertura da linha de crédito de R$ 40 bilhões para financiamento de folha de pagamento de pequenas e médias empresas por um período de dois meses. Estima-se que o valor é suficiente para beneficiar 1,4 milhão de empresas e 12,2 milhões de pessoas. O programa estabelece teto de dois salários mínimos por funcionário e proibição para demissão durante esse período. O valor a ser gasto, no entanto, é bem aquém do necessário uma vez que o total de pequenas e médias empresas é três vezes maior.

Na área trabalhista, o governo regulamentou a suspensão de contratos de trabalho, liberando a redução de jornada de trabalho e salários, com compensação parcial das perdas pelos cofres públicos. Embora a compensação possa ser quase integral para as faixas mais baixas de renda, pode haver perdas de rendimento sobretudo para as faixas salariais mais altas. O governo estima que a medida deverá envolver R$ 51,2 bilhões.

Todos esforços são válidos, mas não dispensam posterior revisão e até ampliação pois a necessidade é seguramente maior. Importante também será agilizar sua implementação dada a gravidade da situação. Mas o aumento do desemprego é dado como certo e já se prevê que a taxa pode superar 15%, ou 5 milhões a mais.

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