quinta-feira, 30 de abril de 2020

Zeina Latif* - Reação à crise

- O Estado de S.Paulo

Seria equívoco buscar atalhos e ceder a pressões que atrapalhem o crescimento

Os novos capítulos da política demandam capacidade de reação de Jair Bolsonaro. E o melhor antídoto para evitar uma crise de governabilidade é a economia arrumada.

Foi assim com Temer. A queda da inflação e a retomada, ainda que lenta, da economia foram suficientes para manter as ruas calmas, a despeito da baixa aprovação do governo.

É verdade que o ex-presidente precisou garantir apoio do Congresso nas votações das denúncias contra ele, com consequências na gestão orçamentária. No entanto, seu governo não perdeu de vista a necessidade de manter a política econômica nos trilhos e de dar continuidade à agenda de reformas, ainda que inviabilizada a da Previdência. Temer soube ouvir.


O mau desempenho da economia é algo esperado por conta da epidemia, o que contribui para conter a crítica ao presidente. No entanto, uma crise prolongada, causada por políticas públicas equivocadas, poderá testar a paciência da sociedade. Não basta colocar a culpa no isolamento social dos governadores, até porque parece clara a saturação do sistema de saúde.

As crises econômica e política tiram Bolsonaro de sua zona de conforto. O presidente deu sinal de que sabe que não pode descuidar da economia. Foi simbólico reafirmar a confiança em Paulo Guedes, cujo cargo parecia ameaçado.

Gestos não bastam, no entanto. Sua convicção sobre a importância de disciplina fiscal e medidas estruturantes – em contraponto a estímulos que beneficiam a poucos, mas prejudicam o crescimento sustentado de longo prazo – será testada, tendo em vista as pressões crescentes por socorro governamental.

Bolsonaro precisa arbitrar as divergências internas do governo, posto que cresce a defesa de políticas de estímulo econômico que lembram as do governo Dilma. As discussões sobre a agenda pós-pandemia iniciada pelo plano Pró-Brasil precisam estar conectadas à dura realidade fiscal e às novas prioridades que emergem com a crise: há diferentes cenários de demanda por cada tipo de infraestrutura; será preciso preparar o País para um mundo mais digital; e maior esforço será necessário para atrair o investimento privado.

O presidente precisa se comprometer com a combalida agenda de reformas. É nítida sua baixa disposição para enfrentar temas espinhosos.

Guedes também precisa arrumar a casa, com um plano de ação estruturado para enfrentar a crise e entregar oportunamente as reformas mais urgentes. Oportunidades foram desperdiçadas em 2019, em meio a promessas em demasia.

Do lado fiscal, aumentou a urgência de medidas que reduzam a rigidez orçamentária – principalmente os gastos com a folha –, pois a elevação adicional da dívida pública recomenda o reforço da perspectiva de ajuste fiscal futuro.

Será necessário redefinir prioridades da agenda de crescimento. Se, por um lado, será difícil avançar na reforma tributária e nas privatizações, diante das dificuldades do setor produtivo e de tantas incertezas, por outro há espaço para remover obstáculos ao crescimento sustentado.

Guedes precisa aumentar a interlocução com os demais ministérios e com o Congresso. Um exemplo de dificuldade é o lento avanço do projeto de lei de licitações.

A mudança no Ministério da Justiça poderá ser uma oportunidade para se discutir a redução da insegurança jurídica, que inibe o investimento. Como ensina Carlos Ari Sundfeld, há excessos da ação estatal assentados no direito público brasileiro, o que requer o diálogo com o sistema judiciário e a revisão de normas legais e exigências nas licitações e a redução da ingerência de órgãos de controle.

Na área tributária, Bernard Appy aponta a necessidade de maior qualidade das normas tributárias, uniformização e consolidação da jurisprudência entre os tribunais e maior transparência por parte dos órgãos fiscalizadores na interpretação e aplicação das leis.

Há muito a ser feito para reduzir disfuncionalidades da ação estatal. Seria um equívoco buscar atalhos e ceder a pressões que atrapalham o crescimento sustentado.

Ainda há tempo para corrigir rumos.

*Consultora e doutora em economia pela USP

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