quarta-feira, 22 de abril de 2020

Zuenir Ventura - Um ensaio de golpe

- O Globo

Bolsonaro disse coisas que não se deve esquecer

É possível que ainda não tenha sido uma tentativa de golpe, mas um ensaio, um teste para saber até onde poderia avançar uma ação contra a democracia. Não por acaso, aconteceu diante do Quartel-General do Exército, em Brasília, à frente de uma aglomeração de fanáticos golpistas que com gritos e faixas pediam intervenção militar, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e a volta do AI-5.

No seu discurso em tom de campanha, Bolsonaro disse coisas que não se deve esquecer porque não são arroubos passageiros, são ideias, algumas fixas: “Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder. Mais do que direito, vocês têm obrigação de lutar (...). Contem com seu presidente para fazer tudo aquilo que for necessário para manter a nossa democracia (...). Nós não queremos negociar nada, nós queremos é ação pelo Brasil”.

O repúdio à participação do presidente foi geral, incluindo todas as instituições, até mesmo uma da qual o capitão esperava, se não apoio, pelo menos tolerância: os militares. No dia seguinte ao ato contra a democracia, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, divulgou uma nota afirmando que as Forças Armadas trabalham “sempre obedientes à Constituição”. Antes, ele se reuniu com os comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha.

Também o presidente do STF, ministro Dias Toffolli, que não havia se pronunciado antes, somou-se ao repúdio de seus colegas, ministros Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes, e afirmou que não é possível admitir qualquer “solução que não seja dentro da institucionalidade”. Diante de tantas opiniões, Bolsonaro mudou o tom de um dia para o outro: usando sua costumeira tática de avançar e recuar, de desdizer o que disse antes, de morder e assoprar, passou a defender, quem diria, “Congresso aberto e Supremo aberto”. Só manteve firme sua convicção, ou melhor, sua megalomania: “A Constituição sou eu”.

O que será que pensa o novo e silencioso ministro da Saúde sobre esse episódio, que contém alguns ingredientes que ajudaram a derrubar o antecessor?

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