domingo, 31 de maio de 2020

Os democratas precisam conversar – Editorial | O Globo

Forças políticas que têm suas diferenças, mas compartilham a defesa das liberdades, devem se reaproximar

Nestes 32 anos de vigência da Constituição de 1988 e nos 35 da saída dos militares do Planalto, não houve momentos em que a estabilidade democrática parecesse estar por um fio. A morte de Tancredo antes da posse foi uma tragédia mitigada aos poucos, à medida que o vice, José Sarney, com a habilidade dos velhos políticos conservadores, foi conduzindo o país até a primeira eleição direta pós-ditadura para presidente, em 1989. Os acidentes no percurso da renascida democracia continuaram. Fernando Collor de Mello sucumbiu ao impeachment, em uma crise acompanhada com adequada distância pelos militares. Nem a perspectiva da subida do PT pela rampa do Planalto causou temores. Transcorreram sem sustos 13 anos com a esquerda no Executivo, vencendo-se ainda mais um impeachment, de Dilma Rousseff.

Mas Jair Bolsonaro e o que pensa, quem o cerca e a conjuntura histórica em que país e mundo se encontram passaram a ser a maior ameaça à democracia brasileira neste período de uma geração. Ter a extrema direita no Planalto, na democracia, é uma experiência nova que gera enormes pressões sobre todos os poderes republicanos. Seria o mesmo se fosse a extrema esquerda. Num mundo digitalizado, os ataques a pessoas e a instituições se multiplicam, há muito ruído, agitação, e o que cabe fazer é aplicar a Constituição sem recuos.

O Congresso, mesmo com a limitação das sessões remotas, cumpre sua pauta, e o Judiciário trabalha. Mas a grave crise política exige mais. Bolsonaro, quem diria, usa o método chavista de cooptar militares — alguns da ativa —, para comprometê-los com seu projeto de poder. Finja-se de desentendido quem quiser, mas a estratégia é clara. O uso desta fórmula da experiência bolivariana acrescenta mais tensão ao momento.

Livre expressão - Editorial | Folha de S. Paulo

Apesar de equívocos e risco de excessos, inquérito das fake news deve prosseguir

Se há um ponto em que democracias caminham sobre o fio da navalha, é a regulação da liberdade de expressão. Autorizar qualquer discurso em qualquer situação implica ofender outros direitos fundamentais, como aqueles à segurança, à propriedade, à privacidade, à autoimagem e outros.

Ademais, o advento da internet e das redes sociais ampliou enormemente o potencial de estrago que palavras tóxicas podem causar.

Blindar outros direitos contra discursos que os coloquem em risco tampouco é solução. A liberdade de expressão não apenas está no DNA das democracias liberais como tem valor instrumental.

Pelo menos no Ocidente, os grandes avanços científicos e institucionais obtidos nos últimos séculos estão intimamente associados à livre circulação de ideias, especialmente aquelas que, em algum ponto da história, pareceram blasfemas e mesmo perigosas.

Ser solidário é bom, mas não basta – Editorial | O Estado de S. Paulo

Está na hora de lutar para que a sociedade se transforme, de tal maneira que todos os que aqui vivem sejam tratados com um mínimo de dignidade

As doações de empresas e indivíduos para financiar o esforço no combate à pandemia de covid-19 já superaram R$ 3 bilhões. É uma cifra formidável – equivale a mais de um ano de investimento privado em filantropia no Brasil, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Dessa forma, a elite nacional exibe notável senso de solidariedade em relação aos milhões de cidadãos brasileiros que viram sua renda, já muito baixa, desaparecer em razão dos efeitos econômicos da pandemia e que por isso dependem de ajuda para sobreviver, não só ao coronavírus, mas à miséria.

O problema é que, passada a pandemia e em algum momento no futuro próximo, essa tragédia passará, a elite hoje solidária retomará seus afazeres privados – a “volta ao normal” tão desejada –, mas nada da duríssima realidade de seus miseráveis compatriotas terá mudado. Ao contrário, é bem provável que, ante o derretimento da economia, essa parcela da população retroceda décadas em qualidade de vida, que já hoje é desoladora.

Merval Pereira - Aras em xeque

- O Globo

Inábil no seu açodamento, Bolsonaro vem tornando pública sua proposta de “compensação” a Aras

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, tenta sair das cordas com retórica, não com atos. Disse, afinal, em nota que “sente desconforto” com a citação de seu nome para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. O sujeito oculto da frase é o presidente Bolsonaro, que, inábil no seu açodamento, vem tornando pública sua proposta de “compensação” a Aras.

Na verdade, desconforto é o sentimento generalizado entre seus pares, e a opinião pública o identifica como o “Procurador-Geral de Bolsonaro”, conforme a pichação que acordou ontem na sede do Ministério Público em Brasília.

Ele é a peça-chave nos dois inquéritos que correm no STF envolvendo o presidente Bolsonaro, um sobre a interferência na Polícia Federal, e outro das fake news. Se Aras decidir pedir o arquivamento, não haverá denúncia, a não ser que o embate entre Executivo e Judiciário esteja tão radicalizado que, no caso das fake news, por exemplo, um dos ministros atacados, ou vários, entrem com uma “ação penal privada subsidiária da pública”, contestando a decisão do Procurador-Geral. Mas as provas não se perderão. Serão enviadas para a primeira instância, no caso dos que não têm foro privilegiados. E aos tribunais superiores, no caso de deputados estaduais e federais.

Bernardo Mello Franco - Um país fora de foco

- O Globo

A crise institucional desviou o foco do que realmente deveria importar: o combate ao coronavírus. Sob pressão, os estados começam a capitular

Nos últimos dias, a Polícia Federal apertou as milícias virtuais do bolsonarismo, o presidente elevou o tom das ameaças ao Supremo e a crise institucional se aproximou perigosamente de um ponto de ruptura. Nem parece, mas tudo isso aconteceu num país devastado pela pandemia do coronavírus — com mais de mil mortes diárias e sem ministro da Saúde.

A tensão política desviou o foco do que realmente deveria importar: o combate ao coronavírus. No sábado, o Brasil se tornou o quarto país com mais mortes pela Covid-19. Entre hoje e amanhã, deve ultrapassar a marca de 30 mil vidas perdidas.

Apesar desses números, os governos de Rio e São Paulo acabam de divulgar planos de reabertura da economia. Os anúncios preocuparam médicos e cientistas que acompanham as curvas de contágio.

“Estamos nos aproximando do pico da pandemia. Definitivamente, não é o momento para a reabertura do comércio”, afirma o epidemiologista Roberto Medronho, da UFRJ. “A quarentena é um remédio amargo, mas ainda é o mais adequado para o quadro que estamos vivendo”, prossegue.

Cristovam Buarque* - Reunião de horrores

- O Globo

Ministro da Educação de Hitler sentia horror às simples expressões ‘povo judaico’ ou ‘povo cigano’ ou ‘comunista’

Bernhard Rust foi ministro de Hitler para a Educação. Nomeado no primeiro dia do governo nazista, foi fiel até a morte, por suicídio, na rendição da Alemanha. Não se pode dizer que Rust era culpado pela situação da educação alemã em 1933. Apesar de muito melhor que a nossa hoje, a educação alemã sofria consequências da Primeira Guerra e dos fortes constrangimentos impostos pelo acordo de paz que comprometeu as finanças públicas. Tudo isso agravado por hiperinflação e caos político ao longo da década de 1920.

Rust não era o culpado da herança que recebeu, mas, em vez de montar um sistema educacional competitivo na Europa, concentrou-se na ideologia para desarticular o que chamava de cultura comunista e influência de judeus na vida intelectual da Alemanha. Ele via a universidade como antro do marxismo cultural. Einstein era recusado como judeu e a teoria da relatividade vista como parte da conspiração internacional comunista.

Míriam Leitão - ‘Os erros terão cor verde-oliva’

- O Globo

Historiador José Murilo de Carvalho vê risco crescente de ruptura no Brasil e avalia que as Forças Armadas já estão atreladas aos erros do presidente

A democracia corre riscos no Brasil? Essa foi a pergunta que fiz para o historiador e escritor José Murilo de Carvalho. Ele respondeu: “Corre.” Era difícil imaginar uma resposta assim tão direta, tempos atrás. “Até o início do ano, o risco era pequeno, mas está crescendo, embora, por enquanto, em ritmo menor do que o coronavírus.” Autor do clássico “Forças Armadas e Política no Brasil”, que acaba de ser relançado, José Murilo acha que dificilmente Marinha e Aeronáutica apoiariam qualquer ruptura da ordem.

Ele não está falando, nem se pensa, em um golpe como o de 1964, que aconteceu em outro contexto histórico, mas acha que o artigo 142 da Constituição tem um “caminho aberto para interpretações conflitantes”. Dos muitos sinais dos últimos dias dados por militares que estão no governo, ele acha que o mais grave foi o episódio do general Augusto Heleno, até porque foi respaldado pelo ministro da Defesa:

— A posição do general Heleno é sem dúvida a que mais preocupa, por deixar a entender uma ameaça de intervenção. Pode, em parte, ser atribuída a seu temperamento, mas a nota que distribuiu no dia 22 de maio é ameaçadora. Pode ser interpretada como referência ao que a Constituição diz sobre o papel das Forças Armadas como garantidoras dos poderes constitucionais, isto é, como superpoder, como corte supremíssima.

A Constituição, explica, diz que as Forças Armadas estão sujeitas à autoridade do presidente da República e acrescenta que elas se destinam “à garantia dos poderes constitucionais”.

Elio Gaspari - Weintraub fez mais uma

- O Globo / Folha de S. Paulo

Bolsonaro tem encontro marcado com o TSE

O ministro da Educassão, Abraham Weintraub, comparou a operação contra os financiadores da máquina de mentiras do bolsonarismo à “Noite dos Cristais” de 1938, quando os nazistas queimaram centenas de sinagogas, destruíram milhares de lojas e mataram pelo menos 90 judeus. Weintraub tomou contravapores da embaixada de Israel, do Comitê Judaico Americano e da Confederação Israelita, por banalizar o antissemitismo que desembocou no Holocausto. Comparar as duas situações é confundir hemorroida com hemograma.

Nos seus delírios, o ministro pratica uma ignorância seletiva. Na tétrica reunião do Ministério de 22 de abril ele ouviu seu colega Paulo Guedes dizer que conhece “profundamente, no detalhe, não é de ouvir falar”, diversos programas de reconstrução econômica, entre eles os da “Alemanha na Segunda Guerra e na Primeira, com o Schacht.”

Para uma mente sensível como a de Weintraub, a lembrança de Guedes tinha um aspecto politicamente tóxico. A Primeira Guerra terminou em 1918 e Hjalmar Schacht assumiu a presidência do Reichsbank em 1923. Nesse cargo ele estabilizou a moeda alemã. Em 1930, quando a dívida do país estrangulava sua economia, ele avisou que “se o povo alemão tiver que passar fome, teremos muitos Adolf Hitler”. Não deu outra e, em 1933, Hitler assumiu o governo. Quindim da banca, Schacht era um coletor do Caixa Dois dos nazistas e um ano depois, quando o ministro das Finanças reclamou da perseguição aos judeus, ele o substituiu. Soltou dinheiro para obras públicas e para o rearmamento do Reich.

Ele deixou o comando da economia antes da Noite dos Cristais, mas continuou como ministro sem pasta até 1943. (A Solução Final do extermínio dos judeus foi decidida em 1942).

Schacht foi um alemão emblemático de sua geração, que não sabia o que estava acontecendo. Ele começou a vida no Dresdner Bank, da família Gutman, e não moveu um dedo quando ela começou a ser perseguida. A baronesa Louise morreu em Auschwitz e seu marido, Fritz, foi assassinado no campo de Theresienstadt. Schacht foi absolvido pelo tribunal de Nuremberg, que enforcou uma parte da cúpula civil e militar do nazismo, e morreu em 1970, aos 83 anos. Sua mulher usava um broche, uma suástica de rubis e brilhantes.

Encontro marcado
Jair Bolsonaro está encrencando com o Judiciário (“Temos que botar limites” ou “Chega!”) porque acordou para o fato de que tem um encontro marcado com o Tribunal Superior Eleitoral no julgamento dos pedidos de cassação de sua chapa com o vice Hamilton Mourão. Os processos são seis, dois podem morrer em poucos dias, mas quatro persistirão. Todos eles se referem aos disparos de notícias falsas na rede, tema da investigação conduzida pelo ministro Alexandre Moraes.

Ricardo Noblat - As duas faces do poder saem a passeio

- Blog do Noblat | Veja

Uma, transgressora. A outra, conforme a lei

Cada um ao seu modo, o presidente Jair Messias Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Martins Mourão aproveitaram o sábado de sol intenso em Brasília e saíram a passear. O general, de máscara, de mãos dadas com sua mulher, também de máscara como manda a lei assinada pelo governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha. O capitão, sem máscara, embora levasse uma consigo.

Bolsonaro saiu do Palácio do Alvorada de helicóptero para uma visita surpresa a cidades goianas do entorno de Brasília, a mais distante a menos de 250 quilômetros. Mourão foi de carro fazer pequenas compras em um shopping do Lago Norte, a 20 quilômetros do Palácio do Jaburu, onde mora. O aparato de segurança do vice era pequeno e discreto. O do presidente, grande e ostensivo.

Mourão foi reconhecido pelas poucas pessoas que havia no shopping, deu autógrafos e posou para fotos. Ele e a mulher compraram roupas, produtos de beleza (para ela), chocolates e entraram numa livraria. Onde esteve, Bolsonaro provocou aglomerações, o que por lei é proibido. Na cidade de Abadiânia, tomou o café da manhã em uma lanchonete, apertou mãos de devotos e abraçou uma criança.

Vera Magalhães - O que falta é coragem

- O Estado de S.Paulo

Safra de líderes políticos tíbios e pautados pelas redes sociais agrava nosso pesadelo

Da internet vieste, à internet voltarás. Esse parece ser o pesadelo que assola os atuais líderes políticos brasileiros, de todos os partidos, em todas as instâncias. Aqueles que os eleitores colocaram em postos de comando sem saber que dali a poucos anos seríamos assolados por uma pandemia.

Do presidente ao vereador, os incumbidos de tomar decisões que definirão se sairemos antes ou depois desse pesadelo, com mais ou menos mortes e no fundo ou a meio caminho dele no poço econômico, todos pautam suas ações pela repercussão nas redes sociais, por um cálculo mesquinho de perdas e ganhos políticos e por pouca ou nenhuma ciência, o que explica que estejamos no pior dos mundos sob todos os ângulos.

A covardia é um dos atributos que mais contribuem para a maneira tresloucada com que Jair Bolsonaro investe contra as instituições, o bom senso e a saúde pública. Trata-se de um Forrest Gump, aquele personagem que chegou lá por acaso. Estava passando no momento exato da História em que a corrupção desbragada cometida pelo lulopetismo levou uma parcela da sociedade a um surto de eleger qualquer coisa menos um petista.

Eliane Cantanhêde - A boa notícia

- O Estado de S.Paulo

Há resistência, senso de dever e responsabilidade. O Brasil nunca será uma Venezuela

Para quem imagina, ou teme, que tudo está perdido, eis a boa notícia: as instituições e os setores responsáveis da sociedade se movem contra a escalada que vai de impropérios imbecis a ameaças perigosas. Não há reuniões secretas pela madrugada, apenas a velha e boa troca de impressões, informações e perplexidade, à luz do dia. Em plena pandemia, todos conversam freneticamente e há uma saudável resistência democrática no País.

O primeiro passo é contar a verdade, desmontar a versão de que o presidente Jair Bolsonaro é a vítima e que os palavrões e absurdos de 22 de abril foram “desabafo” de um homem perseguido com sua família, amigos e aliados. Afinal, quem ameaça quem? Quem ataca e quem é vítima? Quem precisa de um “basta, pô!”? Certamente, quem faz discurso em atos que se apropriam das cores e símbolos nacionais, com o QG do Exército ao fundo, para atacar a democracia e a ordem constituída.

E não é de hoje. Quem disse que “basta um soldado e um cabo para fechar o Supremo”? Faz apologia de “rupturas”? Comanda o “gabinete de ódio”? Insiste em intervir em PF, Coaf, Receita? Desafia até protocolos universais de saúde em atos contra o Legislativo e o Judiciário?

Eros Roberto Grau* - A tripartição dos Poderes e a democracia

- O Estado de S.Paulo

Qualquer insurgência contra o STF é afronta à ordem e à paz social, prenuncia autoritarismo

Os momentos que estamos a viver cá no Brasil, a Terra da Santa Cruz, levam-me a breve reflexão em torno do tema da separação entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Separação resultante de tripartição de um todo. Todo que, no entanto, não pode ser despedaçado, pois o Estado é um só, a chamada separação dos Poderes prestando-se unicamente a permitir que atue em plena coerência com os princípios e regras da democracia.

A pequena frase de Charles de Gaulle tudo diz: a autoridade do Estado é indivisível! Antes dele, Hegel, ao afirmar que o Estado distribui sua atividade entre vários Poderes, porém de modo que cada um deles seja, em si mesmo, uma porção da totalidade, de um todo único. O Estado é uma totalidade. Quando se fala da diversidade de eficácia dos Poderes, de sua ação e sua eficiência – diz ele –, é necessário não incorrermos no erro de considerar as coisas como se cada Poder estivesse lá abstratamente, por si próprio. Os três são momentos do conceito de Estado. É primorosa a lição de Carlos Maximiliano ao afirmar que – como no corpo do homem – no Estado não há isolamento de órgãos, mas especialização de funções.

Permito-me ir além, recorrendo ao que Kelsen ensina: o que se refere sob o nome de “poder estatal” é a validez de uma ordem jurídica. Daí que a ideia de uma partição dessa validez é absurda, a suposição do funcionamento isolado de três Poderes sendo insustentável. Não é possível supormos que essa trindade – Legislativo, Executivo e Judiciário – não constitua uma unidade.

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira* - Inércia é cumplicidade

- O Estado de S.Paulo

Reagir ao desgoverno é preciso. Reação pacífica, na hora precisa. E parece ser esta a hora

Os bacharéis em Direito, no curso da nossa História, sempre se destacaram na vanguarda das lutas cívicas e nativistas, em prol dos anseios de liberdade e de democracia do nosso povo. Os estudantes, por seu turno, jamais se ocultaram em salas de aula.

Os acadêmicos das Arcadas transformaram o pátio e o púlpito em frente à faculdade, no território livre do Largo de São Francisco. Também nas ruas, nas praças, em todo e qualquer lugar onde houvesse pessoas, suas vozes eram ouvidas e acatadas.

No final dos anos 30 até 1945, os estudantes pugnaram com ardor e denodo pela queda de Getúlio Vargas, o que aconteceu nesse mesmo ano. Primorosos oradores pregavam a construção de uma sociedade livre e solidária com respeito aos direitos da pessoa humana, à liberdade de opinião e às garantias democráticas. Entre muitos se destacaram Waldir Troncoso Peres, Germinal Feijó e Arrobas Martins.

Proclamavam eles, dentre outras questões, a chocante contradição da convocação dos jovens para lutar na Itália em prol da liberdade, enquanto no Brasil ela nos faltava. Falava-se que a convocação de estudantes era uma retaliação contra aqueles que tantos embaraços criavam ao governo.

Anualmente, uma festa mobilizava todos os estudantes da Faculdade de Direito, com intensa repercussão na sociedade paulistana. Era o Baile das Américas. Em 1943 ele foi realizado no Hotel Esplanada.

Janio de Freitas – A saída armada

- Folha de S. Paulo

Obsessão armamentista de Bolsonaro é necessária para conflagração contra perda do poder

Não vai acabar bem, não há como —começo, forçado pelas circunstâncias, com esta frase jornalisticamente velha, que ainda antes da posse de Bolsonaro gravei para o importante site de Bob Fernandes e aqui pôde ser encontrada nos primórdios do atual governo. Não era previsão, era só uma obviedade de que muitos olhares preferiram desviar, por diferentes motivos, desde temores talvez inconscientes à ganância já rica.

Situações com muitos componentes da tensão levam à imprevisibilidade intransponível, ou quase, sobre seu desfecho. Consegue-se formular umas poucas hipóteses, mas as variações imprevistas são sempre mais numerosas. É diante de hipóteses inumeráveis que estamos.

Bolsonaro, seu filho Eduardo e outros desatinados fizeram, contra o Supremo Tribunal Federal, novas ameaças golpistas. Os generais Hamilton Mourão, Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto puseram nos seus currículos sucessivas negações de risco de golpe. Declarações de Augusto Heleno, porém, estão com sua autoridade moral cassada pelo próprio, que tanto ameaça com "consequências imprevisíveis" como diz que risco de golpe é só invenção da imprensa.

Apesar de que mentir em depoimento processual seja falta grave e punível, Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto foram inverdadeiros nos depoimentos sobre a reunião vergonhosa, pretendendo proteger Bolsonaro. Condutas são mais eloquentes do que palavras.

José Murilo de Carvalho* - Tutela militar

- O Globo

Hoje, a garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas FA para definir seu papel

As Constituições determinam o papel dos atores políticos. Vejamos como as nossas definiram o das Forças Armadas.

1824: sem papel político e policial.

Art. 47: “A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela autoridade legítima”.

Art. 48: “Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar e Terra, como bem lhe parecer conveniente à segurança e defesa do Império”.

1891: com papel político e policial.

Art. 14: “As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior. A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos, e obrigada a sustentar as instituições constitucionais”.

1934: com papel político e policial.

Art. 162: como em 1891. Acrescenta nas atribuições: “defesa da ordem e da lei”.

1937: sem papel político e policial.

Art. 161: “As forças armadas são instituições nacionais permanentes, organizadas sobre a base da disciplina e da fiel obediência à autoridade do presidente da República”.

1946: papel político e policial.

Art. 176: “As FA [...] são instituições nacionais permanentes [...] sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”.

Art. 177: “Destinam-se as FA a defender a pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”.

Joaquim Falcão* - Militar da ativa e militar da reserva

- Folha de S. Paulo

Por quem falam, afinal, os militares no governo?

Existe o militar da ativa e o militar da reserva. Os militares da ativa e da reserva que trabalham no governo. E os que não trabalham. Existe a elite militar, e a tropa militar. E por aí vamos. Militar é gênero de múltiplas espécies.

Muitos tendem a perceber os militares como um só todo. Com obrigações, valores, missões, benefícios, ideologias, limites únicos. Como bloco uniforme e monolítico.

Não são, não. Diferem, e muito.

Toda a carreira do militar da ativa é formalizada, previsível e institucionalizada por critérios objetivados, diria o ministro Ayres Britto. Etapas adequadas ao mérito e treinamento que tiveram. O soldo é predeterminado. A hierarquia profissional prevalece. São obrigados ao silêncio obsequioso. São proibidos de se manifestar politicamente.

Já com o militar da reserva que vai para o governo, não. É opção individual. Depende de sua vontade e do convite político. O cargo no governo, seja no primeiro, segundo ou qualquer escalão, necessariamente não corresponde ao treinamento que receberam na ativa. Ao ir para o governo, a renda individual do militar da reserva, em geral, aumenta.

A hierarquia é outra. Às vezes, generais da reserva disputam publicamente posições dentro do governo. Falam, debatem e discordam em público. Mais ainda. Quando militar na ativa comete alguma falta, é julgado na Justiça Militar. De legislação e critérios próprios. Quando em cargo de governo, não. Generais vão depor diante de delegados. E, às vezes, são contraditados.

Bruno Boghossian – Entre o vírus e o poder

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro teme que crise econômica favoreça políticos de oposição

Para entender por que o país continua sem ministro da Saúde no auge de uma pandemia, basta assistir a um trecho da infame reunião ministerial de 22 de abril. Antes de anunciar seu plano para armar a população, Jair Bolsonaro explicou o que o incomoda de verdade.

"A luta pelo poder continua, a todo vapor. E sem neurose da minha parte. O campo fértil para aparecer uns porcarias aí, levantando aquela bandeira do 'povo ao meu lado', não custa nada. E o terreno fértil é esse: desemprego, caos, miséria, desordem social e outras coisas mais. Então essa é a preocupação que todos devem ter", disse a seus auxiliares.

Em dois minutos, o presidente expôs as razões da negligência do governo diante do coronavírus. Bolsonaro orientou sua equipe a trabalhar contra as ações para frear a disseminação da doença por acreditar que os efeitos econômicos da crise podem favorecer políticos de oposição.

Numa ironia do destino, o presidente se mostra atormentado pela ameaça de um salvador da pátria.Ele teme que os eleitores enxerguem em outros campos, em especial na esquerda, soluções que seu governo foi incapaz de oferecer para amortecer os prejuízos com a pandemia ("essa trozoba", no léxico palaciano).

Entrevista | 'Bolsonaro quer mudar o assunto das mortes para ele não ser responsabilizado', diz filósofo

Para Marcos Nobre, presidente tem projeto de implantar regime autoritário no país

Dimitrius Dantas | O Globo

SÃO PAULO — O professor da Unicamp e filósofo Marcos Nobre lançou nesta sexta-feira "Ponto final - A guerra de Bolsonaro contra democracia", um dos livros em formato eletrônico (e-book) e físico da coleção lançada pela editora Todavia sobre o Brasil em meio à pandemia do coronavírus.

No livro, Nobre defende que Bolsonaro tem um projeto autoritário cujo objetivo é a ruptura da democracia. A chegada da pandemia, entretanto, alterou o plano e levou o presidente a ser ainda mais agressivo com as instituições.

Em conversa com o GLOBO, Nobre defendeu o inquérito das fake news e classificou os ataques do presidente ao Supremo Tribunal Federal, como uma forma de fugir da responsabilidade do combate à pandemia.

— Bolsonaro conscientemente quer mudar o assunto das mortes para que ele não seja responsabilizado. Isso é algo que é a coisa mais pusilânime — diz.

• O senhor começa o livro criticando o discurso que diz que Bolsonaro é "burro" e "louco" e defende que o presidente atua com uma racionalidade política. Como funciona essa racionalidade política?

O que quero dizer com isso é que tratar o Bolsonaro de outra maneira que não como um político é uma estratégia que reforça sua imagem de não-político, que é a que ele quer passar. É uma maneira que tira sua responsabilidade dos atos que pratica, afinal burros e loucos não podem ser responsáveis pelas burrices e loucuras. Então, é preciso tentar entender a racionalidade do Bolsonaro: o Bolsonaro como político. Isso significa entendê-lo como alguém que tem um firme projeto autoritário. Temos que levar isso muito a sério.

José Roberto Mendonça de Barros* - Algumas lições da covid-19

- O Estado de S. Paulo

Se for para pedir subsídios em Brasília, será melhor nem começar

Após três meses de distanciamento social, muitos Estados e municípios iniciam uma cuidadosa volta à normalidade. Embora em poucos lugares se tenha decretado o fechamento total (lockdown), o confinamento começou a mostrar resultados onde a pandemia se iniciou, que é o Estado de São Paulo. Em particular, no município da capital o processo está mais avançado, como se pode verificar pelo comportamento de uma curva que mostra a evolução da média móvel de sete dias de novos óbitos, que parece estar se estabilizando. Um indicador adicional é que a pressão sobre o número de leitos de UTI disponíveis amenizou.

Durante esse período, um número limitado, porém relevante, de setores teve desempenho satisfatoriamente bom. São eles:

– O agronegócio, que foi capaz de colher uma safra recorde e encaminhá-la para os mercados.

– A logística, incluindo a chamada última milha, que é a entrega no endereço do comprador final.

– O comércio exterior, especialmente na exportação de produtos agrícolas, que tem batido recordes. Em boa parte, isso se deve à automação de terminais e sistemas de despacho de caminhões e trens, que acabou com boa parte do congestionamento nos portos.

– O sistema financeiro, no qual a generalização do “home banking” é anterior ao “home office”. Nenhuma transação deixou de ser feita.

– O segmento de telecomunicações e de tecnologia da informação (TI), incluindo as empresas de base tecnológica.

– Os setores do comércio ligados a alimentação, higiene, limpeza e farmacêutica, bem como suas indústrias fornecedoras.

– Os serviços de saúde e assistência, inclusive com expressiva elevação de emprego e de recursos provenientes de doações do setor privado.

Arminio Fraga* - Uma resposta à altura da crise

- Folha de S. Paulo

Reformas menos impactantes nos deixariam na ciclotimia medíocre de décadas

Em minha última coluna discorri sobre a tempestade perfeita de crises que assolam o Brasil: sanitária, econômica e política. Argumentei que o desafio exigia liderança esclarecida por parte do Executivo. De lá para cá a tormenta recrudesceu.

Já não é de hoje que o governo vem dando sinais preocupantes. Ataques constantes à imprensa. Rejeição à política e ao diálogo. Repressão ao terceiro setor e à cultura. Desdém pela ciência, meio ambiente, questões identitárias, pela própria democracia. O vídeo da reunião de abril confirmou de forma assustadora esses sinais.

Resulta daí grande incerteza. E não surpreende, portanto, que o investimento nacional esteja há tempo parado em seu menor nível histórico.

No campo econômico, a agenda pouco evoluiu. A privatização, a PEC Emergencial (de natureza fiscal) e a abertura da economia não andaram. As cruciais reformas tributária e administrativa não foram sequer apresentadas.

O ambiente político anda crescentemente tenso, como no título do livro “A Batalha dos Poderes”, de Oscar Vilhena Vieira, colega aqui nesta Folha. O governo parece se alimentar do confronto. Chama a atenção nesse contexto a montagem de uma base de apoio em linha rejeitada na campanha. Sugere uma guinada para modo de sobrevivência. Não é um bom sinal.

Independentemente do rumo que a política brasileira vier a tomar, cabe um alerta quanto ao cenário econômico.

A crise econômica tem suas raízes nas equivocadas escolhas da gestão de Dilma Rousseff, amplamente debatidas, embora não devidamente absorvidas. Meu resumo: modelo econômico velho (intervencionista, de baixa produtividade) e crise de confiança por descontrole fiscal a partir de 2014 (fato frequentemente esquecido).

Vinicius Torres Freire - Quando a manicure ouve o plano Guedes

- Folha de S. Paulo

Economia estagnava antes da epidemia e, sem ideias novas, vai ficar no fundo por anos

O que diriam donos de restaurantes ou lanchonetes, manicures, barbeiros, lojistas de roupas e sapatos, mestres de obras ou proprietários de negócios de consertar coisas se ouvissem o plano do governo para reparar a economia depois da catástrofe? Esses são os empresários mais típicos do Brasil. São milhões.

Os seus empreendimentos entram na categoria dos setores econômicos “comércio” e “outros serviços” (que inclui ainda profissionais liberais, saúde e educação privadas, entretenimento, cultura, esportes, hotéis etc.). Produzem mais de 31% do PIB (17% vêm só de “outros serviços”). Notem: o valor da produção da agropecuária é pouco mais de 5% do PIB; o da indústria, 11%.

Tamanho não é tudo, decerto. As contas do PIB são apenas contabilidade: dizem que, em certo período, produziu-se tanto. Não explicam nada. Por exemplo, não dizem se um setor é mais ou menos capaz de arrastar outros consigo (basta pensar nos negócios indiretos sustentados por montadoras, por exemplo).

Mas vê-se aí o tamanho de um problema. O setor “outros serviços”, como era de esperar, levou o maior tombo do PIB do primeiro trimestre.

Manifesto une personalidades da esquerda à direita a favor da democracia

Manifesto Estamos #Juntos foi publicado neste sábado em jornais e em uma plataforma criada para recolher assinaturas

- O Globo

RIO - Um grupo de artistas, políticos, intelectuais, cientistas, organizações, empresas e pessoas de diferentes setores da sociedade se uniu em "defesa da vida, da liberdade e da democracia". O movimento Estamos Juntos, que já conta com mais de 6 mil assinaturas da esquerda à direita, divulgou um manifesto em jornais neste sábado, incluindo O GLOBO, exigindo que autoridades e lideranças políticas exerçam seu papel diante da crise sanitária, política e econômica que atravessa o país.

O escritor e colunista Antonio Prata, um dos organizadores do movimento, explica que a intenção do movimento e do manifesto é aglutinir personalidade, políticos e cidadãos de diferentes setores da sociedade e matizes ideológicos em defesa das instituições e contra um golpe contra a democracia.

- Temos Freixo, Fernando Henrique Cardoso, Boulos e Armínio Fraga no mesmo movimento. A intenção é barrar a ideia de um golpe. Eduardo Bolsonaro disse que não é uma questão de se, mas de quando. Bolsonaro passou a vida defendendo a ditadura e um golpe. Precisamos voltar a discordar dentro do rinque que é a democracia - conta Prata.

A ideia do movimento surgiu após um grupo de autoras e atrizes do Rio de Janeiro, encabeçado pela roteirista Carolina Kotscho, se unirem para fazer uma nota de repúdio às declarações da então secretária nacional de Cultura, Regina Duarte. Em entrevista à "CNN Brasil", a atriz minimizou os casos de tortura e as mortes causadas pela ditadura militar no país.

O movimento cresceu e ganhou aderência de diversos setores.

A lista inicial conta com nomes que vão desde o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) ao cantor Lobão. O manifesto reúne personalidades como o apresentador e empreendedor Luciano Huck, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a economista Elena Landau, o ex-ministro da Educação Renato Janine, o advogado criminalista Antonio Cláudio Mariz e o escritor Antonio Prata.

De acordo com o manifesto, "como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia".

- A esquerda vem falando muito só a esquerda. A ideia é ter um manifestado de frente ampla. 70% da população rejeita Bolsonaro. Há um discurso que é muito conveniente para o Bolsonarismo de que existe uma luta entre o bolsonarismo e a corrupção petista. De que só existem esses dois polos na sociedade. Se você não está com Bolsonaro, você é favor da corrupção. Não é verdade - diz Prata, que adianta que há outras inúmeras ações sendo pensadas: - Vamos fazer um festival de música - uma espécia de Virada Democrática - em transmissão online para dar visibilidade e aglutinir ainda mais pessoas para essa luta.

Manifesto a favor da democracia une personalidades de ideologias diversas

Movimento com políticos, artistas, intelectuais e empresários cobra autoridades durante a crise

José Marques | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Até alguns meses atrás, seria improvável imaginar que os músicos Lobão e Caetano Veloso se unissem em defesa de uma mesma causa. Na sexta-feira (29), isso aconteceu.

Por meio de um manifesto publicado neste sábado (30) na edição impressa de jornais, entre eles a Folha, artistas, políticos, empresários, produtores e intelectuais lançaram um movimento que demanda a líderes que “exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”.

O texto também foi divulgado por meio de um site criado pelo movimento, que foi intitulado “Estamos Juntos”.

O manifesto se propõe a unir pessoas de diferentes matizes ideológicas em defesa de temas como “a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia”.

Nele, são chamados a “resgatar a identidade da nação” os líderes partidários, prefeitos, governadores, procuradores, deputados, juízes e outras autoridades —mas não o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), seus ministros ou as Forças Armadas.

Entre os signatários estão personalidades como a atriz Fernanda Montenegro, o youtuber e empresário Felipe Neto, o escritor Paulo Coelho, os apresentadores Luciano Huck e Serginho Groisman, o produtor Kondzilla, a socióloga e acionista do Itaú Maria Alice Setúbal e o ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Nelson Jobim.

Também assinam o manifesto políticos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), o governador Flávio Dino (PC do B-MA) e o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (MDB).

“A gente não está entre o bolsonarismo e o comunismo, estamos entre o bolsonarismo e a civilização”, diz o escritor e colunista da Folha Antonio Prata, um dos organizadores do movimento. Ele destaca a diversidade de pensamentos e opiniões das pessoas que assinam o manifesto.

“Tem todo mundo do chamado flá-flu de antes desse flá-flu de hoje, de quando a disputa política ainda era entre PT e PSDB”, diz.

Prata afirma que o movimento não é necessariamente antibolsonarista, nem defensor do impeachment do presidente, mas é principalmente antifascismo.

Ele diz que a possibilidade de escalada autoritária nas últimas semanas ajudou a unir as pessoas em uma mesma direção. “Nós estamos à beira de um golpe militar”, afirma o escritor.

Manifesto estamos #juntos

Somos muitos.

Somos cidadãs, cidadãos, empresas, organizações e instituições brasileiras e fazemos parte da maioria que defende a vida, a liberdade e a democracia.

Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país.

Somos a maioria de brasileiras e brasileiros que apoia a independência dos poderes da República e clamamos que lideranças partidárias, prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores, procuradores e juízes assumam a responsabilidade de unir a pátria e resgatar nossa identidade como nação.

Somos mais de dois terços da população do Brasil e invocamos que partidos, seus líderes e candidatos agora deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de país.
Somos muitos, estamos juntos, e formamos uma frente ampla e diversa, suprapartidária, que valoriza a política e trabalha para que a sociedade responda de maneira mais madura, consciente e eficaz aos crimes e desmandos de qualquer governo.

Como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia.

Defendemos uma administração pública reverente à Constituição, audaz no combate à corrupção e à desigualdade, verdadeiramente comprometida com a educação, a segurança e a saúde da população. Defendemos um país mais desenvolvido, mais feliz e mais justo.

Temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos dos mesmos princípios éticos e democráticos. Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança.

Vamos #JUNTOS sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro.


Entrevista| Eduardo Paes - De volta ao jogo

O político carioca lembra que alertou sobre ligação de Wilson Witzel com figuras do esquema Cabral, critica Bolsonaro, Marcelo Crivella e confirma sua candidatura à prefeitura do Rio

Por Cássio Bruno, Sofia Cerqueira | Revista Veja

Durante cinco dos sete anos em que Sérgio Cabral governou o Rio de Janeiro, tornando-se um dos grandes símbolos de corrupção nacional, o prefeito da capital era Eduardo Paes, seu colega de partido. Mas, ao contrário de Cabral, condenado a mais de 200 anos, Paes nunca foi julgado nem denunciado criminalmente, embora seja alvo de um inquérito por caixa dois. Depois de uma administração considerada competente e da derrota nas eleições de 2018 para o governo do estado, o ex-prefeito diz que chegou a pensar em sair da política, porém repensou e voltou com animação total. Nesta entrevista, ele anuncia sua candidatura à prefeitura carioca e dispara críticas contra o sucessor Marcelo Crivella, Jair Bolsonaro e o governador Wilson Witzel, agora enredado em denúncias de desvios na área da saúde. Há um ano sem fumar e 12 quilos mais magro, Paes, 50 anos, recebeu VEJA sozinho em seu escritório no Centro do Rio, de máscara boa parte do tempo (tinha feito naquele dia o teste de Covid-19 e deu positivo) e dizendo-se farto da quarentena: “A vida sem samba, sem música, sem abraço e sem encontros é sempre muito chata”.

• Velhos nomes da rede de corrupção do ex-governador Sérgio Cabral voltaram a aparecer em investigações que envolvem a área da saúde do atual governo, de Wilson Witzel. Episódios como esse eram pedra cantada?

Eu mesmo, na eleição de 2018, alertei muitas vezes sobre a proximidade de um dos maiores prestadores de serviço do governo do estado, no caso o empresário Mário Peixoto, com o candidato Witzel. Ele e Lucas Tristão (secretário de Desenvolvimento Econômico), quando eram sócios em um escritório de advocacia, cuidaram de assuntos de Peixoto e tiveram uma procuração para representar os interesses dele no Estado do Rio. Era uma coisa escancarada.

• No epicentro do escândalo de agora está a Organização Social Iabas. O senhor também teve contrato com ela quando foi prefeito?

Tínhamos contratos com várias. Tanto esses caras do Iabas quanto outros donos de organizações sociais foram presos, delataram e ninguém falou um “ai” da prefeitura enquanto estive lá.

• Seu partido, o DEM, ganhou uma secretaria no governo Witzel. Agiu errado?

O DEM entrou no governo contra a minha opinião. Quem perde eleição não deve assumir secretarias.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade =- Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

sábado, 30 de maio de 2020

Opinião do dia – Fernando Gabeira*

Na conversa que tive com o amigo disposto a lutar a última luta da vida, chegamos à conclusão de que é preciso apenas um núcleo que saiba contornar as bobagens dos que só pensam no poder e consiga estimular a criatividade social, diante dessa ideia de que a democracia não pode morrer no Brasil.

Não adianta ficar reclamando que o Congresso e o Supremo não conseguem frear a marcha totalitária. Isso depende de nós: é só querer. Na verdade, milhares hoje dão sua pequena contribuição, criticando, resistindo, às vezes até ridicularizando pelo humor.

Todo esse esforço molecular está, na verdade, ligado entre si. O que às vezes impede a consciência dessa união é o desprezo pela política, compreensível pelo que ela se tornou no Brasil.

Mas não se trata de aderir a um partido, militar no sentido clássico. A luta contra o coronavírus, por exemplo, é uma ampla frente pela vida que vai do carregador de maca ao cientista. As pessoas estão unidas pela urgência do presente, sem perguntar de quem é a culpa pelo vírus.

Da mesma forma, não interessa agora saber de quem é a culpa pela marcha do obscurantismo. É preciso detê-la.

*Fernando Gabeira é jornalista. “Algumas notas para resistir”. O Estado de S. Paulo, 29/5/2020.

Merval Pereira - E daí?

- O Globo

A proximidade excessiva, quase obscena, de Aras com o presidente Bolsonaro traz o descrédito ao corpo de procuradores

O procurador-geral da República, Augusto Aras, não consegue nem mesmo entrar no elevador cheio na sede de Brasília da instituição que preside, tamanho o desconforto que está provocando entre seus pares.

A proximidade excessiva, quase obscena, com o presidente Bolsonaro, a quem cabe a Aras julgar no caso da interferência na Polícia Federal, traz o descrédito ao corpo de procuradores. Não é por acaso que surgiu o abaixo-assinado, com assinaturas de mais da metade dos componentes do Ministério Público, para tornar lei a praxe de o presidente da República ter que escolher de uma lista tríplice o ocupante do cargo.

Aras colocou-se à margem da corporação, não participando da disputa, atitude que agradou a Bolsonaro. Mesmo assim, a revolta interna o atinge, a ponto de ter havido uma reação branca dos procuradores, que se recusaram a ajudá-lo a escrever a manifestação da PGR contra o inquérito das fake news.

Em Brasília, já há quem o chame de procurador-geral do Bolsonaro. Ou quem diga que o governo tem hoje três pessoas exercendo o cargo de advogado-geral da União: o próprio, José Levi, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Ascânio Seleme - Mirando o passado

- O Globo

Que importância têm PT, PSOL, PCdoB? Nenhuma. No momento, nem oposição fazem corretamente. No futuro, talvez, mas terão de rebolar muito para conseguirem voltar a ter a preponderância que culminou nas eleições de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Então, por que Bolsonaro, seus filhos, seus ministros mais engajados e toda a ala ideológica do governo não param de falar nesses partidos? Porque não têm mais desculpa para o fracasso político do chefão. O presidente, que poderia ter governado em paz, mesmo tocando aqui e ali sua tresloucada pauta conservadora, perdeu completamente o rumo e a liderança quando os escândalos de seus filhos começaram a bater em sua porta. E então apontou seus canhões para o passado.

Os alvos de Bolsonaro e sua turma passaram a ser os partidos de esquerda, sobretudo o PT, do qual o presidente se julga o verdadeiro antagonista. Por isso, todas as vezes que se vê confrontado parte para cima do que já passou, do que virou história. Discurso contra a bandeira vermelha é de uma obviedade sem limites. Atacar os governos de Lula e Dilma virou quase um bordão na boca do presidente e de seus aliados. O que eles fazem é explorar o sentimento de rejeição ao PT que transbordou pelos quatro cantos do país depois da desilusão provocada pelos escândalos do petismo.

Tem o mesmo valor o continuado discurso anticorrupção do clã, que também motiva a militância bolsonarista. Não há um dia em que Bolsonaro, um de seus zeros, um de seus ministros ou um aliado importante não fale que a era da corrupção acabou no país. Em seus monólogos para sua claque e alguns microfones na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro não se cansa de repetir: “querem a volta da corrupção”; “perderam a boquinha e querem a mamata de volta”; “estou há 500 dias no governo e não há nenhum caso de corrupção contra mim”. Claro que combater a corrupção é importante, mas não é tudo.

Geraldo Tadeu Monteiro* - A politização da morte

- O Globo

Governo Bolsonaro não é feito para governar

Como em todo evento cataclísmico, a exemplo de guerras e terremotos, espera-se que uma pandemia mortal seja encarada pelas forças políticas e sociais como o inimigo comum. Os mortos e os doentes são fatos, não versões. No Brasil, pelo contrário, o que se viu foi um comportamento negacionista extremo por parte do presidente da República, com graves consequências. Desde o início, Bolsonaro escolheu politizar a pandemia. E isso por dois motivos.

O primeiro é a boa e velha estratégia da “cortina de fumaça”. Com uma economia já estagnada em 2019, o impacto econômico da pandemia ameaçaria os planos de reeleição. A solução? Politizar a Covid-19. De um lado, colocam-se os que “querem trabalhar”, os “defensores da economia” e dos que “prescrevem” a cloroquina; do outro, os que “querem ficar em casa”, os “defensores da vida” e até os “céticos”, que não prescrevem cloroquina. Uma polarização perfeita que coloca a crise como responsabilidade dos outros.

O segundo é que, de quebra, tal posição o coloca, para delírio da militância, em confronto com o Congresso, o STF, a mídia, os governadores, a intelectualidade, os cientistas e até com a própria OMS, reforçando a ideia de que há um complô do “sistema” contra o líder.

Andréa Pacha - Negacionismo constitucional

- O Globo

A sociedade organiza frentes para impedir que a violação ao estado democrático de direito avance

O reduzido grupo que confronta a Ciência, estatísticas e a realidade representada por 27 mil mortos é o mesmo que rejeita a democracia, em exibições de negacionismo constitucional. Enfrentamos a maior crise sanitária da humanidade, submetidos a provocações no ambiente tóxico das redes e a crises políticas, potencializadas por quem deveria zelar pelo bem comum. Mal temos direito à tristeza e ao luto. Somos sistematicamente bombardeados por ameaças e hashtags que não matam, como o vírus, mas nos assombram, em tensão permanente, exigindo esforço para resistir à insanidade.

O que se viu, na reunião de ministros, em meio a esse cenário de sofrimento, além das violações aos princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade, foi a absoluta indiferença para com a dor alheia. Oportunismo de baixo calão, quebra de decoro de empatia, e um silêncio eloquente e revelador do descaso para com o caos que assola o país. Nenhum projeto de prevenção ou tratamento. Nenhuma orientação ou informação. Nenhuma palavra para as famílias dos mortos, e para os que esperam vagas em hospitais e UTIs. Seguimos sem um ministro da Saúde, que se responsabilize pela condução da crise.

Se as instituições e os controles democráticos não funcionassem, não incomodariam tanto, a ponto de um ministro sugerir, pasmem, que se aproveitasse a oportunidade da tragédia para não se submeter a eles.

Míriam Leitão - A grande queda e o que vem depois

- O Globo

PIB caiu 1,5% no primeiro trimestre e pode recuar 10% no segundo tri. Governo tem que parar de fabricar crises e focar na recuperação

Uma queda do PIB trimestral de 1,5% é forte, mas foi só um tropeço perto do que vem por aí. No segundo trimestre, neste que estamos vivendo, de abril a junho, o país está em queda livre que pode superar 10%. A recessão de 2020 será a maior da nossa história. Em agosto, o país pode ter 20 milhões de desempregados, me diz uma fonte do próprio governo. O que parou a economia foi o coronavírus, mas o presidente Jair Bolsonaro piorou tudo ao não exercer o papel de liderar a resposta e ainda criar uma crise por dia. Suas atitudes afetam a economia. Que investidor virá para um país em que o presidente ameaça a suprema corte e seu filho diz que uma “ruptura” é questão de tempo? Bolsonaro é também um problema econômico porque investidor detesta crise institucional. Eles querem segurança jurídica.

A nota técnica do Ministério da Economia diz que os sinais são de que a crise pode causar perdas permanentes, ou seja, a devastação que está havendo em empresas, principalmente nas micro e pequenas, pode não ser reversível. O auxílio emergencial evitou queda maior da renda, as medidas para o emprego atingiram 8,2 milhões de trabalhadores. Mais da metade teve a suspensão do contrato de trabalho, que é a hipótese mais dura de todas as reduções de salário do programa. Esses 8,2 milhões estão hoje em situação mais precária, apesar de permanecerem empregados, mas a população ocupada caiu em quase cinco milhões de pessoas. No Brasil, é caro demitir, ao contrário dos Estados Unidos. Se as empresas não se recuperarem, esses trabalhadores vão perder o emprego. Se as linhas de crédito formuladas para as micro e pequenas empresas continuarem não funcionando, elas não retornarão dessa queda. O cálculo de um integrante da equipe econômica é que em agosto pode haver 20 milhões de desempregados no país, um número jamais visto.

Ricardo Noblat - O otimismo de Paulo Guedes em forma de “V”

- Blog do Noblat | Veja

Como o Brasil poderá furar as ondas que o ameaçam

Nas últimas 24 horas, ganhou contornos o pior dos mundos para o futuro do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo.

O Brasil ultrapassou a Espanha e tornou-se o 5º país do mundo com o maior número de mortos pelo Covid-19.

O PIB – ou seja: a produção de riquezas no país -, encolheu 1,5% no primeiro trimestre em comparação com o último trimestre de 2019.

Enquanto o pico da pandemia está previsto para julho, o isolamento social mingua em alta velocidade por toda parte.

O número real de infectados e de mortos pelo vírus é 111 vezes maior do que o número registrado pelo Ministério da Saúde.

A contração da economia entre janeiro e março está muito distante da contração a ser verificada no final de junho.

O tombo está sendo estimado em 10% ou mais. O país entrará na maior recessão econômica dos últimos 120 anos.

Hoje, a legião de desempregados está perto da casa dos 13 milhões. Em agosto, poderá ser de 20 milhões. Nunca se viu nada igual.

Marco Antonio Villa - A agonia do governo Bolsonaro

- Revista IstoÉ

O mercado financeiro tolerava Bolsonaro, era considerado boquirroto, tosco, ignorante

A escalada bolsonorista contra o Estado Democrático de Direito continua de vento em popa. Desde 1º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro age frontalmente contra as instituições. É o cavaleiro das trevas do reacionarismo. O autoritarismo explícito, a falta de decoro, o uso de instituições de Estado como instrumentos da sua vontade, tudo era relevado. Afinal, o importante seria o programa econômico e as reformas estruturantes repetidas ad nauseam pelos porta-vozes do mercado.

Era o que interessava. Seria o preço a ser pago pela reestruturação do processo de acumulação capitalista. Já que os partidos tradicionais tinham dificuldade de empolgar o eleitorado, desgostoso com os escândalos sucessivos de corrupção, restou ao grande capital apoiar um desconhecido, meio exótico para os padrões da Faria Lima, mas que parecia amestrado no campo econômico. O mercado não via em Bolsonaro alguém com um projeto próprio de poder. Era encarado como um boquirroto, tosco, ignorante.