sábado, 16 de maio de 2020

Alberto Aggio* - Sobre o artigo de Hamilton Mourão

- Esquerda Democrática

Em relação ao sentido político do artigo do vice-presidente Hamilton Mourão [O Estado de S. Paulo, 14 de maio], creio que se deverá especular muito sobre o seu sentido diretamente político, ou seja, de conjuntura e de ação política. O ambiente bolsonarista instaurou uma "guerra de movimento" em que o confronto é o tom mais habitual (no mesmo 14 de maio, Bolsonaro foi explícito ao falar com empresários contra o governador de São Paulo João Doria: "É guerra").

A complexidade da situação pode ser mobilizada sugerindo que, em certo sentido, Mourão revela que sob o bolsonarismo estaríamos imersos naquela metáfora dos "45 cavaleiros húngaros" comentada por Gramsci em referência a situações abertas ou que são maturadas para um possível assalto ao poder por parte de um grupo minoritário [cf. o texto de Gramsci no post abaixo]. A fala de "um jipe, um cabo e um soldado para fechar o STF", pronunciada pelo Eduardo Bolsonaro, bem como os “300 de Brasília” são exemplares dessa situação.
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O artigo de Mourão faz, no essencial, uma defesa do governo e cita várias vezes os "pais fundadores" do federalismo norte-americano. É possível especular sobre as fontes, sua validade, correção ou mesmo instrumentalização. Mas é preciso considerar que o artigo tem nível e Bolsonaro seria incapaz de escrever algo minimamente similar.

Bastante preocupante talvez seja aquilo que se pode inferir em termos de ação política, ou seja, a ênfase de que as FFAA, que foram colocadas por Bolsonaro para dentro do sistema político, parece que serão os principais atores a resolver a nossa profunda e enorme crise, já que o autor condena veementemente a imprensa e os outros poderes, notadamente o judiciário, além de eximir inteiramente o presidente de qualquer responsabilidade. Mourão sugere que as FFAA são "o ator" capaz de, novamente, salvar o Brasil de "tanto mal" que se faz contra o País. Creio que Mourão alerta para o fato de que está se aproximando o momento em que as FFAA terão que cumprir, novamente, um papel estabilizador: nem Bolsonaro nem as forças de oposição a ele. Podem até manter Bolsonaro (que terá que pagar o seu preço), mas se abrirá uma luta interna forte entre grupos militares.

O artigo de Mourão seria destinado aos generais que estão no governo, seria uma advertência para salvá-los, ao mesmo tempo que indicaria um caminho para salvar as FFAA de um desenlace desastroso deste governo. No fundo, Mourão adverte que há possibilidade de salvar o país: com eles no comando. Se vai se dar por um golpe clássico ou não, só se saberá no momento certo. Creio que nessa hipótese de análise do artigo de Mourão o País poderia deixar o clima de "45 cavaleiros húngaros", que é o movimento de Bolsonaro, para entrar numa lógica mais próxima daquela do regime militar brasileiro.

No essencial, o artigo é, por ora, uma advertência. Mas pode-se depreender um sentido maior: sair da guerra de movimento, da lógica que levaria inevitavelmente aos "45 cavaleiros húngaros". Os atores para isso são os militares. Não há outra sugestão no artigo, nem mesmo a presidência da República: Bolsonaro não é sequer mencionado. Creio que, de acordo com Mourão, os militares assumiriam o poder diretamente, com ou sem Bolsonaro, e não seriam moderadores. Esse seria o preço a ser pago por Bolsonaro. Por ora, há uma advertência, mais à frente pode-se montar as condições para isso. Talvez aí Bolsonaro pague o preço para não ser defenestrado. E, com certeza, essa história não terminaria assim.

*Alberto Aggio, historiador é professor titular da Unesp

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