terça-feira, 26 de maio de 2020

Gideon Rachman - Populismo está levando o Brasil à catástrofe

- Financial Times / Valor Econômico

País está pagando um preço alto pelas travessuras de seu presidente


Em visita ao Brasil no ano passado, conversei com uma destacada financista sobre os paralelos entre Donald Trump e Jair Bolsonaro.

“Eles são muito parecidos”, disse ela, antes de acrescentar: “Mas Bolsonaro é muito mais burro”. Essa resposta me pegou de surpresa, uma vez que o presidente dos Estados Unidos não é tido, de modo geral, como um grande intelecto. Mas minha amiga insistiu. “Veja só”, disse ela. “Trump administrou uma grande empresa. Bolsonaro nunca conseguiu passar de um capitão no Exército.”

A pandemia de coronavírus me recordou essa observação. O presidente do Brasil tomou uma atitude impressionantemente semelhante à de Trump - mas ainda mais irresponsável e perigosa.

Ambos os dirigentes ficaram obcecados com as supostas virtudes curativas do medicamento antimalária hidroxicloroquina. Mas, enquanto Trump simplesmente assume essa defesa por conta própria, Bolsonaro obrigou o Ministério da Saúde brasileiro a emitir novos protocolos, que recomendam o medicamento para pacientes de coronavírus. O presidente dos EUA brigou com seus assessores científicos. Mas Bolsonaro demitiu um ministro da Saúde e levou seu substituto a pedir exoneração. Trump manifestou simpatia por manifestantes anticonfinamento; Bolsonaro participou de suas manifestações.

Infelizmente, o Brasil já está pagando um preço alto pelas travessuras de seu presidente - e as coisas estão se agravando de forma acelerada. O coronavírus chegou ao Brasil de forma relativamente tardia. Mas o país tem a segunda maior taxa de infecção do mundo e o sexto maior número de vítimas fatais da covid-19. O número de mortes no Brasil, que responde por cerca de metade da população da América Latina, agora dobra a cada duas semanas, comparativamente à frequência de cada dois meses registrada no duramente atingido Reino Unido.

A configuração econômica e social do Brasil permite concluir que o país sofrerá severamente com a aceleração da pandemia. O sistema hospitalar em São Paulo, a maior cidade brasileira, já está próximo do colapso. Com grandes parcelas dos habitantes vivendo em condições de grande densidade populacional, e sem poupança, o desemprego em massa poderá levar à fome e ao desespero ao longo dos próximos meses.

Mas seria justo responsabilizar Bolsonaro? O presidente, empossado em 1º de janeiro de 2019, não é, evidentemente, responsável pelo vírus - nem pela pobreza e pela superconcentração de pessoas que transformaram a covid-19 em tamanha ameaça ao país. Ele também não conseguiu impedir que muitos dos governadores e prefeitos brasileiros impusessem regimes de confinamento em Estados e municípios. Mas, ao estimular seus seguidores a desprezar os regimes de confinamento e ao contestar seus próprios ministros, Bolsonaro é responsável pela resposta caótica que permitiu que a pandemia fugisse ao controle. Em decorrência disso, os danos à saúde e à economia sofridos pelo Brasil tendem a ser maiores e mais profundos do que poderiam ter sido. Outros países que enfrentam condições sociais ainda mais difíceis, como a África do Sul, tiveram uma reação muito mais disciplinada e eficaz.

Se a vida fosse uma saga sobre a moralidade, as excentricidades de Bolsonaro em torno do coronavírus levariam o Brasil a se voltar contra seu presidente populista. Mas a realidade pode não ser tão simples.

Não há dúvida de que Bolsonaro passa por problemas políticos. Seus índices de popularidade despencaram e estão agora abaixo de 30%; cerca de 50% da população desaprova o tratamento dado por ele à crise. O apoio de que ele gozava no passado da parte dos conservadores tradicionais - desesperados por se livrar do Partido dos Trabalhadores, de esquerda - está atualmente em processo de esfacelamento. Sergio Moro, seu ministro da Justiça de alta popularidade dedicado ao combate à corrupção, pediu demissão no mês passado. As denúncias de Moro sobre os esforços do presidente em interferir nas investigações policiais foram suficientemente explosivas para levar o Supremo Tribunal a abrir uma investigação capaz de levar ao seu impeachment.

Mas um impeachment no Brasil é um processo na mesma medida político quanto é jurídico. As infrações que levaram à retirada de Dilma do cargo de presidente em 2016 foram de ordem razoavelmente técnica. Pesou mais o fato de Rousseff ter sucumbido a um índice de aprovação de 10% nas pesquisas e de a economia ter sofrido uma profunda recessão. Os índices de aprovação de Bolsonaro ainda estão muito acima do ponto mais baixo registrado por Dilma. E, num momento em que a economia se encaminha, indubitavelmente, para uma recessão profunda e para uma escalada do desemprego, sua retórica anticonfinamento pode lhe proporcionar alguma proteção política. O professor Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, diz: “O que Bolsonaro quer é se dissociar da crise econômica que se aproxima”.

As medidas de isolamento social condenadas por Bolsonaro poderão, na verdade, lhe valer do ponto de vista político. Poderão evitar as manifestações de massa responsáveis pelo impulso dado à campanha a favor do impeachment de Dilma. E dificultarão a tarefa dos políticos de tramar e negociar nas famosas “salas enfumaçadas” - processo necessário para costurar um impeachment bem-sucedido. Tramar pelo telefone não é a mesma coisa. Alguns políticos poderão sentir que mergulhar o Brasil em uma crise política não é conveniente no meio de uma pandemia.

Mas a união nacional não vai se instaurar enquanto Bolsonaro for presidente. Num clássico estilo populista, ele prospera com base na política da divisão. O Brasil já é um país profundamente polarizado, repleto de teorias de conspiração. As mortes e o desemprego causados pela Covid-19 estão sendo exacerbados pela liderança de Bolsonaro. Mas, de maneira perversa, uma calamidade de saúde e econômica poderá criar um ambiente ainda mais propício para a política do medo e da irracionalidade.

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