quinta-feira, 14 de maio de 2020

Ribamar Oliveira - Inflação baixa antecipa fim do teto

- Valor Econômico

Cenário mostra que será precisos cortar ainda mais investimentos da União e custeio da máquina

A manutenção do teto de gastos nos próximos anos, tão desejada pelo governo, enfrentará uma dificuldade adicional, que não estava prevista. Com a recessão econômica em curso no Brasil e no mundo, provocada pela pandemia da covid-19, a inflação vai cair muito. E inflação mais baixa significará um teto ainda mais apertado.
A Emenda Constitucional 95/2016, que criou o limite para as despesas da União, determinou que o valor do teto de gastos será corrigido, anualmente, pela inflação. Para 2021, o índice a

Limite para as despesas terá correção abaixo de 2%

Por causa da recessão econômica, o Brasil vive um momento de deflação, ou seja, os preços estão caindo, em vez de subindo. Em abril, o IPCA caiu 0,31%. Para maio, o mercado projeta nova deflação, de 0,35%. Para junho, a taxa esperada é próxima de zero. Se as previsões se confirmarem, o índice em 12 meses acumulado até junho ficará abaixo de 2%.

Uma estimativa feita pelo Tesouro Nacional, que consta do anexo de riscos fiscais ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO) para 2021, estima que o desvio de 0,1 ponto percentual do IPCA provoca uma variação de R$ 1,455 bilhão no limite de despesa. Para uma variação de 1% do IPCA, o impacto no teto será de R$ 14,55 bilhões

No anexo, o governo projeta um valor de R$ 1,502 trilhão para o limite das despesas no próximo ano. O valor foi estimado com base em uma inflação de julho de 2019 a junho de 2020 de 3,23%. Com isso, o espaço para gastos no próximo ano subiria R$ 47 bilhões, em comparação com o teto fixado para 2020.

Se a inflação que corrigirá o teto para 2021 ficar mesmo abaixo de 2%, o limite para as despesas da União no próximo ano aumentará menos de R$ 30 bilhões. Nessa margem adicional não caberá sequer o aumento das despesas com o pagamento dos benefícios previdenciários previsto para o próximo ano. Essas despesas apresentam um crescimento vegetativo anual entre 2,5% e 3,5%, acima, portanto, do índice de correção do teto.

Este é o problema que o governo terá que enfrentar logo em seguida, ao elaborar a proposta orçamentária de 2021, que será encaminhada ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto. Ele terá de obedecer o limite para as despesas. O cenário mostra que será necessário cortar ainda mais os investimentos da União e o custeio da máquina administrativa, as chamadas despesas discricionárias.

Quando enviou o PLDO para 2021 ao Congresso, o governo estimou que teria que cortar as despesas discricionárias dos R$ 120 bilhões previstos para este ano para R$ 103,1 bilhões. Com um teto menor, por causa da queda da inflação, as despesas discricionárias ficarão, provavelmente, abaixo dos R$ 90 bilhões, o que poderá paralisar várias atividades e investimentos do governo - o chamado “shutdown”.

A forte queda da inflação por causa da pandemia antecipa um problema que o governo previa só para 2022 ou 2023, quando as despesas discricionárias cairiam para um patamar incompatível com a manutenção das atividades normais da administração pública. Ou seja, os dados indicam que o governo pode não ter condições de cumprir o teto de gastos já no próximo ano.

Para a elaboração da proposta orçamentária de 2021, há questões que ainda são nebulosas. A atual situação de pandemia acabará mesmo no 31 de dezembro de 2020, como previsto no decreto legislativo? O auxílio de R$ 600 será mantido no próximo ano? É bom lembrar que todas as despesas relacionadas com o combate à covid-19 foram pagas por meio de créditos extraordinários e, portanto, não poderão constar da proposta orçamentária.

É muito provável que o governo retome, já no segundo semestre deste ano, a discussão pública sobre a mudança do teto de gastos, com o desenho de um novo arcabouço de regras fiscais para vigorar no país. As regras atualmente existentes (metas fiscais e “regra de ouro”) não têm mais significado prático.

A discussão sobre o novo arcabouço de regras fiscais para o Brasil existia antes da pandemia, com as PECs 186 e 188, ambas do ano passado, que estavam sendo apreciadas pelo Senado. Aquelas propostas serão alteradas, incluindo mudanças também no teto de gastos?

Qualquer que seja o novo desenho, o governo não poderá abrir mão de um controle sobre o crescimento das despesas públicas. Esse é o ponto central em toda a discussão. Há diversas fórmulas de como isso poderá ser feito. A sociedade não pode esquecer que foi justamente o aumento continuado dos gastos públicos ao longo de décadas, muito acima do crescimento da economia, que levou o país à situação de grave desequilíbrio fiscal.

A discussão ocorrerá em um momento particularmente delicado, pois, desde 2014, o setor público está com suas contas no vermelho. Além disso, a União deverá fechar este ano com déficit primário superior a R$ 600 bilhões. O governo, portanto, terá que demonstrar o seu compromisso com o reequilíbrio de suas contas.

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