segunda-feira, 18 de maio de 2020

Vinicius Mota - Epidemias bagunçam o poder

- Folha de S. Paulo

Um novo vírus ajuda a enfraquecer a Presidência da República

Na edição de 2 de janeiro de 1895, O Estado de S. Paulo informava que “foram concedidos 40 passaportes a passageiros que seguem para a capital federal”. Pouco antes, com o aparecimento de casos de cólera no vale do Paraíba, o governo central suspendera a comunicação ferroviária regular entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

A emissão desses bisavós dos “passaportes da imunidade”, discutidos hoje como opção para deixar pessoas com anticorpos contra o novo coronavírus circularem, foi à época uma tentativa de contornar o problema. A oligarquia paulista se viu ameaçada de asfixia comercial pelas reações à difusão de notícias sobre a doença. Suas exportações, sendo o café a estrela, foram alvo de restrições sanitárias nos portos de estados e países compradores.

Veículos alinhados ao Partido Republicano Paulista, sócio da mudança do regime no país em 1889, minimizavam o surto. “Foi maior o pavor que o mal causado”, disse o Correio Paulistano. “Resta que o governo federal atenue o vexatório rigor das medidas de prevenção que tem adotado contra pessoas e gêneros procedentes deste estado.”


Do outro lado, dissidentes e derrotados pela queda do Império aproveitavam para alfinetar o grupo no poder paulista. O Comércio de São Paulo, galvanizando essas correntes, louvava a mão firme do governo central na defesa da população mal assistida pelas autoridades locais.

Um século e um quarto depois, o presidente da República, o chefão da economia e um punhado de empresários sob o selo cartorial da Fiesp se reuniram, impotentes, para queixar-se de governadores e prefeitos que restringem a atividade em nome da proteção à saúde.

Parece que as epidemias não perderam o condão de perturbar o modo habitual de exercer o poder de Estado. Na fase de consolidação das primeiras instituições republicanas, desafiaram as elites dirigentes. Agora um novo vírus ajuda a enfraquecer a Presidência da República, fortaleza do sistema de 1988.

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