segunda-feira, 22 de junho de 2020

Celso Rocha de Barros* - O debate do centrão

- Folha de S. Paulo

A instabilidade atual também é obra dos senhores

Na semana passada o deputado Arthur Lira (PP-AL) escreveu um artigo nesta Folha defendendo o centrão. É um texto muito bem argumentado. Lira lembrou que o centrão votou a favor de diversas reformas da Previdência, que foi um fator de estabilidade em diferentes governos, que moderou as propostas e organizou os acordos.

Lembrou que Bolsonaro foi do PP por muitos anos e que hoje o PP vota com o governo em 90% das votações. Criticou a Lava Jato por criminalizar a política, mas proclamou que a corrupção sistêmica está morta e enterrada. Defendeu a legitimidade do casamento entre centrão e Bolsonaro, e viu nisso uma reconciliação entre Bolsonaro, as instituições, e, se entendi direito, a democracia.

Muita coisa no manifesto de Lira é verdade. A criminalização da política nos últimos anos foi mesmo um problema. Partidos aliados que votam medidas impopulares têm mesmo o direito de participar do governo e beneficiar-se de sua eventual popularidade.

De fato, faltou conservadorismo, no sentido estrito, ao Brasil nos últimos anos, faltou lembrar que instituições e partidos são fáceis de destruir, difíceis de reconstruir. Isso tudo é verdade, o centrão tem razão nisso.

Por outro lado, o deputado Arthur Lira, fiel à tradição, só liberou recursos para os fatos que o apoiavam.

O centrão pode ter moderado extremismos ideológicos, mas sempre teve lado: os governos de direita sempre conseguiram aprovar medidas razoáveis de caráter liberal, mas os governos de esquerda não conseguiram sequer aprovar um impostozinho sobre rico que fosse.

O centrão está sustentando Bolsonaro com 50 mil mortos nas costas, dúzias de crimes de responsabilidade e diversas ameaças de golpe. Por muito menos, incomparavelmente menos, derrubou uma presidente de esquerda.

E se, por um lado, o centrão favorece a estabilidade completando as maiorias parlamentares, vários dos escândalos da Nova República nasceram nas negociações que resultaram nessa adesão. Esses escândalos geraram grandes turbulências. O senhor se lembra de algum sem o PP?

A propósito, a instabilidade atual também é obra dos senhores. Em 2018, apertaram 17 até doer o dedo, já no primeiro turno, apesar do apoio que haviam declarado a outros candidatos.

Quanto ao fim da corrupção sistêmica, a ideia é ótima. Desde o início da Lava Jato a prioridade deveria ter sido consolidar avanços institucionais contra a corrupção, mais do que prender este ou aquele político. Se houver boas propostas nesse sentido, acho excelente.

Mas sejamos honestos, deputado: quando os senhores aí no centrão viram Bolsonaro intervindo na Polícia Federal, um “oba!” nasceu em seus corações.

Quanto à reconciliação de Bolsonaro com a democracia, parece ótimo, também. Bolsonaro ameaçou golpe para se livrar das investigações, não deu certo (ainda, pelo menos), correu para os senhores. Podia ser pior, eu sei.

Mas resta saber se os senhores pretendem mesmo garantir impunidade ao movimento político responsável pela maior mortandade de brasileiros desde a guerra do Paraguai, por dúzias de crimes de responsabilidade, pelas piores ameaças autoritárias à Nova República. Se for o caso, os senhores podem até estar contribuindo para que as instituições brasileiras sobrevivam, mas estão impedindo que elas funcionem.

* Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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