sexta-feira, 19 de junho de 2020

Claudia Safatle - Renda mínima como produto da pandemia

- Valor Econômico

Oportunidade de reduzir a tremenda desigualdade de renda

Técnicos do Ministério da Economia e da pasta da Cidadania foram encarregados de dar forma ao programa de renda básica que tem como objetivo suceder, de maneira estrutural, o auxílio emergencial criado durante a pandemia da covid-19. O foco é fazer com que os recursos cheguem aos cerca de 50 milhões de pessoas que vivem na informalidade e que receberam as parcelas de R$ 600 do auxílio.

O ideal seria que a renda mínima, que foi batizada de renda Brasil, chegasse a esses trabalhadores informais ao término de mais duas parcelas de R$ 300 que foram prorrogadas pelo auxílio emergencial e que serão pagas em julho e agosto.

A renda mínima deverá resultar da fusão do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), do abono salarial (pago anualmente a quem recebe até dois salários mínimo e tem carteira assinada) e de outros programas de políticas públicas destinados a melhorar a terrível desigualdade de renda que o Brasil ostenta. Deverão fazer parte, também, o seguro-defeso (pago aos pescadores no período em que a pesca é proibida) e a Farmácia Popular.

Para isso, os técnicos vão sugerir ao governo que faça uma reviravolta no Orçamento da União em busca de recursos que estão indo hoje para programas sociais, mas que não chegam aos que realmente precisam, por serem mal focados.

A visão do governo é que agora ele tem a exata medida do tamanho da pobreza no país. Parte dos 50 milhões de beneficiados pelo “coronavoucher”, outro nome do auxílio emergencial, eram formada por informais invisíveis que, agora, estão cadastrados como cidadãos pobres.

A renda mínima será uma política na linha do Imposto de Renda negativo, que pressupõe a definição de uma determinada linha de renda, acima da qual paga-se um percentual de imposto e abaixo dela recebe-se uma fração do tributo.

A proposta original é de não se trabalhar com a hipótese de receitas adicionais oriundas de aumento de impostos. Pensa-se em um grande remanejamento de projetos e programas já existentes no Orçamento. Mas, também, não se descarta de antemão a possibilidade de criação de novas alíquotas do Imposto de Renda ou a tributação de dividendos para as camadas de renda mais elevada, dentre outras.

Em uma avaliação política, imagina-se poder dar ao acordo com o Centrão o status de “grande moeda de negociação”

do programa de renda básica. O Centrão é um conjunto de partidos políticos que tem como objetivo assegurar proximidade e dar apoio político ao Poder Executivo para a obtenção de vantagens.

O valor da renda mínima ainda não está definido, mas acredita-se que poderá ser algo entre R$ 200, primeiro valor do que seria o auxílio emergencial, e R$ 300, que é a cifra definida para a prorrogação do mesmo auxílio por mais dois meses.

Assim como cerca de 10% dos microempreendedores individuais são pessoas egressas do Bolsa Família, o governo vê uma parcela relevante dos 50 milhões que vão ter uma renda básica migrando para o mercado de trabalho formal do programa da Carteira Verde Amarela. Para isso, terá que recuperar os termos da Medida Provisória 905 - que permitia a escolha entre dois regimes de contrato de trabalho -, que caducou no fim de abril. A Carteira Verde Amarela não tem encargos sociais que oneram o emprego.

“Acho que esse é o programa de saída da pandemia que, se for implementado, caracterizará o país como uma economia social de mercado”, resumiu um assessor do ministro da Economia, Paulo Guedes, preocupado com a visão que os liberais passam para a sociedade, de uma linha de pensamento que não dá atenção ao social.

A pandemia escancarou uma tremenda desigualdade de renda no país e será um cinismo atroz simplesmente dizer aos que tiveram, por um momento, uma ajuda do Estado que agora se virem.
Na área da despesa, é importante direcionar o foco para os que realmente precisam da ajuda do setor público, que, no Brasil, tem feito pouca diferença na redução das desigualdades.

O campo das receitas e dos gastos tributários é vasto para se encontrar não só injustiças em um regime altamente regressivo, mas aberrações inexplicáveis. Exemplo que já foi citado em coluna anterior, mas vale a pena repetir: pelo Simples os advogados com renda de até R$ 4,8 milhões por ano pagam só 4% de alíquota de Imposto de Renda!

Os cinco grandes bancos do país comprometeram-se com o governo a entrar no Programa Nacional de Apoio a Microempresas e a Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Dos dois bancos públicos, a Caixa saiu na frente e fechou algumas operações nesta semana. O Banco do Brasil avisou que só começará a operar com essa linha, totalmente garantida pela União, na semana que vem.

A Caixa, que é 100% estatal, acredita que poderá fidelizar algumas centenas de microempresas que, tão logo se recuperem do tombo do confinanciamento social e adquiram fôlego financeiro, poderão comprar seguros e operar mais com cartões de crédito.

Está praticamente pronto o trabalho feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para a retomada da economia pós-pandemia, que não será em “V” e sim em formato de “U”, com a subida mais lenta e gradual.

Foram desenvolvidos quatro eixos: crédito para reconstituição de cadeias produtivas no mercado doméstico; linhas de financiamento para normalizar a capacidade de exportação da economia; investimentos em infraestrutura usando concessões e parcerias público privadas (PPP); e o reforço a políticas sociais e de fomento ao emprego.

O trabalho traz uma visão comparada de como foram as retomadas econômicas de vários países (Alemanha, Espanha, França, Itália, dentre outros) no pós-pandemia; e, também, uma avaliação macroeconômica do país. A sua divulgação deverá ocorrer na próxima semana, tão logo seja submetido ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao presidente Jair Bolsonaro.

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