domingo, 14 de junho de 2020

José Roberto Mendonça de Barros* - Encontro marcado para setembro

- O Estado de S.Paulo

O futuro do governo Bolsonaro e o comportamento da economia em 2021/2022 serão determinados pelo resultado de um grande embate que deverá ocorrer a partir de setembro, quando vários vetores relevantes tendem a se encontrar.

Menciono a seguir os mais relevantes.

Em primeiro lugar, por volta de agosto teremos mais clareza quanto ao tamanho da recessão, do desemprego e da insolvência de empresas. Isso porque muito dos programas sociais chegarão ao seu final e será o momento em que saberemos quais empresas conseguiram atravessar o deserto do isolamento social. O certo é que o número de quebras em empresas médias e pequenas será enorme, sem precedentes. Além disso, teremos mais clareza quanto ao tamanho do déficit primário deste ano, que será de no mínimo R$ 750 bilhões, podendo chegar a um trilhão de reais. Esses valores (PIB, desemprego e déficit fiscal) balizarão o desafio dos próximos anos, que é o de retomada do crescimento, em condições muito adversas.

Também é, neste momento, que teremos uma noção mais precisa do enorme custo humano da pandemia. Sem querer me aventurar no mundo das projeções, parece seguro dizer que teremos, pelo menos, 80 mil mortos acumulados desde o início da pandemia, apenas atrás dos Estados Unidos. A despeito disso, na maior parte das capitais, onde mora a chamada opinião pública, as ruas já estarão livres e manifestações poderão ocorrer. Da mesma forma, é certo que, neste momento, o Congresso já funcionará ao vivo, o que reverbera muito mais os dilemas políticos.

Neste momento, a política econômica e as propostas para os próximos dois anos terão que ser repaginadas e se traduzirão no orçamento fiscal (embora não apenas aí). Digo repaginadas porque a pandemia mudou a natureza do problema e não se pode apenas retomar o que estava na mesa em janeiro. Isto envolve, para começar, as seguintes questões:

– Manter o emergencial como temporário, não apenas nas despesas, como também nos atrasos ou suspensões de pagamentos de todos os tipos. Será um desafio enorme, em tempos de proeminência do Centrão, segurar as dezenas de propostas de elevação de gastos ou de redução de tributos (110 projetos, segundo o Centro de Liderança Pública), bem como a inevitável proposta de um novo Refis. A pressão nessa área será gigantesca.

– A pandemia revelou a fragilidade em que vive grande parte da população. O reforço do SUS e algo na linha de um programa de renda mínima deverão passar a fazer parte do arsenal de políticas públicas.

Daí vem o mais relevante: como fazer para retomar uma trajetória de crescimento e sair do buraco onde estamos?

A questão é grave, porque dentro do governo já se colocaram duas possibilidades, que podemos chamar de Plano Pró-Brasil e Plano Guedes.

O primeiro grupo, do qual participam os ministros militares do Planalto e os Ministérios de Infraestrutura, Energia e Desenvolvimento Regional, propõe que a retomada do crescimento seja liderada por investimentos públicos na infraestrutura, um tipo de PAC.

De outro lado, o Ministro Paulo Guedes terá que apresentar sua proposta. Ao contrário do ano passado, quando muitos projetos sequer foram concluídos, desta vez a equipe econômica terá que apresentar uma visão de conjunto de um plano que vá além das costumeiras declarações genéricas. Isto inclui pelo menos os seguintes pontos:

– O que vai mesmo se encerrar até o final do ano em programas emergenciais.

– O que vai ser incorporado aos orçamentos anuais, especialmente na área de saúde e de programas de transferência de renda.

– Como será encaminhada a conta de pessoal, que continua a se expandir como resultado do poder das grandes corporações, que segue inabalável. Haverá uma reforma administrativa? E a chamada PEC emergencial? E o teto de gastos?

– Haverá um programa realista de concessões? E de privatizações? Nesta hora da verdade, não dá para vir com platitudes como a que previu arrecadar um trilhão de reais vendendo imóveis públicos.

– Como ficarão os principais dilemas regulatórios nas áreas de energia elétrica, de petróleo, de gás e do meio ambiente? Não haverá investimentos relevantes e acordos comerciais enquanto a Amazônia pegar fogo e o Ministro Salles passar suas boiadas.

O embate destas duas vertentes, junto com a política, é que vai determinar se voltaremos ou não a crescer.

Voltaremos a isso em nosso próximo encontro.

* Economista e sócio da MB Associados

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