domingo, 14 de junho de 2020

Mais de 50% da população do país está sem trabalhar

Pesquisa foi feito pelo economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Cássia Almeida | O Globo

RIO - O tombo no mercado de trabalho em abril alcançou patamar inédito e foi maior do que o indicado pelos números mais recentes. Cruzamento exclusivo feito pelo economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que, pela primeira vez desde que começou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, em 2012, mais da metade da população em idade de trabalhar está sem ocupação.

— O tombo do mercado de trabalho na segunda quinzena de março, que se aprofundou em abril, foi bem maior do que o já indicado pelo IBGE e pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério da Economia, que mede o emprego com carteira assinada). É a primeira vez em que menos da metade da população em idade de trabalhar está ocupada: 48,8% na segunda quinzena de março e 48,5% no mês de abril — afirma Hecksher.

A crise sanitária — que obrigou a economia a parar para conter o avanço do coronavírus — mudou a forma com que se acompanha o mercado de trabalho. A taxa de desemprego, a mais observada em situações normais, não consegue retratar com precisão a dimensão da destruição de vagas. A taxa passou de 11,2% no trimestre encerrado em janeiro para 12,5% em abril.

A dificuldade de retratar o mercado de trabalho neste momento é resultado de dois fatores. Quem perdeu o emprego ainda não voltou a procurar por causa da pandemia, portanto, não é tecnicamente incluído no universo de desempregados. Além disso, o IBGE calcula a taxa com base em informações trimestrais agregadas, neste caso, do período de fevereiro a abril. Assim, a conta considera um mês e meio em que a pandemia ainda não tinha começado. Segundo Hecksher, dessa forma, os dados já divulgados não isolam os efeitos da quarentena, iniciada em meados de março.

Retrato da quarentena
Em outro sinal da dificuldade para mensurar o impacto da crise, muitas empresas que informam suas demissões ao governo por meio do e-Social deixaram de prestar contas no período, segundo Hecksher.

O pesquisador recorreu ao chamado nível de ocupação: a parcela da população em idade de trabalhar (de 14 anos ou mais) que está inserida de alguma forma no mercado. E esse índice caiu de 54,3% em fevereiro para 48,5% em abril, período marcado pelo isolamento social dos que podem ficar em casa. Significa dizer que 51,5% da população em idade ativa estavam sem trabalho.

—Isso não significa que a abertura deva ser apressada, pelo contrário. A Nova Zelândia é um sucesso de mitigação de mortes e perdas econômicas porque promoveu um isolamento muito mais rigoroso e controlado até o momento certo. As autoridades podem orientar bem ou mal, mas é a população que decide o grau de isolamento e seus resultados sanitários e econômicos. O Brasil tem perdido mais vidas a cada semana do que a Índia perdeu desde o início da pandemia. Quem puder, deve permanecer em casa — diz Hecksher.

Para mensurar o impacto da pandemia, Hecksher desenvolveu um método para desagregar os dados de cada mês a partir das informações trimestrais do IBGE. Ele trabalhou com um universo de entrevistados menor, mas que chega a 75 mil pessoas por mês. A partir da amostra, identificou especificamente o movimento do mercado a partir do início do isolamento social dos que podem ficar em casa:

— É uma amostra robusta para identificar o movimento no mercado.

Entre fevereiro e abril, 8,9 milhões ficaram sem trabalho, com impacto forte também entre os que tinham emprego formal. Foram cortadas 2,9 milhões de vagas com carteira assinada, quando se observa a Pnad, no mesmo período.

— De fato, esse choque tem sido muito forte. O nível de ocupação é uma variável que, historicamente, não sofre grandes flutuações. Essa variação muito rápida tem chamado atenção particularmente. É uma evidência do quanto esse choque é muito forte e afeta todo mundo — avalia Thiago Xavier, economista da Consultoria Tendências.

O vendedor Jonathan Rodrigues, que mora na comunidade da Rocinha, em São Conrado, Zona Sul do Rio, trabalhava há dois anos em uma loja de alfaiataria. Ele e outros funcionários ficaram em férias coletivas entre 20 de março e 20 de abril. Passado esse período, acabou sendo dispensado. Rodrigues conseguia ganhar até R$ 1.300 na loja e deu entrada no seguro-desemprego, para receber R$1.180:

— Gastava uns R$ 600 no cartão de crédito, mas como não sei quando vou conseguir outro emprego, estou gastando menos. Precisei fazer cortes para não correr o risco de entrar no vermelho. Cortei carne e bebidas alcoólicas.

Mas ele tem esperança. Acredita que possa se empregar ainda este ano:

— A minha área é muito volátil. Começa a aquecer mais para o fim do ano. Pode demorar um pouco, porque a gente não sabe como vai ficar a economia com o coronavírus, mas eu espero que o comércio se reaqueça e as empresas voltem a contratar.

Marcas profundas
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, as empresas ainda vão demorar a voltar a contratar. A mudança estrutural no mercado de trabalho vai ser de “difícil reversão” e torna a retomada da economia ainda mais lenta:

— Corremos o risco de ter uma onda da pandemia estendida no Brasil, não uma segunda onda, que pode perdurar o ano inteiro. A situação vai continuar piorando, com as empresas com mais dificuldade, em recuperação judicial ou em falência.

O economista prevê queda de 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano e, para o próximo, de 2%. Taxa longe de recuperar as perdas com a crise, em uma economia que ainda não tinha conseguido retomar o nível de antes da recessão de 2015 e 2016.

— Já vinhamos de uma retomada lenta historicamente. Vamos discutir os efeitos por bastante tempo, que serão cada vez mais permanentes — alerta Xavier, da Tendências.

*Colaborou Vitor da Costa, estagiário, sob orientação de Danielle Nogueira 

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