sábado, 20 de junho de 2020

O fator Queiroz – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro não explicou a prisão de ex-assessor do filho na casa de seu advogado

A prisão do policial militar aposentado Fabrício Queiroz apanhou de surpresa o presidente Jair Bolsonaro, que deixou patente seu desconcerto ao se manifestar sobre o assunto na quinta-feira (19).

Em pronunciamento numa rede social, o mandatário cometeu duas vezes o mesmo equívoco, ao dizer que o amigo e ex-assessor parlamentar fora preso sem que houvesse mandado judicial contra ele.

É certo que Queiroz não era foragido da Justiça, como talvez o presidente quisesse sugerir, mas não houve ilegalidade na prisão preventiva, determinada pelo juiz Flávio Itabaiana a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Bolsonaro indicou também que a detenção lhe pareceu desnecessária. Se as autoridades queriam interrogar o ex-assessor sobre as suspeitas que pesam contra ele, argumentou, bastaria marcar o depoimento e avisar seu advogado.

Os promotores tentam ouvir Queiroz há meses, sem sucesso. Ele evitou várias convocações no ano passado, quando tratava de um câncer, e foi poupado no período em que as investigações foram paralisadas por uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

O policial aposentado foi preso agora porque mensagens encontradas em telefones celulares apreendidos recentemente sugerem que ele vinha buscando meios de atrapalhar as investigações que o têm como alvo.

Queiroz foi localizado numa casa em Atibaia (SP), pertencente ao advogado Frederick Wassef, que no ano passado assumiu a linha de frente da defesa de Bolsonaro e seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Algumas das mensagens analisadas pelos promotores indicam que Wassef não só vigiava os passos do ex-policial como tentava restringir sua circulação, por motivos que ainda precisam ser esclarecidos.

Queiroz é investigado por suspeita de operar um esquema que teria desviado parte dos salários dos funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para o bolso de deputados estaduais —em particular, Flávio Bolsonaro, que o empregava na época.

O presidente não é investigado no caso, mas suas relações com Queiroz são antigas. Chegou a receber R$ 40 mil do ex-assessor, alegadamente pagamento de uma dívida.

A prisão aumenta o desconforto de Bolsonaro num momento em que os aliados mais radicais da família são investigados por causa de seu envolvimento com atos antidemocráticos e redes que estimulam a desinformação na internet.

É compreensível que Bolsonaro se sinta acuado pelo avanço dessas investigações. Elas mostram que as instituições encarregadas de fazer valer os limites impostos ao mandatário estão dispostas a cumprir sua parte —que lhe faltam meios reais para impedi-las.

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