quinta-feira, 25 de junho de 2020

Raul Jungmann* - O pandemônio gerencial em tempos de pandemia

- Capital Político

Já se tornou lugar comum dizer que vivemos uma tríplice crise: sanitária, econômica e política. Isto tem obscurecido outra dimensão da crise: a gerencial. Boa parte do fracasso brasileiro no enfrentamento do coronavírus se deve à falta de capacidade de coordenação nacional do Governo Federal e de ações centralizadas para minimizar os efeitos da pandemia.

Ao invés do estabelecimento de protocolos nacionais, orientações e diretrizes claras e ações administrativas concertadas com estados e municípios, assistimos uma polarização inócua e infrutífera do Presidente da República com governadores e prefeitos. E as pessoas carentes de assistência à sua saúde estão perto dos prefeitos e governadores e muito longe do Governo Federal.

A atuação errática e confusa do núcleo central do governo federal, que levou inclusive ao afastamento de dois ministros da saúde, contribuiu, e muito, para que o Brasil ocupe uma triste posição de destaque no cenário global da pandemia. Afinal já são mais de 50 mil mortes pela COVID-19 e mais de um milhão de casos confirmados. Isto, sem falar na evidente subnotificação de casos e mortes.

No Brasil se concentram mais de 13% das mortes e 11% casos confirmados na presente pandemia, sendo que somos apenas 2,7% da população mundial. Ou seja, o Brasil é um ponto totalmente fora da curva na dinâmica da COVID-19. Isto não ocorre à toa. E a inépcia da ação governamental federal é o aspecto central a explicar estes fatos.

Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Depoimentos de secretários estaduais e municipais de saúde, alarmados e em quase desespero, dão conta que começa haver desabastecimento de medicamentos essenciais do chamado “kit entubação” (analgésicos, relaxantes musculares, anestésicos, etc.). Leitos de UTI começam a ser desativados por falta desses insumos básicos.

Levantamento feito pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde – Conas dá conta que 24 estados da federação, ou seja, 89% deles têm desabastecimento de Rocurônio, 20 unidades (74%) não dispõem de Fentanila e 19 (70%) sofrem da falta de Midazolam. Sem a solução rápida desta questão, haverá mais mortes. E só há um caminho para compras domésticas ou importação emergencial, a centralização das ações.

Ora, já não é uma coisa normal termos três ministros da saúde em plena uma grave epidemia. Fez-se uma opção pela logística, mas diante das demandas desesperadas dos governos estaduais e municipais, que procuram se virar com compras emergenciais em um mercado tumultuado pela explosão da demanda global e acuados pelos órgãos de controle, o Governo Federal continua descoordenado, com vários ministérios procurando atuar isoladamente, e se negando a centralizar as compras e as ações.

Vez ou outra é evocado o bordão ideológico “menos Brasília, mais Brasil”. O ímpeto descentralizante seria elogiável se não vivêssemos uma verdadeira “guerra” contra um inimigo invisível. Seria o equivalente a imaginar, que depois do Dia D, Churchill, Trumann, Stalin, De Gaulle, Montgomery, Patton, Mac Arthur, entre outros, dissessem: “agora cada um isoladamente desenha sua tática e estratégia e assim descentralizadamente vamos derrotar Hitler”.

Urge, para poupar vidas, que o Governo Federal assuma o seu papel, tome as rédeas da crise sanitária e produza coisas elementares para derrotarmos o coronavírus: coordenação, centralização de comando, responsabilização inequívoca, solidariedade federativa e eficiência operacional.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

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