quinta-feira, 25 de junho de 2020

Ribamar Oliveira - Equipe econômica quer veto para desoneração

- Valor Econômico

Fim do benefício sobre a folha de pagamento abre espaço no teto de gastos em 2021

O projeto de conversão da medida provisória 936, aprovado pelo Congresso Nacional, aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro, o que deverá acontecer nos próximos dias. A equipe econômica propôs o veto do presidente ao artigo 33 do projeto, que adiou o fim da desoneração da folha de pagamentos de vários setores da economia de 31 de dezembro deste ano para 31 de dezembro de 2021. O argumento principal para o veto é que a prorrogação do benefício contraria a emenda constitucional 106, recentemente aprovada.

A concessão de benefício tributário que resulte em renúncia de receita tem que ser acompanhada de medida de compensação, com aumento de outro tributo, de acordo com o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A área técnica argumenta que a EC 106/2020 estabeleceu que, para criação de benefício tributário, o artigo 14 da LRF não precisa ser obedecido desde que o efeito da medida fique restrito à duração da situação de calamidade, o que, no atual caso, é 31 de dezembro deste ano. Como o objetivo da prorrogação é estender o benefício para 2021, a medida seria inconstitucional para a equipe econômica.

Há, no entanto, um complicador nesse entendimento. No mesmo mês de maio, em que promulgou a EC 106, o Congresso aprovou também a lei complementar 173, alterando algumas regras da LRF. O artigo 3º da nova lei diz que durante o estado de calamidade pública fica afastado o artigo 14 da LRF. E, ao contrário da EC 106, não dá prazo para a produção dos efeitos da renúncia de receita.

O artigo 7º da mesma lei também afasta as condições e vedações do artigo 14 da LRF, desde que o incentivo ou benefício seja destinado ao combate à calamidade pública, sem estabelecer prazo de vigência dos efeitos. A questão agora é saber se uma lei complementar pode “flexibilizar” um dispositivo constitucional, segundo especialista consultado pelo Valor.

A desoneração da folha de pagamento das empresas foi instituída pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2011, com o objetivo de estimular a geração de empregos formais. Amplos setores da economia foram beneficiados com a medida e substituíram a contribuição ao INSS incidente sobre a folha de salários por uma contribuição calculada sobre o faturamento da empresa. Dilma chegou a tornar a desoneração permanente

Em 2015, no entanto, ela mudou de ideia. Como parte de um amplo programa para reequilibrar as contas públicas, a ex-presidente começou a reduzir o número de setores com direito ao benefício e aumentou a alíquota da contribuição sobre a receita bruta das empresas. Em 2018, já no governo do ex-presidente Michel Temer, foi fixada a data de 31 de dezembro deste ano para a extinção do benefício para todos os setores da economia.

A lei que instituiu a desoneração da folha (lei 12.546/2011) determinou que o governo compensasse a Previdência pela perda de receita decorrente da medida. A perda com a desoneração chegou a R$ 25,4 bilhões em 2015. Para este ano, a perda foi estimada em R$ 9,891 bilhões.

A compensação à Previdência é contabilizada como despesa do Tesouro Nacional. Na verdade, é uma despesa puramente contábil, pois qualquer que seja o déficit da Previdência o Tesouro é obrigado a cobri-lo. Assim, se o presidente vetar a prorrogação da desoneração da folha, será aberto um espaço de cerca de R$ 10 bilhões no teto de gastos da União em 2021.

Sem esse espaço, os técnicos dizem que terão que fazer corte significativo nas despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina), inviabilizando vários programas governamentais. Ou seja, é o fim da desoneração da folha que viabilizará o teto de gastos no próximo ano. Junto, é claro, com o congelamento dos salários dos servidores e a não realização de concursos públicos para preencher todos os cargos que ficarem vagos.

Se o cidadão quiser saber o que foi discutido e quais as decisões tomadas pela Junta de Execução Orçamentária (JEO) em qualquer mês de 2018, por exemplo, terá que esperar até 2023. As atas da JEO foram classificadas com o grau de sigilo reservado e só podem ser divulgadas cinco anos depois das reuniões realizadas.

A JEO é um órgão de assessoramento direto ao Presidente da República na condução da política fiscal do governo federal e se reúne, normalmente, uma vez por mês. A ela cabe assessorar o presidente na elaboração dos atos que estabeleçam a programação financeira e o cronograma de execução mensal das dotações orçamentárias e no estabelecimento das metas fiscais, entre outras atribuições. Dela fazem parte os ministros da Economia e da Casa Civil.

As reuniões têm atas, que devem trazer um resumo dos assuntos tratados, dos debates ocorridos e das deliberações tomadas. Com base na lei de acesso à informação, o Valor pediu acesso a uma das atas da JEO do último ano do governo do ex-presidente Michel Temer. Recebeu a resposta de que as atas da JEO são classificadas com o grau de sigilo reservado, tendo como fundamento o inciso IV do artigo 23 da lei 12.527/2011. Este inciso se refere a informações que oferecem “elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país”
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“É incrível que essas atas sejam sigilosas”, protestou Gil Castello Branco, do Contas Abertas. “Desde quando a divulgação de uma ata da JEO, que discute e define critérios para a execução orçamentária, pode oferecer algum risco à estabilidade financeira, econômica e monetária do país”, questionou Castelo Branco, lembrando que até as atas do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central são divulgadas na semana seguinte à reunião. Ele acredita que está ocorrendo um retrocesso no acesso à informação no Brasil, com o governo adotando medidas no sentido de reduzir a transparência dos atos da administração pública. “Não é fácil exercer o controle social neste país”, constatou.

O Valor apresentou recurso, contestando a decisão de sigilo reservado para as atas da JEO.

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