quarta-feira, 17 de junho de 2020

Ruy Castro* - Comunista na Austrália

- Folha de S. Paulo

Todo 31 de dezembro, às 13h do Brasil, ouve-se na TV: "Já é Ano Novo na Austrália!". Com 11 horas a mais, o Ano Novo lá chega mais cedo. Num dia de abril último, de manhã, Sergio Moro deixou o governo de Jair Bolsonaro e, pela TV, acusou seu ex-patrão de tentar controlar a PF. Em poucas horas, passou de herói dos bolsonaristas a traidor e, à uma da tarde, a internet deu: "Moro já é comunista na Austrália!".

Moro juntava-se ali aos comunistas a serem exterminados pelo governo Bolsonaro, os quais incluem intelectuais, artistas, professores, estudantes, globalistas, evolucionistas, ambientalistas, indígenas, LGBTistas, desarmamentistas, a Folha, a Globo, o Congresso, o STF, a ONU, a OMS, a China, os governadores, os prefeitos, os médicos, os infectados pela Covid e a própria Covid —enfim, todos que se opõem à promessa de Bolsonaro de acabar com a corrupção, a mamata, a velha política, o toma lá dá cá e o desvio de dinheiro público.

Afinal, não foi por esse programa que se uniram ativistas, milicianos, policiais, racistas, olavistas, financiadores ilegais, generais de pijama, duplas sertanejas, grileiros, laranjas, googlers, youtubers, whatsappers, facebookers, ku-klux-klaners, salles, damares e weintraubs, comandados pelos zero-zero-zeros? Até há pouco eles estavam coesos em torno do chefe. Mas, de dias para cá, Bolsonaro começou a desapontá-los.

Dá até para escutá-los. Ele tremeu diante do STF e quis entregar o Weintraub! Deixou Sara "Winter" ser presa! Vive negando que quer um golpe militar! Diz que acabou, que chega, que ponto final, mas não faz porra nenhuma! Ouviu do Olavo poucas e boas sem um pio! Dá cargos bilionários aos corruptos do centrão em troca de apoio! E agora começou a destratar o pessoal do cercadinho! É esse o homem que eles elegeram para aplicar o programa de Jair Bolsonaro?

Em breve na internet: "Bolsonaro já é comunista na Austrália!".

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

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