terça-feira, 9 de junho de 2020

Um Ministério da Saúde à deriva em fase crítica da epidemia – Editorial | O Globo

Esvaziada e inerte, pasta tenta, inutilmente, ocultar números sobre a pandemia de Covid-19

Seria um equívoco dizer que a responsabilidade pelo descalabro na Saúde durante a mais letal pandemia em cem anos é apenas do governo federal, já que as ações de combate à Covid-19 são compartilhadas entre União, estados e municípios. Ademais, governadores e prefeitos têm autonomia para decretar medidas de restrição, a despeito da oposição do presidente Jair Bolsonaro. Mas ao Ministério da Saúde cabe — ou deveria caber — a condução do processo.

Se é verdade que em algum momento o ministério chegou a ter protagonismo no combate à Covid-19, hoje é mero coadjuvante, quase um observador, enquanto o Brasil, que já soma mais de 37 mil mortos, caminha para se tornar o segundo país com maior número de óbitos. A tragédia que se amplia a cada minuto, tempo em que um brasileiro morre de Covid-19, transformou o país numa espécie de pária internacional. Chegou-se ao ponto de o presidente Donald Trump, dos EUA, que concentram maior número de mortes no planeta, citar o Brasil como mau exemplo.

Essa imagem não foi desconstruída à toa. Em menos de dois meses, os ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich deixaram o governo devido às interferências de Bolsonaro na pasta. O ministério foi tão esvaziado que está há quase um mês sem titular. O general Eduardo Pazuello levou 17 dias para ser confirmado. Como ministro interino. Uma de suas principais decisões foi liberar, por ordem de Bolsonaro, o novo protocolo da cloroquina, contra evidências científicas de que o remédio é ineficaz contra a Covid-19. Nomeações são feitas sem critérios técnicos. O empresário Carlos Wizard, que assumiria a Secretaria de Ciência e Tecnologia da pasta, desistiu do cargo, após dizer que estados e municípios inflavam as estatísticas para receber mais recursos.

Para culminar, o ministério atrasou a divulgação das estatísticas da Covid-19 e mudou a metodologia, de modo a omitir o total de mortos. No domingo, informou dois números conflitantes sobre as vítimas. A manobra é infrutífera — é como quebrar o termômetro para acabar com a febre. Porque as fontes são os estados, e instituições como o Congresso Nacional e o TCU se ofereceram para tabular os números. O jornalismo profissional também não deixará de informá-los. O GLOBO, “Extra”, G1, “Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo” e UOL formaram parceria para apurar os dados e divulgá-los. Ocultar ou manipular números afeta governos e sociedade, prejudica a imagem do Brasil no exterior e não contribui em nada para combater o coronavírus.

Números de mortos e infectados no país dizem muito. Por trás de cada um deles, há uma história. E, no conjunto, não só mostram o tamanho da tragédia, mas são vitais no planejamento de ações contra a doença.

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