quarta-feira, 24 de junho de 2020

Vera Magalhães - Um ano perdido

- O Estado de S.Paulo

Fuga de Weintraub é símbolo final de desastre da Educação na pandemia

A fuga canhestra de Abraham Weintraub do País e seu desembarque caricato em Miami foram o apogeu de uma gestão daninha na Educação.

O pior ministro da Educação que o Brasil já teve se despediu com um bilhete em papel de pão, um abracinho no presidente e uma banana para o País. Para poder entrar nos Estados Unidos, se valeu de uma fraude ao Diário Oficial, mais um expediente que vai se tornando rotina no governo coalhado de ilegalidades de Jair Bolsonaro.

Antes de mais essas cenas de pastelão, no entanto, o dono da cachorrinha Capitu entregou um ano perdido, em que os alunos não foram apenas expostos aos riscos para a saúde física e mental decorrentes da pandemia, mas à completa falta de perspectiva para seu futuro escolar graças à inépcia do Ministério da Educação.

Depois de, por pura birra, tentar obrigar alunos do Ensino Médio a fazer o Enem sem ter aulas, ou tendo sido jogados de paraquedas num ensino à distância com mais buracos que a superfície da Lua, e ser forçado a recuar pela Justiça e pelo Congresso, Weintraub simplesmente desligou as operações.

Não houve, por parte do MEC, uma diretriz sequer de retomada a Estados e municípios de como planejar a retomada das aulas, e a que tempo.

Além disso, o ministério, que já era um ator tardio e secundário na discussão do financiamento da educação básica a partir do ano que vem, se esqueceu deliberadamente do assunto.

O ministro-clown preferiu gastar seus últimos dias à frente da pasta conspirando contra a democracia, confraternizando com milicianos golpistas, tentando impor às universidades federais reitores biônicos e exterminar as políticas de ação afirmativas adotadas para franquear o acesso à pós-graduação a negros, indígenas e deficientes.

Numa calamidade sanitária, empenhou toda a sua energia na destruição, na apologia ao golpismo, à obsessão de fechar portas àqueles para os quais a Educação deveria ser uma ponte para o futuro.

O estrago é tão indisfarçável que Bolsonaro, que também não está nem aí para a Educação, tem de cobrar dos candidatos a ministro um plano para a volta às aulas, já que a equipe que o fujão deixou não tem nada a apresentar, ao que parece.

As consequências recaem sobre alunos de todos os ciclos, de todo o País e das redes pública e privada. E a borduna, como sempre, vai bater mais forte na cabeça dos mais pobres. As iniciativas municipais e estaduais de ensino à distância são um conjunto irregular e fake, em que uns saíram levemente na frente e outros não conseguiram nem se organizar três meses depois.

Não há compensação possível, por exemplo, para alunos de universidades federais cujas instituições nem tentaram implementar ensino à distância. Jogados em casa, muitas vezes sem acesso a entretenimento ou cultura, esses alunos questionam se o plano que haviam traçado para o próprio futuro ainda fará sentido após a pandemia ter varrido perspectivas acadêmicas, empregos e cadeias produtivas inteiras.

Os pais dos estudantes de escolas e faculdades privadas podem até ter a ilusão de que as aulas online supriram esse buraco, mas basta acompanhar um dia da rotina de alunos jogados diante de telas que jogam conteúdos incompatíveis com a nova realidade para saber que isso é conversa mole para cobrar mensalidade integral.

Cabe a esses pais e estabelecimentos se entenderem, mas no caso da Educação pública a responsabilidade é dos governantes. É urgente que o MEC exume o fantasma Weintraub e assuma um mínimo de articulação de estratégia educacional. E governadores e prefeitos têm de deixar de pensar em reabrir shoppings e focar em dar a pais e alunos um protocolo responsável para redução de danos de um ano perdido.

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