quinta-feira, 25 de junho de 2020

Zeina Latif* - O caminho até 2022

- O Estado de S.Paulo

O cuidado com o País agora será também uma preparação para 2022

O Sars-Cov-2 escancara a tragédia do mau funcionamento do Estado brasileiro, a complexidade do País e a ineficiência do atual governo.

O Brasil está mal na foto mesmo comparado a países vizinhos. O número de mortes como proporção da população só não é maior porque a testagem é baixa, diferentemente de Chile e Peru.

O Estado pesado e sem capacidade de planejamento não consegue reagir bem à crise, nem no mais essencial: falta atendimento de saúde adequado e a testagem em massa. Chama a atenção a ausência de ensino à distância na maioria das universidades públicas.

Ainda assim, muitos defendem uma maior presença estatal, como se ela fosse eficiente.

É necessária a reforma do Estado visando à melhor qualidade do gasto público, bem como da regulação estatal. Vai além do necessário ajuste fiscal.

Como os gastos com a Previdência comprometerão os orçamentos por muitos anos, por conta do envelhecimento populacional, o espaço de manobra seguirá limitado. Justamente agora que mais recursos serão necessários para políticas sociais, pesquisa, medidas sanitárias e de inserção tecnológica. Será necessário buscar caminhos para o uso mais eficiente de recursos e parcerias com o setor privado.

Um ingrediente essencial é preparar o funcionalismo para a missão. É necessário introduzir meritocracia no serviço público, com revisão de regras de estabilidade e promoção, e o paralelo incentivo para a capacitação. O nosso passado, com histórias de sucesso na administração pública, mostram que o resgate é possível.

Essa agenda tornou-se urgente diante da avalanche de aposentadorias previstas nos próximos anos, o exíguo espaço para concursos e a nova realidade digital, pouco aproveitada no serviço público.

Os problemas estruturais e a complexidade do País também cobram seu preço. A elevada informalidade dificulta a efetividade de políticas de socorro financeiro. A pobreza e o déficit educacional reduzem a efetividade do isolamento social – não parece coincidência que Estados com maior Índice de Desenvolvimento Humano tenham, proporcionalmente, menos infectados. A falta de saneamento, que aumenta a vulnerabilidade à doença, é um capítulo à parte.

São desafios para vários mandatos presidenciais. Não seria correto colocar toda a culpa da crise no colo do presidente. Por essas e outras – incluindo as falhas em muitos governos locais –, a popularidade de Bolsonaro segue resiliente. Mas a parcela de responsabilidade do governo federal é inegável, em que pese o esforço de muitos para fazer a coisa certa, como o Banco Central.

Até hoje não há um comitê de crise operante. O governo sequer consegue executar as despesas autorizadas para a saúde, como apontado pela Instituição Fiscal Independente. A Casa Civil, quando resolve agir, propõe um plano pós-pandemia – o Pró-Brasil – desconectado com a realidade e as necessidades do País.

Não deveria ser surpresa a inoperância do governo. Ainda durante a campanha, foi possível identificar o perfil populista e o despreparo de Bolsonaro e de muitos ao seu redor.

Que a economia está sofrendo e a retomada será lenta todos já sabem. A questão é como permitir o surgimento de “brotos verdes”. O governo precisará definir um plano de ação estruturado e trabalhar para sua implementação.

A crise, ironicamente, poderá contribuir para reduzir a paralisia do governo. Temas que não seduzem o presidente agora, como a reforma administrativa, poderão ter maior chance de avançar. A pandemia tornou o ambiente econômico e político mais arriscado, forçando o governo a agir.

O caminho será difícil, pois há muitas resistências e a janela política para reformas é estreita. Serão anos difíceis até a eleição de 2022.

Nesse contexto, há tarefa a ser feita também pela oposição, contribuindo para o debate público de forma honesta. O centro democrático não pode ser omisso, limitando-se a criticar o presidente. O cuidado com o País agora será também uma preparação para 2022.
No desastre, não há vencedores.

*Consultora e doutora em economia pela USP

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