domingo, 19 de julho de 2020

A urna e o mandato – Editorial | O Estado de S. Paulo

A escolha de bons prefeitos e de bons vereadores, que sejam verdadeiramente honestos e competentes, pode proporcionar efetiva melhoria da administração pública, bem como da própria política

As eleições municipais deste ano podem fazer uma enorme diferença na vida de cada cidade – e isso não é uma afirmação fútil. A escolha de bons prefeitos e de bons vereadores, que sejam verdadeiramente honestos e competentes, pode proporcionar uma efetiva melhoria da administração pública, bem como da própria política estadual e nacional. Além de ser a porta de entrada da carreira política, a esfera municipal tem enorme impacto na vida de cada cidadão.

Mas seria utópico pensar que basta escolher bons candidatos nos dias 15 e 29 de novembro, datas do primeiro e do segundo turnos, para que, por exemplo, a administração da cidade melhore ou o planejamento urbano seja realizado de forma competente e responsável. O voto consciente é um passo necessário, mas não suficiente para que a política realize o interesse público. É preciso assegurar que as promessas de campanha se tornem compromissos efetivos com o cidadão ao longo dos quatro anos de mandato. E isso se consegue mediante acompanhamento e cobrança do eleitor.

A urna é o grande meio de que os cidadãos dispõem para a renovação da vida pública. Mas quando se pensa que o exercício dos direitos políticos se esgota no voto, até a urna se torna disfuncional, fazendo com que a política esteja orientada para o bem do cidadão apenas durante a campanha eleitoral. Trata-se de um grave problema, a merecer reflexão.

Os partidos e os políticos têm responsabilidade por essa situação. Por exemplo, os partidos deveriam ser os primeiros a acompanhar o desempenho de seus quadros partidários ao longo do mandato, cobrando eficiência e coerência. Só com mandatos exercidos responsavelmente os partidos poderão realizar na prática o seu ideário. Além disso, por óbvio, as legendas estão para servir seus associados, e não para proteger suas lideranças.

Da mesma forma, o candidato eleito deveria querer, como sua principal aspiração, aproveitar o tempo de mandato – todos os 48 meses, sem nenhuma pausa – para realizar ao máximo o que foi prometido durante a campanha eleitoral. Afinal, foi para isso que ele se dispôs a disputar as eleições, um processo longo, cansativo e quase sempre esgotante.

Trata-se de uma obviedade, mas como se ouvem tantas desculpas irrazoáveis, dando a entender que são outras pessoas e outros Poderes que determinam o exercício do cargo, é bom relembrar: os políticos eleitos têm direta e total responsabilidade sobre o modo como exercem os mandatos. Não há desculpa para um exercício acomodado ou irresponsável do cargo. Menos ainda há justificativa para um exercício corrupto ou corruptor do poder concedido pelo voto.

Há, no entanto, uma irresponsabilidade ainda mais daninha – a de quem escolhe um candidato nas eleições, mas depois não o cobra de suas promessas, não lhe exige coerência com o que foi anunciado na campanha. É absolutamente incompreensível que o eleitor não acompanhe o modo como o político eleito exerce o mandato, já que se trata de seu interesse imediato. Não se fala de cargos distantes, que não afetarão o dia a dia de cada cidadão. No caso, é o prefeito que vai administrar, por exemplo, a creche e a escola de seus filhos. É o vereador que vai decidir sobre os rumos do crescimento da cidade, do transporte público ou do saneamento. Não há razão para alheamento.

Com frequência, o que se vê ocorrer é ainda mais grave que um circunstancial distanciamento do eleitor com o político que ele escolheu na urna. Decorridos alguns meses, o eleitor nem sequer se lembra do nome do candidato em quem votou. Há uma total ruptura entre o cidadão e a política. Diante desse quadro, no qual até o primeiro interessado (o cidadão) se desliga do processo, é preciso reconhecer a falta de incentivos para que os compromissos de campanha se perpetuem ao longo dos quatro anos de mandato.

O regime democrático assegura a autonomia do cidadão sobre o seu destino e o de sua comunidade. Mas também cobra responsabilidade. A passividade ao longo dos quatro anos de mandato pode ser tão perniciosa quanto o voto inconsequente.

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