domingo, 5 de julho de 2020

Ascânio Seleme - O líder sumiu

- O Globo, 04/07/2020 -

Quem será o líder indispensável para os difíceis anos 20?

O Brasil não precisa de heróis, embora bons exemplos num país tão mal-educado quanto o nosso sejam sempre bem-vindos. O que o país precisa é de um líder que consiga mobilizar as pessoas, apontar caminhos, propor soluções, apresentar alternativas. A nação que já vinha sacudida pela decepção com o PT, foi abalada ainda mais pelo desgoverno Bolsonaro e com a crise gerada pela pandemia que nos atingiu de modo mais duro que em outros países, exatamente pela ausência de uma liderança que inspirasse os brasileiros. Ao contrário, não preciso dizer, vimos nosso presidente defender o caos e a ignorância.

Não foram muitos os verdadeiros líderes brasileiros ao longo da História do país. Ficando apenas nos mais modernos, pode-se citar Getulio Vargas, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva. Todos eles edificaram obras que transformaram o Brasil. Getulio fez a Consolidação das Leis do Trabalho, que mudou as relações entre patrões e empregados. Juscelino modernizou o Brasil, abrindo o país para o futuro. Tancredo construiu a transição democrática que pôs fim à ditadura militar. FH estabilizou a moeda e acabou com a inflação, um flagelo que atormentava os brasileiros havia décadas. E Lula mostrou que era possível governar com o Estado voltado para os mais pobres.

Deste grupo, um foi ditador e outro foi preso por corrupção. Mas nem por isso deixaram de ser líderes incontestáveis. Porque líderes não se forjam, nascem líderes ou se constroem eles mesmos ao longo da vida. No Brasil há uma lista muito maior de teleguiados e de fanfarrões, que surfaram ondas para se tornarem presidentes sem nunca terem conseguido exercer liderança e influência sobre a nação. Muitos foram alçados por terceiros e sequer conseguiram confirmar a expectativa que os brasileiros neles depositaram para negociar com o Congresso e aprovar reformas que países precisam fazer de tempos em tempos para se modernizar.

Na categoria dos fanfarrões, o maior exemplo é o ex-presidente Fernando Collor. Jovem promessa do centro liberal, foi abatido pela volúpia com que avançou sobre os cofres públicos. Seus punhos cerrados e sua retórica agressiva de nada serviram quando ele foi esquadrinhado por uma CPI. Na classe dos teleguiados está Dilma Rousseff. Eleita duas vezes, o que é um feito, não conseguiu governar quando dela se exigiu maleabilidade, flexibilidade, jogo de cintura. Da mesma forma que Collor, foi impedida de continuar governando menos pelo crime que cometeu e mais por sua incapacidade para negociar com o Congresso.

Há ainda os que sabiam lidar com o Congresso e fizeram importantes reformas, mas não tinham carisma para se transformarem em líderes capazes de produzir revoluções que os destacassem na História. Os vices que assumiram os cargos dos titulares afastados são bons exemplos. Itamar Franco e Michel Temer fizeram bons governos tampões, mas nunca empolgaram. Os generais da ditadura foram líderes de quartéis, e nada mais. Antes deles e depois de Getulio, destaque também para Jânio Quadros, mas porque era louco, não porque era bom.

Finalmente, Jair Bolsonaro, um surfista que chegou ao poder aproveitando-se da onda anti-PT. Este foi o presidente brasileiro que mais rapidamente perdeu capital político. Em 18 meses de governo viu virar fumaça mais da metade do contingente eleitoral que o levou ao Planalto. Bolsonaro, Itamar, Temer, Jânio nunca foram líderes. Chegaram ao poder, por méritos próprios, por circunstâncias que exploraram, guiados pelas mãos de outros ou por falta de opção, e jamais se transformaram em fonte de inspiração aos brasileiros.

E agora? Quem será o líder indispensável para os difíceis anos 20? O cenário atual é desolador. Difícil enxergar um líder, não importa para que lado se olhe. Moro? Tem apoio, mas são poucos os que empolgam menos do que ele. Haddad? Tem currículo, mas não muito mais que isso. Ciro? Um líder não pode ser agressivo a ponto de causar medo. Doria? Pode até ser competitivo, mas dizem que faltam-lhe caspas na gola do paletó. Marina? Desmilinguiu-se na última eleição. Huck? Reconhecido líder de audiência, mas por ora não passa disso. Os brasileiros terão de encontrar o seu líder. E é urgente.

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