domingo, 19 de julho de 2020

Bernardo Mello Franco - Entulho autoritário

- O Globo

O governo Bolsonaro ressuscitou a Lei de Segurança Nacional para intimidar os críticos. Contra a ofensiva autoritária, juristas discutem uma nova legislação

Virou rotina. A cada semana, o governo Bolsonaro encontra um novo pretexto para ressuscitar a Lei de Segurança Nacional. Na última terça, o alvo foi o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Sete dias antes, o jornalista Hélio Schwartsman, da “Folha de S.Paulo”. Em junho, o cartunista Aroeira, do portal Brasil 247.

Nos três casos, a lei da ditadura militar foi invocada para enquadrar críticos do governo. Uma desculpa patriótica para blindar o poder e sufocar a liberdade de expressão.

O ministro André Mendonça mandou a Polícia Federal investigar Aroeira por uma charge que irritou o presidente. Depois repetiu o expediente com Schwartsman, que disse torcer pela morte do capitão. O leitor pode ver mau gosto no desenho e no artigo, mas nenhum deles ameaça a segurança do país. A lei foi exumada para intimidar a imprensa, um dos esportes preferidos do bolsonarismo.

O caso de Gilmar é ainda mais exótico. Além da LSN, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, invocou a aplicação de artigos do Código Penal Militar. O general quer usar a lei da caserna para enquadrar um juiz da corte constitucional. Coisa de República de Bananas — ou do Brasil de Bolsonaro.

A Lei de Segurança Nacional é parte do entulho autoritário deixado pelo regime de 1964. Deveria ter sido varrida com outros escombros da repressão, como o Dops e o SNI. “A lei já era obsoleta no tempo da ditadura. Voltar a usá-la agora é uma péssima ideia”, resume o jurista José Paulo Cavalcanti Filho.

Em 1985, uma comissão presidida pelo ex-ministro Evandro Lins e Silva propôs substituir a LSN por uma Lei de Defesa do Estado Democrático. “Entregamos o projeto ao presidente José Sarney, mas ele ficou na gaveta”, lembra Cavalcanti.

Em 2002, o então ministro Miguel Reale Júnior fez nova tentativa. O objetivo era revogar a lei da ditadura e incluir no Código Penal um título de crimes contra o Estado. Mais uma vez, o entulho autoritário venceu. “O projeto está parado no Congresso há 18 anos, não sei por quê”, lamenta Reale. Ele considera inaceitável usar a LSN contra críticos do governo. “Isso é mais uma represália do que uma ação jurídica. Não vai redundar em nada”, aposta.

Para frear a ofensiva autoritária, juristas discutem um terceiro projeto de lei. O ex-ministro Reale e o professor Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito São Paulo, contam que a ideia é combinar a defesa das instituições e a garantia da liberdade de expressão.

“Usar a LSN em temas de ofensa à honra é uma exorbitância”, afirma Vieira. “As críticas ao governo, aos tribunais e ao Congresso fazem parte do jogo democrático. Outros governos foram achincalhados pela oposição e não trataram isso como ameaça à segurança nacional”.

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Com quase 80 mil mortos pela pandemia, o Capitão Corona insiste em receitar cloroquina aos incautos. Na quinta-feira, ele tropeçou na própria propaganda enganosa. “Não tem comprovação científica que seja eficaz. Mas também não tem comprovação científica que não tem comprovação eficaz. Nem que não tem, nem que tem”, enrolou-se.

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