terça-feira, 28 de julho de 2020

César Mortari Barreira* - Degeneração da democracia? Reflexões a partir de Norberto Bobbio**

1. Introdução

A presença de Bobbio como base teórica para auxiliar a compreensão do universo político brasileiro não é uma novidade. Uma rápida busca na internet permite a qualquer um encontrar alguns daqueles temas que caracterizaram a reflexão política do filósofo e jurista italiano: democracia dos modernos e dos antigos, direitos e deveres, transparência e poder oculto somam-se às discussões sobre direita e esquerda, esta sem dúvida a mais “popular” delas, notadamente em virtude da disputa de narrativas que caracterizou a última corrida presidencial.

Nesse contexto, é digno de nota o artigo publicado em junho de 2017 – “Um eloquente silêncio sobre Norberto Bobbio” –, em que Ricardo Zamora se refere ao livro Contra os novos despotismos como uma oportunidade para “devolver aos debates políticos no Brasil a presença sempre iluminadora de seu pensamento” (ZAMORA, 2017). Tendo como base o governo Temer, o autor salientava que “o despotismo que se insinua no Brasil decorre não de uma unificação de poderes em uma só pessoa, mas da articulação – como talvez nunca antes na história desse país, entre o monopólio das comunicações, as organizações patronais e o Poder Executivo” (ZAMORA, 2017), razão pela qual o livro de Bobbio, “embora trate de um problema específico, o berlusconismo, e de um momento político também específico da Itália, pode trazer luzes valiosas para iluminar o caótico processo brasileiro” (ZAMORA, 2017).

Mais recentemente, um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo deu continuidade a essa “presença de Bobbio” em território nacional com o título “Bolsonaro e o pessimismo da razão”, trazendo como destaque a sugestiva afirmação: “o que dizia Norberto Bobbio para a Itália dos anos 70 vale para o Brasil de hoje”. Em virtude da repercussão e alcance desse artigo, partirei dele para desenvolver alguns questionamentos: se for de todo razoável operar o arcabouço teórico bobbiano para pensar a realidade política brasileira, o que a atualidade de Bobbio tem a nos dizer sobre a atual forma de governo? Estaríamos diante de uma degeneração da democracia? Seria possível associar essa ideia com o discurso sobre o despotismo?

Dou início a essas reflexões, portanto, destacando como se deu o emprego de Bobbio no texto publicado pelo referido jornal em 10 de maio. Após salientar algumas manifestações do presidente Jair Bolsonaro – discursos em que diz, de um lado, que respeita a Constituição e, do outro, que ele mesmo é a Constituição e que “tudo tem um limite” –, o artigo não deixa de notar: “afirmações como essas, que exaltam a importância da Constituição ao mesmo tempo que justificam o desrespeito a ela, não são novas na vida política contemporânea”. E é exatamente neste ponto que aparece a conexão com o pensamento de Bobbio, oriundo de citações de dois textos – “A Constituição não tem culpa”, de 09 de janeiro de 1978, o primeiro a ser citado, e “O dever de sermos pessimistas”, de 15 de maio 1977, ambos publicados em As ideologias e o poder em crise, de 1981.

Uma vez destacada a caótica situação vivida pela Itália na década de 1970 em virtude do assassinato do ex-primeiro-ministro Aldo Moro, o texto do jornal O Estado de S. Paulo realça que Bobbio foi uma das vozes que se levantou contra a confusão – por vezes deliberada – em torno do sentido democrático da Constituição italiana em um país recém-saído do fascismo. Nesse sentido, o artigo cita uma passagem do texto de 1978 que caracteriza o texto constitucional como “um compromisso, necessário e a longo prazo benéfico, entre forças políticas apoiadas em ideias morais e sociais diferentes, algumas vezes até opostas” (BOBBIO, 1994, p. 187). Daí a assertiva do jornal: “O que se espera da Constituição é que ela defina as regras do jogo”.

Trata-se, no entanto, de uma definição que não aponta – e não pode apontar – para qual “lado” deve-se jogar. Se o governo se movimentará para a esquerda ou para a direita, é algo impossível de se estabelecer constitucionalmente, como o próprio Bobbio diz. E é exatamente neste ponto que o artigo “Bolsonaro e o pessimismo da razão” atinge seu ápice. Após afirmar que o modo de jogar dentro das regras do jogo faz com que as partes atuem apenas como adversários, pode-se encontrar a seguinte reflexão:

qualquer afronta a essas regras rompe o pacto constitucional, levando-os, então, a se converterem em inimigos. E essa é a lógica da guerra e da barbárie, segundo a qual quem não é amigo tem de ser destruído, lembrava Bobbio (“Bolsonaro e o pessimismo da razão”, 10 de maio de 2020).

Ainda assim, existiria algo ainda mais perigoso: a presença de certos atores na cena política, “pessoas perigosas, porque falam como adversários, mas agem como inimigos, pondo em risco assim as instituições democráticas”, momento em que a articulação com o autor italiano volta a aparecer. Se Bobbio dizia que esses sujeitos devem ser “denunciados” e “combatidos” enquanto houver tempo – e uma vez mais é o artigo do jornal O Estado de S. Paulo quem nos lembra desse posicionamento – o recado está dado: o presidente Jair Bolsonaro materializaria um prenúncio que teria sido descrito por Bobbio em outro texto do mesmo período, o também já mencionado “O dever de sermos pessimistas”, de 1977.

Aqui seria possível vislumbrar o “risco de a democracia se degenerar caso esses maus políticos chegassem ao poder, valendo-se das regras democráticas para destruí-las”, um diagnóstico que é finalizado como uma longa citação de Bobbio, cujo sentido deveria servir como “a lição que o Brasil tem de aprender com a experiência italiana, para evitar a ruptura da democracia”:

“Deixo para os fanáticos, aqueles que desejam a catástrofe, e para os insensatos, aqueles que pensam que no fim tudo se acomoda, o prazer de serem otimistas. O pessimismo é um dever civil. (...) Só um pessimismo radical da razão pode despertar com uma sacudidela aqueles que, de um lado ou de outro, mostram que ainda não se deram conta de que o sono da razão gera monstros” (BOBBIO, 1994, p. 181).

Como se vê, o texto “Bolsonaro e o pessimismo da razão” transmite uma mensagem clara: o presidente Jair Bolsonaro constitui uma ameaça que é apresentada nos termos de uma degeneração da democracia. Consequentemente, a primeira pergunta a ser feita é: uma vez que Bobbio aparece como o fio condutor que guia os argumentos desenvolvidos no artigo “Bolsonaro e o pessimismo da razão”, caso essa associação seja de todo razoável, seria possível desenvolver esse tema à luz do pensamento político do filósofo e jurista de Turim?

2. Bobbio reloaded

Como procurarei demonstrar, uma resposta a essa pergunta não é tão simples quanto parece. Após enfatizar o contexto em que estão inseridos os textos utilizados no artigo do jornal O Estado de S. Paulo – “A Constituição não tem culpa”, de 1978, e “O dever de sermos pessimistas”, de 1977 –, destacarei alguns problemas de apropriação do texto bobbiano. Se aqui se manifestam déficits consideráveis, isso não implica a recusa da ideia de degeneração democrática, muito menos da possível atualidade de Bobbio. Pelo contrário, a percepção desses déficits permitirá alargar o horizonte em que se insere sua contribuição. Assim, não se trata apenas de estabelecer “o que dizia Norberto Bobbio para a Itália dos anos 70 vale para o Brasil de hoje”, mas de perceber como a Itália dos anos 90 – sugestivamente caracterizada por Bobbio como “aquela Itália modelo Berlusconi” – pode constituir uma chave de leitura ainda mais potente para analisar alguns componentes do Brasil modelo Bolsonaro e a teoria política liberal.

i. A contextualização dos escritos

A primeira passagem citada em “Bolsonaro e o pessimismo da razão” é do artigo “A Constituição não tem culpa”, de 9 de janeiro de 1978. Diante da pergunta “qual o contexto subjacente a esse texto?”, só pode haver uma resposta, qual seja, as comemorações pelos 30 anos da Constituição italiana de 1948. Tratava-se de algo tão importante que o próprio Bobbio faz questão de esclarecer o problema a partir do qual desenvolveria sua reflexão: “nas celebrações destes trinta anos comete-se frequentemente o erro de acreditar que a Constituição de 1948 era perfeita e que nossas desgraças devem ser atribuídas ao fato daquela Constituição, perfeita, ter ficado incompleta e sido violada” (BOBBIO,1994, p. 187).

Note-se desde já que é exatamente contra esse tipo de leitura que Bobbio desenvolverá seus argumentos. Em primeiro lugar, ele faz questão de salientar – logo na frase seguinte – que a Constituição italiana não é perfeita. E, para justificar essa posição, Bobbio apresenta os argumentos que foram citados pelo artigo do jornal O Estado de S. Paulo: “ [A Constituição] nasceu, como todos sabem, de um compromisso, necessário e a longo prazo benéfico, entre forças políticas apoiadas em ideias morais e sociais diferentes, algumas vezes até opostas” (BOBBIO, 1994, p. 187). Esta imperfeição – destacada por Bobbio – é que fez com que a Constituição fosse chamada de “conchavo à italiana” à época, em contraposição aos típicos “compromissos ingleses”. Ainda assim, a posição de nosso autor é outra: “já tive ocasião de dizer que a Constituição italiana revelou-se à distância mais como um compromisso verdadeiramente histórico que como um conchavo” (BOBBIO, 1994, p. 188).

Em segundo lugar, Bobbio enfatiza que a Constituição, “mesmo quando perfeita, tem a função de estabelecer as regras do jogo. Não pode e não deve estabelecer como se deve jogar. Se o fizesse, não seria mais uma Constituição democrática” (BOBBIO, 1994, p. 188 – destaque no original). Isso significa que há uma distinção entre as regras do jogo e o modo de jogar, sendo este imputado aos atores políticos, os “jogadores” mencionados no texto “Jair Bolsonaro e o pessimismo da razão”. Neste, como destacado, sustenta-se que qualquer afronta às regras do jogo romperia o pacto constitucional, fazendo com que os então adversários se transformassem em inimigos, manifestando uma ruptura que “é a lógica da guerra e da barbárie, segundo a qual quem não é amigo tem de ser destruído, lembrava Bobbio”. Além disso, no texto publicado em 10 de maio de 2020, é dito que o maior temor de Bobbio

era com relação aos maus jogadores – aqueles que, por falta de competência, habilidade e envergadura, costumam [e aqui tem início uma citação de Bobbio] “apresentar como pretexto de seus insucessos o fato de não poderem ir além do que as regras permitem”. São pessoas perigosas, porque falam como adversários, mas agem como inimigos, pondo em risco assim as instituições democráticas. Estes é que têm de ser denunciados e combatidos enquanto for tempo, concluía (“Bolsonaro e o pessimismo da razão”, 10 de maio de 2020).

Alguns comentários são necessários diante dessas alegações: (i) deve-se notar que a referida lógica da guerra e da barbárie não aparece no texto de Bobbio utilizado pelo artigo publicado no O Estado de S. Paulo; (ii) a ideia de que os maus jogadores “têm de ser denunciados e combatidos enquanto for tempo” também está ausente; (iii) por fim, a passagem citada – em que os maus jogadores costumam “apresentar como pretexto de seus insucessos o fato de não poderem ir além do que as regras permitem” – não condiz com o texto original. Na verdade, em “A Constituição não tem culpa” encontra-se uma metáfora futebolística para tentar captar a distinção acima referida entre regras do jogo e modo de jogar:

O modo de jogar, dentro de determinadas regras, depende unicamente da habilidade dos jogadores. Também é certo que a habilidade dos jogadores depende de certas regras. Mas são regras que nada têm a ver com as chamadas regras do jogo. Prova disso é que quem transgride as regras do jogo é chamado de jogador incorreto; e quem cumpre as leis mas não sabe jogar é um péssimo jogador. As regras do jogo de futebol são iguais em todo o mundo. Apesar de tudo, mesmo jogando com regras iguais, há equipes vencedoras e equipes perdedoras, equipes de 1° divisão e de 2° divisão, pequenas equipes de periferia e ainda equipes de "pelada" num campo qualquer. Que diríamos de um mau jogador que apresentasse como pretexto de seus insucessos o fato de não poder pegar a bola com a mão? (...) Diríamos que estariam buscando nas regras do jogo o que as regras não contêm: o segredo da vitória (BOBBIO, 1994, p. 188-189 – destaque meu).

Diferenças à parte – entre “não poderem ir além do que as regras permitem”, de um lado, e “não pode pegar a bola com a mão”, de outro –, é por esta razão que Bobbio não hesita em avaliar: “já li e reli não sei quantas vezes a Constituição italiana e muitas outras também: nessa leitura nunca consegui jamais deduzir delas o segredo de um bom governo” (BOBBIO, 1994, p. 189).

Tendo destacado esses dois primeiros argumentos – a imperfeição da Constituição e a presença das regras do jogo –, Bobbio analisa, em terceiro lugar, algo que caracteriza todo e qualquer texto constitucional. Trata-se de atentar para as normas de procedimento, ou seja, normas que apenas fixam o caminho de uma decisão, mas não seu conteúdo. Nas palavras do próprio Bobbio, “elas estabelecem o como e não o que de uma decisão a tomar” (BOBBIO, 1994, p. 189 – destaque no original), ao melhor estilo de uma Constituição que “dá a todos os cidadãos maiores de idade o direito de votar. Mas não diz em que partido eles devem votar” (BOBBIO, 1994, p. 189).

Paralelamente a este aparato “procedimental”, Bobbio acrescenta o quarto e último argumento para rejeitar a ideia de que a Constituição italiana fosse perfeita, qual seja a inexistência de normas que seriam consideradas úteis, os tais “espaços vazios” que caracterizam as disputas jurídicas acerca das lacunas. E por qual motivo isso aconteceria? Pois “os constituintes, embora atentíssimos, não previram tudo o que podiam prever e muitas vezes não viram aquilo que podiam ter visto” (BOBBIO, 1994, p. 190). Finalizada esta sucessão de argumentos, qual seria, então, o resultado da análise bobbiana a respeito das comemorações dos 30 anos da Constituição italiana? Nas palavras do filósofo e jurista italiano:

Parece-me que, depois daquilo que já referi, podemos concluir que a Constituição é apenas responsável por uma parte do modo como um país é governado. De nada serve ou serve muito pouco, portanto, chorar sobre uma Constituição que não é cumprida ou que é traída, como de pouco serve pensar em reformas ou retoques constitucionais quando se tem a ilusão de que basta mudar a roupa para mudar o temperamento daquele que a veste (BOBBIO, 1994, p. 191).

Veja-se: ao analisar o raciocínio bobbiano em sua completude pode-se observar o sentido final deste texto de 1978. A tese central é a de que mesmo o respeito total à Constituição “é apenas a condição necessária para o bom funcionamento de uma democracia. Mas não é uma condição suficiente” (BOBBIO, 1994, p. 191). Consequentemente, e isso é fundamental, “há só uma maneira de celebrar os trinta anos da Constituição: inaugurar finalmente a era do bom governo. (...) Empresa difícil porque, se para ter um governo basta ter uma Constituição, para ter um bom governo é preciso ter sempre bons governantes e boas leis” (BOBBIO, 1994, p. 191).

Entretanto, com isso também se observa que há uma diferença entre o Bobbio que escreve “A Constituição não tem culpa” e o Bobbio que aparece em “Jair Bolsonaro e o pessimismo da razão”. Para além do problema da presença / ausência de certas passagens no texto em questão, retratado há alguns parágrafos, quando se analisa as citações de Bobbio mencionadas até então – como já destacado, o final do texto publicado no jornal propõe uma segunda aproximação com autor italiano – percebe-se que a motivação é outra. Bobbio não diz o que diz partindo da presença de um governante do tipo Jair Bolsonaro, mas a partir de um texto comemorativo dos 30 anos da Constituição italiana, ainda que, num contexto maior, “a Itália vivia uma das mais graves crises institucionais desde sua redemocratização”, como diz o artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo.
Se a primeira utilização do arcabouço teórico bobbiano levou a esses impasses, o segundo diálogo com Bobbio presente em “Bolsonaro e o pessimismo da razão” também apresenta suas dificuldades. A referência aqui é o texto “O dever de sermos pessimistas”, de 15 de maio 1977, base a partir da qual se constrói o seguinte argumento:

Em outro artigo publicado à época, Bobbio advertiu para o risco de a democracia se degenerar caso esses maus políticos chegassem ao poder, valendo-se das regras democráticas para destruí-las. Diante desse risco, num momento em que a democracia italiana estava ameaçada por extremistas, Bobbio afirmou [e aqui tem início uma citação de Bobbio]: “Deixo para os fanáticos, aqueles que desejam a catástrofe, e para os insensatos, aqueles que pensam que no fim tudo se acomoda, o prazer de serem otimistas. O pessimismo é um dever civil. (...) Só um pessimismo radical da razão pode despertar com uma sacudidela aqueles que, de um lado ou de outro, mostram que ainda não se deram conta de que o sono da razão gera monstros” (“Bolsonaro e o pessimismo da razão”, 10 de maio de 2020).

Aqui é necessário repetir a estratégia, contextualizando a citação de Bobbio para em seguida avaliar seu uso. Qual o problema que o incitou a escrever “O dever de sermos pessimistas”? Logo no primeiro parágrafo o leitor é apresentado a duas situações opostas, referentes às previsões possíveis para o futuro da sociedade italiana:

1. Parece-me impossível que a sociedade italiana possa continuar neste lento, gradual e aparentemente inestancável processo de desagregação antes de terminar a atual ordem democrática, e que o país caia num endêmico processo de guerra civil ou numa nova forma de despotismo; 2. Parece-me impossível que uma sociedade como a italiana, que em trinta anos de ordem democrática progrediu econômica e civilmente, possa degenerar a ponto de ter de recorrer aos remédios extremos que se seguem aos males extremos (BOBBIO, 1994, p. 177).

Este é o ponto de partida: uma disputa cotidiana entre o temor e a esperança. Se o primeiro nos leva à razão e o segundo ao desejo de não sucumbir, Bobbio procurará defender a tese negativa. Ou seja, se entre guerra civil ou novo despotismo se manifesta a alternativa que Bobbio esperava para a Itália, é a partir dela que deve ser compreendida a frase sobre o pessimismo como dever civil – na verdade o último parágrafo de “O dever de sermos pessimistas”. Assim, convém atentar para os argumentos desenvolvidos por Bobbio, e então analisar de que modo essa atitude poderia ser relacionada à tese da degeneração da democracia, o núcleo duro que perpassa todo o artigo “ Bolsonaro e o pessimismo da razão”.

Bobbio inicia sua argumentação destacando os três poderes que constituem o núcleo mínimo de qualquer Estado: (i) o poder coercitivo; (ii) o poder jurisdicional e (iii) o poder de impor tributos, culminando nas três funções principais, apresentadas na ordem inversa: “a) que o Estado tenha dinheiro para gastar; b) que o Estado tenha condições de resolver os conflitos surgidos inevitavelmente onde emergem novos direitos e novos deveres; c) que o Estado possa valer-se da força para resolvê-los, pelo menos em última instância” (BOBBIO, 1994, p. 178). Essa demarcação é vital para o desenvolvimento do texto, já que com ela Bobbio consegue apurar uma série de outros mecanismos que, em que pesem caracterizarem certo tipo de Estado – as chamadas democracias ocidentais –, ainda assim não constituem a essência de todo Estado. Desse modo, o controle do poder público, por exemplo, ou mesmo a distribuição dos poderes são fenômenos apresentados como mecanismos que não constituem o Estado enquanto tal.

Ora, qual a principal consequência derivada deste argumento? Como o próprio Bobbio diz, os referidos mecanismos “podem ser destruídos um após o outro sem que o Estado seja destruído”, um processo que é apresentado da seguinte forma:

pode acontecer que o grupo ou os grupos políticos dominantes achem que não podem ter outra escolha para salvar o Estado (entenda-se por salvar a enorme massa de poder concentrado que é constituído pelo aparelho de um Estado Moderno, in primis o aparelho da coação) senão libertar-se daqueles “freios e contrapesos” através dos quais a teoria e a prática constitucional procuraram armar um dique contra o poder estatal, como quem alivia o peso para não ter que interromper o voo (BOBBIO, 1994, p. 179-180).

Com isso Bobbio procura salientar a primeira razão para preferir a tese negativa a respeito do futuro da Itália. Para ele, é necessário não ter ilusões: “podemos continuar a ter um Estado sem ter democracia. Poderemos ter o fim da república e a continuação do Estado, sem república” (BOBBIO, 1994, p. 180). Mas há ainda uma segunda razão, fruto da análise da situação concreta do Estado italiano. Tendo como parâmetro as três funções acima mencionadas, Bobbio enfatiza (i) a precariedade do poder de extrair tributos; (ii) a falta de credibilidade do poder jurisdicional e (iii) a impotência do poder de coação que multiplica zonas de “força ilegítima” – a “espada privada” dita por Hobbes – e a consequente repulsa que sente grande parte da sociedade civil pelo poder público (BOBBIO, 1994, p. 180-181). Daí sua conclusão:

Dizia acima: se penso, tenho medo, e se me abandono ao desejo, posso ainda esperar. Mas, antes de tudo, sou um homem de razão. Por isso mesmo, tenho medo. Naturalmente pretendo falar não do medo pessoal, mas do temor de que por causa de nossos erros, pelo mau uso que os poderosos fizeram, de seu poder, e os não-poderosos de sua liberdade, o ordenamento civil que tantas lágrimas e sangue custou seja destruído. Mesmo que pareça chocante, direi que o homem de razão, na dramática situação por que passa a nação italiana, tem o dever de ser pessimista (BOBBIO, 1994, p. 181).

Ora, se logo após aparece o último parágrafo do texto “O dever de sermos pessimistas”, seria razoável sustentar que “antes que seja tarde, essa é a lição que o Brasil tem de aprender com a experiência italiana, para evitar a ruptura da democracia”, como fez o artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo? Neste segundo uso de Bobbio, o texto “Bolsonaro e o pessimismo da razão” repete um dos problemas da primeira investida. O pessimismo como dever civil certamente está associado à existência de extremistas naquele contexto, mas Bobbio não só não trata especificamente da “degeneração da democracia”, como em nenhum momento associa-a apenas aos chamados maus políticos que chegaram ao poder pelas regras democráticas para destruí-las. Como se vê, essa constatação poderia ter um gosto amargo tanto para a pretensa atualidade de Bobbio como para a tese da degeneração democrática. No entanto, como já destacado, nas próximas páginas procurarei demonstrar como é possível amalgamar esses componentes a partir da tematização de um elemento particularmente importante: a personalização dos partidos políticos, um fenômeno que terá em Berlusconi a base de sustentação para uma série de reflexões que tanto atestam a atualidade do pensamento de Bobbio como apontam para um problema central no interior da teoria política liberal.

ii. Da democracia à autocracia eletiva

A presente seção não tem como objetivo analisar de que modo as várias facetas do pensamento de Bobbio se mantêm atuais e em qual medida. Meu interesse é conscientemente mais modesto, e tem como objetivo apresentar as bases para um aprofundamento do diálogo acerca da atualidade das reflexões bobbianas a partir do amálgama entre a problematização posta pelo artigo “Bolsonaro e o pessimismo da razão” e as considerações levantadas nas páginas anteriores: um movimento que tem início com a posição de um líder tido como ameaça à democracia e caminha até o estudo das possibilidades de degeneração dessa forma de governo.

Começarei pelo último aspecto. Apesar do apelo da expressão, a discussão sobre degeneração da democracia tende a ser lembrada em Bobbio fazendo-se referência a um posicionamento presente em O futuro da democracia, de 1984. No texto “Premissa”, que abre a coletânea de artigos sobre “transformações” da democracia, Bobbio aborda as chamadas promessas não-cumpridas da democracia – (i) a sobrevivência do poder invisível; (ii) a permanência das oligarquias; (iii) a supressão dos corpos intermediários; (iv) a revanche da representação dos interesses; (v) a participação interrompida e (vi) a ausência da educação para a cidadania. Percebidas como manifestações decorrentes do contraste entre a democracia ideal e a democracia real, o filósofo de Turim admite que algumas dessas promessas não poderiam ser objetivamente cumpridas, outras não passavam de ilusões e algumas nada mais seriam do que esperanças mal respondidas, sem contar aquelas que se chocaram contra obstáculos imprevistos. De todo modo, o importante está na seguinte avaliação:

Todas são situações a partir das quais não se pode falar precisamente de “degeneração” da democracia, mas sim de adaptação natural dos princípios abstratos à realidade ou de inevitável contaminação da teoria quando forçada a submeter-se às exigências da prática (BOBBIO, 2000, p. 20 – destaque meu).

Não se deve esquecer, no entanto, que essa avaliação acerca da não-degeneração tem como parâmetro a “definição procedimental” da democracia, isto é, sua definição mínima, “segundo a qual por regime democrático entende-se primariamente um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (BOBBIO, 2000, p. 22). Mas engana-se quem vê nisso apenas formalismo. Como o próprio Bobbio salienta no primeiro texto de O futuro da democracia, mesmo a definição mínima tem suas condições: (i) que exista um elevado número de cidadãos com direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas; (ii) que existam regras de procedimento, como a da maioria; e (iii) que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger “sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra” (BOBBIO, 2000, p. 32).

Ainda assim, a negativa acerca da degeneração da democracia é reafirmada por Bobbio com o argumento de que “as promessas não-cumpridas e os obstáculos não-revistos de que me ocupei não foram suficientes para ‘transformar’ os regimes democráticos em regimes autocráticos”, razão pela qual seria possível observar “democracias mais sólidas e menos sólidas, mais invulneráveis e mais vulneráveis” (BOBBIO, 2000, p. 50). Veja-se que aqui opera um argumento até então inédito: não é apenas a questão contextual que permite problematizar a associação entre Bobbio e a degeneração da democracia invocada pelo artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, já que o próprio autor expressamente sustenta a não-degeneração em virtude da não verificabilidade da autocracia. Consequentemente, não seria necessário parar por aqui e dar por encerrada a tentativa de ler o mundo atual pelas lentes de Bobbio?

Essa pergunta pode ser respondida atentando-se para algumas colocações apresentadas por Michelangelo Bovero – discípulo de Bobbio e professor aposentado da Universidade de Turim – em um dos textos que compõem o livro Para uma teoria neobobbiana da democracia, publicado em 2015. Em “A democracia e seus desafios à luz do pensamento de Norberto Bobbio”, Bovero recupera a afirmação que acabo de citar – referente à negação da degeneração da democracia – e questiona: “isso ainda é verdadeiro? Estamos dispostos a ainda reconhecer como válida essa afirmação, trinta anos depois?”. Para ele, seria possível reconhecer a validade do argumento “se mantivermos os parâmetros originários de Bobbio, que assumia como termo de comparação a ‘era das tiranias’, isto é, os totalitarismos do século XX” (BOVERO, 2015, p. 37). No entanto, se perguntássemos pelas alterações vividas pela democracia desde então, qual seria o veredito?

Em síntese, minha opinião é a seguinte: olhando as últimas décadas de vida das democracias reais, é claramente reconhecível um processo de degeneração, que tende a impor à democracia as características de uma forma de governo diversa. Eu a chamo “autocracia eletiva”. Aplicando incorretamente ou alterando as regras do jogo, o instituto das eleições é reduzido a um método para a investidura pessoal de um “chefe”, sempre menos dependente dos órgãos representativos e sempre menos condicionado por vínculos constitucionais e controles institucionais. A democracia, então, está em seu crepúsculo? Não ouso afirmá-lo peremptoriamente (BOVERO, 2015, p. 38)

Como se vê, a degeneração não é apenas afirmada, mas qualificada nos termos de uma “autocracia eletiva” em que a figura de um chefe aparece como manifestação da “antidemocracia”. E o que seria isso? Trata-se de um termo que designa uma estratégia de partidos políticos que visam “agregar consenso em torno de fórmulas demagógicas neopopulistas, caracterizadas pela contraposição entre a suposta vontade ‘verdadeira’ do ‘povo’ e aquela expressa pelas instituições representativas e pelas culturas políticas sedimentadas nos sistemas tradicionais de partido” (BOVERO, 2015, p. 42). Ora, isso não lembra o início do texto “Bolsonaro e o pessimismo da razão”, em que são recuperadas as falas do nosso atual presidente de “Não queremos negociar nada. Queremos é a ação pelo Brasil. Agora é o povo no poder” e “Eu sou a Constituição”?

Semelhanças à parte, Bovero apresenta a antidemocracia como um “arremedo da democracia”, isto é, “uma democracia aparente que reveste e traveste formas incipientes de autocracia eletiva” (BOVERO, 2015, p. 42 – destaque no original). No entanto, é importante ressalvar que esse questionamento não significaria um distanciamento de Bobbio. Na verdade, mesmo em O futuro da democracia, no capítulo “Governo dos homens ou governo das leis?”, é possível encontrar explicitamente a hipótese da degeneração democrática no momento em que o “princípio inspirador” da democracia – o governo das leis – é perdido de vista (BOBBIO, 2000, p. 185). De todo modo, como salientado pelo próprio Bovero, é em seu mestre italiano que se encontra uma dupla equação particularmente importante: fascismo e antidemocracia, democracia e antifascismo, presente no livro Do fascismo à democracia, de 1997. Isso implica a conclusão de que a essência do fascismo é a negação total da democracia. E por que seria importante retomar esse raciocínio? Pois as recentes demonstrações de antidemocracia – ou autocracia eletiva – podem ser compreendidas, segundo Bovero, como manifestações do “fascismo pós-moderno”, que

da mistura entre repressão violenta e engano demagógico própria do fascismo histórico, privilegia (até agora?) o segundo ingrediente; que fomenta a hiper-personalização da política e por vezes revela figuras grotescas de poder carismático; que visa reforçar o poder executivo (depois de tê-lo conquistado) enfraquecendo vínculos e controles; que age de formas tendencialmente (às vezes, claramente) subversivas da ordem consolidada nas arquiteturas constitucionais (BOVERO, 2015, p. 43).

Se não há dúvidas de que a interpretação de Bovero acerca da atualidade de Bobbio pode servir como base para amarrar este autor à tese da degeneração da democracia, ainda assim parece existir a possibilidade de observar o destaque dado à figura do “chefe” a partir de outra lente bobbiana. No que segue defenderei a hipótese de que a temática dos “partidos políticos” e suas metamorfoses – constantes nos escritos de Bobbio – oferece uma segunda via para considerar a atualidade de seu pensamento, tanto para a realidade política brasileira, como para a teoria política atual.

iii. Partidos, facções e personalização da política

Como já destacado, O futuro da democracia é um livro lembrado principalmente pela já referida discussão acerca da definição mínima da democracia e suas promessas não-cumpridas. Mas nesse livro de 1984 há uma sugestiva reflexão para pensar a política no século XXI. No capítulo “Os vínculos da democracia”, Bobbio retoma a questão dos jogadores e das regras do jogo da democracia, um tema que, como vimos, é bastante explorado em “Bolsonaro e o pessimismo da razão”. Mas diferentemente do texto “A Constituição não tem culpa”, de 1978, Bobbio explicitamente destaca o “estreitíssimo nexo entre as regras dadas e aceitas do jogo político, de um lado, e os sujeitos que deste jogo são os atores e os instrumentos com os quais se pode conduzi-lo a bom termo” (BOBBIO, 2000, p. 80). Diante disso, Bobbio salienta que “no jogo político democrático (...) os atores principais estão dados, e são os partidos (...); também está dado o modo principal de fazer política para a imensa maioria dos componentes da comunidade nacional: as eleições” (BOBBIO, 2000, p. 80-81).

Note-se: qual a razão de se destacar algo aparentemente tão trivial? Ora, o problema por trás da reflexão bobbiana é a reiterada exigência – tanto na direita como na esquerda – de que seria necessário instituir um “novo modo de fazer política”. Os dois “dados” de Bobbio – os partidos e as eleições – buscam destacar exatamente os componentes necessários de todo e qualquer regime democrático, razão pela qual ele chega a dizer: “disto não se escapa” (BOBBIO, 2000, p. 81). Quer dizer, até pode-se escapar, ainda que, neste caso, o risco seja altíssimo, algo que Bobbio procura captar valendo-se de um jogo de palavras italiano: o mangi questa minestra o salti questa finestra, algo como “tome esta sopa ou salte esta janela”. Consequentemente,

você está inteiramente livre para saltar a janela, desde que saiba que se trata de um salto no qual pode até mesmo quebrar o pescoço, que não é como sair tranquilamente pela porta. Em suma, regras do jogo, atores e movimentos fazem um todo único. Não se pode separar uma coisa das outras. (...) Em consequência, não se pode aceitar as regras, recusar os atores e propor outros movimentos. Ou melhor, pode-se, mas desde que se esteja consciente de que se está saltando pela janela e não saindo pela porta (BOBBIO, 2000, p. 81).

Essa advertência de Bobbio é particularmente importante, pois coloca no centro do debate a importância dos partidos políticos, um tema intimamente associado aos riscos da degeneração da democracia ou da “antidemocracia” destacada por Bovero. Percebe-se-o em O futuro da democracia, no capítulo “Contrato e contratualismo no debate atual”, em que Bobbio não hesita em afirmar que a existência de mais de um partido é a conditio sine qua non da democracia (BOBBIO, 2000, p. 149). Note-se que tamanha ênfase era necessária para conseguir estabelecer com claridade os elementos que compunham a disputa em torno da “partidocracia”.

Com esse termo Bobbio aludia referência à superposição das partes ao todo, isto é, ao prevalecimento dos interesses individuais sobre os interesses gerais. Trata-se aqui do “eterno particularismo”, uma categoria que atravessa todo o espectro do pensamento político moderno e que procura compreender a deformação do Estado em “facção” ou “corporação”. Assim, quando o privado se sobrepõe ao público, a própria existência do Estado enquanto unidade do todo é descartada (BOBBIO, 2000, p. 148). Ou seja: há aqui um movimento da democracia em que atuam os partidos políticos em concorrência para um governo de partido único, um curso não só teórico, como histórico, bastando lembrar as experiências de partido único na URSS, na Itália fascista e na Alemanha nazista. Ora, não seria este um raciocínio particularmente afeito à tese da degeneração da democracia?

Veja-se: a importância dos partidos políticos é, na verdade, um fundamento, uma condição da democracia moderna. Isso está expresso tanto nas seis regras da democracia apresentadas em Teoria geral da política, em que a quarta é “devem ser livres também no sentido de que devem ser colocados em condições de escolher entre diferentes soluções, isto é, entre partidos que tenham programas distintos e alternativos” (BOBBIO, 2000a, p. 427 – destaque meu), como nas nove regras do verbete “Democracia”, no Dicionário de Política, em que a quinta é “todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente possível, isto é, numa disputa livre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional” (BOBBIO, 1998, p. 327 – destaque meu). Por isso mesmo, o particularismo da representação política em que o Estado se revela uma facção ou corporação sugere a possibilidade de pensarmos a degeneração da democracia justamente a partir dessa temática. Felizmente, uma reflexão dessa envergadura ainda pode contar com Bobbio. Fazendo justiça ao artigo “Bolsonaro e o pessimismo da razão”, que propõe “o que dizia Norberto Bobbio para a Itália dos anos 70 vale para o Brasil de hoje”, é possível recorrer a um texto publicado em 4 de agosto de 1979, “Partidos ou facções” que, assim como “A Constituição não tem culpa”, encontra-se no livro As ideologias e o poder em crise.

É interessante notar que o tema geral – o uso do termo “facções” não deixa dúvidas – do texto passa pelo referido particularismo, algo que Bobbio destaca nos parágrafos iniciais. Assim, ele chama a atenção para uma situação recorrente na política italiana, em que os interesses partidários e pessoais não se subordinam aos interesses gerais. Nesse contexto, o que se busca é ampliar de todas as formas possíveis a própria esfera de poder, sem jamais se responsabilizar pelos próprios comportamentos, “a tal ponto que o país vai se arruinando e ninguém é responsável. E em vez de se tornarem menos intolerantes uns para com os outros, tornaram-se, bem ao contrário, cada vez mais briguentos” (BOBBIO, 1994, p. 193-194). Mas o ponto central do argumento está na seguinte passagem:

Uma das razões pelas quais a crise de hoje é mais grave que todas as outras é a proliferação sem precedentes do facciosismo. Os partidos estão se transformando em facções. Na grande literatura política de todos os tempos há um tema permanente sobre o qual os políticos deveriam refletir: as facções são a ruína das repúblicas. E os partidos se transformam em facções quando lutam unicamente pelo seu poder para tirar um pouco de poder às outras facções, sendo que, para atingir seus objetivos, não hesitam em despedaçar o Estado (BOBBIO, 1994, p. 194 – destaque meu).

Aqui fica evidente que esses simulacros de partidos políticos arruínam as repúblicas. Por isso, o próprio Bobbio insere a democracia como alvo das facções:

Através das liberdades civis e políticas, sobretudo da liberdade de associação — especificamente da associação para fins políticos — e através do reconhecimento da legitimidade da oposição, o Estado liberal primeiro e o Estado democrático depois, tornaram possível a transformação das antigas facções nos partidos modernos. Quando, por sua vez, os partidos degeneram em facções, é sinal de que os mecanismos constitucionais que deviam garantir a livre e fecunda disputa dos vários grupos políticos não funcionam mais, e a democracia, ou seja, o regime que permite a livre e fecunda disputa dos diversos grupos políticos, fica em perigo (BOBBIO, 1994, p. 194 – destaque meu).

Se partidos políticos se degeneram em facções, e se isso está associado à sobreposição dos interesses individuais aos interesses gerais, então se compreende como esse tema, já atual, se desenvolve em outro, atualíssimo, que remete à personalização da política. E o enlace entre um e outro é feito pelo próprio Bobbio, em um texto publicado em 1996 e significativamente intitulado “O dever dos partidos políticos”. Sua primeira frase já aponta o caminho a ser seguido: “quem, por uma compreensível reação à invasão dos grandes partidos (...) condena o partido político enquanto tal e aspira a uma democracia sem partidos, engana, antes de tudo, a si mesmo” (BOBBIO, 2001, p. 123). No entanto, logo após esse engano, é possível encontrar uma realidade ainda mais fria, que o próprio Bobbio não hesita em denunciar: “quem pregou durante anos a luta contra os partidos, na realidade renegou os partidos tradicionais visando apenas dar existência a um partido próprio para substituir os precedentes” (BOBBIO, 2001, p. 123-124).

Daí o espanto de nosso autor, que chega a dizer que a passagem do voto ao partido para o voto à pessoa é “o fenômeno hoje mais perturbador da nova ordem” (BOBBIO, 2001, p. 124), um “monstrum para ser esquecido o mais rápido possível” (BOBBIO, 2001, p. 126). Ainda assim, Bobbio faz questão de acrescentar uma nota histórica não só para auxiliar a compreensão do tema, mas também para identificar seus apoiadores:

Gostaria que não fosse esquecido que no início da sua ressureição após a derrota, os neofacistas, herdeiros da República de Saló, tinham imediatamente começado a chamar de maneira desdenhosa a nova República de a “República dos partidos”, à qual contrapunham, como ainda hoje contrapõem, a “República dos italianos” (...). A República dos italianos inspirava-se no princípio de “um chefe, um povo”, que é a quinta-essência do Estado totalitário. É inacreditável quanta estrada tenha percorrido nos últimos anos essa ideia (BOBBIO, 2001, p. 126 – destaque meu).

Como se vê, a atualidade dessas reflexões não diz respeito apenas à menção ao fascismo, uma linha de reflexão que, como vimos, está presente nas reflexões de Bovero acerca do “fascismo pós-moderno”. O mais interessante é notar como o desenvolvimento de um elemento essencial à democracia, os partidos políticos, se transformam em partidos pessoais, um vetor da degeneração democrática. Esta é uma chave de leitura importante da reflexão bobbiana da democracia não apenas para analisar a situação política brasileira atual – e, diga-se de passagem, sua ainda breve história neste século XXI –, mas inclusive para compreender uma espécie de pessimismo exacerbado de Bobbio em seus últimos escritos.

3. Afinidades eletivas entre Berlusconi e Bolsonaro

O contexto subjacente ao aprofundamento daquele dever civil de que nos lembra o texto “Bolsonaro e o pessimismo da razão” é bem conhecido: o impacto de Silvio Berlusconi para a política italiana. Se em O futuro da democracia é possível observar uma narrativa simpática aos avanços da democracia, ainda que se leve em consideração as já referidas promessas não-cumpridas, no texto “Loucura itálica”, publicado em 2000 e inserido no livro Contra os novos despotismos, Bobbio admite que, na passagem da Primeira à Segunda República italiana, havia aparecido no horizonte “a miragem de um sistema político mais avançado”, a miragem “de ter uma democracia melhor”. Naquele início de século, no entanto, Bobbio admitia: “agora podemos constatar que certamente temos uma democracia pior” (BOBBIO, 2016, p. 84). E o motivo está relacionado ao “vento de loucura” que estava arrastando o sistema político italiano: a figura do partido pessoal (BOBBIO, 2016, p. 83).

Por isso mesmo, em um texto de 2001 – “Um partido subversivo” – Bobbio retoma o tema, procurando esclarecer, como de costume, o significado desse tipo de partido. Antes de mais nada, é importante não o associar apenas à figura de um líder, já que todos os partidos – incluindo os “tradicionais” – têm um líder. Por isso mesmo, o diferencial no “partido pessoal” está na convicção de que algum indivíduo deva ter o seu partido, algo para melhor exprimir sua personalidade. Consequentemente, esse partido constitui apenas uma expressão desse tipo de líder, algo que Bobbio destaca ao se referir a Berlusconi. Este não teria “apenas” fundado um partido pessoal; “também faz de tudo para acentuar o caráter pessoal da Força Itália. Prova disso é que exibe sua cara em todos os lugares. Sua cara sempre sorridente, sempre segura de si, o homem abençoado por Deus” (BOBBIO, 2016, p. 100).

A benção divina – uma afronta ao laicismo que tanto caracterizou o pensamento político de Bobbio –, inclusive, já havia sido objeto de reflexão alguns anos antes, em 1996, no texto “Ambra e o ungido do Senhor”. Após salientar a postura dos “fiéis colaboradores” de Berlusconi, “que se levantam e por alguns minutos gritam, aliás invocam: ‘Sílvio, Sílvio’”, Bobbio faz questão de destacar “a novidade absoluta e surpreendente” subjacente à direita italiana: a Força Itália era “o primeiro partido pessoal de massa” (BOBBIO, 2016, p. 65). Mas não só: ao refletir sobre a relação entre Berlusconi e a “personalidade autoritária”, Bobbio considera:

Seu mote preferido é: “Deixem-me fazer, trabalho para vocês”. Por que não conseguiu manter as promessas das quais se serviu para vencer as eleições? Porque não o deixaram trabalhar. Fala sempre em primeira pessoa. Ele guia, os outros seguem” (BOBBIO, 2016, p. 66).

O desenrolar dessa história, como pode-se suspeitar, não é das mais esperançosas. Bobbio não hesita em dizer que a presença desse líder carismático constitui “um fenômeno novo que marca um mal-estar profundo de nossa democracia” (BOBBIO, 2016, p. 102). E pouco tempo depois, em um texto – “O homem tirânico” – publicado em 2001, o filósofo e jurista italiano manifesta seu veredito final: “Berlusconi, no fundo, como o tirano clássico, considera que para ele é lícito o que os mortais comuns sonham. A característica do homem tirânico é acreditar que pode tudo” (BOBBIO, 2016, p. 105).

Veja-se: até aqui foi possível demonstrar como as reflexões de Bobbio acerca da relação entre democracia e partidos políticos ainda é particularmente atual, notadamente em virtude da personalização da política. Mas não seria possível ver na política brasileira atual algumas “afinidades eletivas” com a política italiana que tanto incomodou Bobbio em sua última década de vida? Talvez seja o caso de considerar, com Bovero, a seguinte questão:

Bobbio costumava repetir que a Itália é um laboratório político. Permito-me acrescer: frequentemente, assemelha-se ao laboratório de Frankenstein. Produz monstros perigosos, que às vezes se apresentam com uma aparência agradável, cativante. E já que muitos produtos made in Italy mostraram, em diferentes tempos e em diferentes campos, saber alcançar um bom sucesso mundial, recomendo a todos que continuem a observar atentamente aquilo que o nosso laboratório produz (BOVERO, 2015, p. 44).

Ora, alguns elementos desse laboratório deveras inovador – tais como (i) o facciosismo dos partidos políticos e sua derivação personalista, (ii) uma direita intimamente religiosa que pretende salvar o país da ameaça comunista e (iii) o amálgama entre meios de comunicação e líderes carismáticos – parecem ser comuns tanto à realidade italiana descrita por Bobbio como à realidade brasileira atual. Consequentemente, é a partir deles que uma primeira aproximação acerca das afinidades eletivas entre Berlusconi e Bolsonaro pode ser vislumbrada, cuja breve tematização aqui exposta procura apontar apenas seus traços gerais.

No que se refere à primeira questão, basta pensar nos próprios termos utilizados na imprensa a respeito da Aliança Nacional, apresentada como o novo partido do Bolsonaro após sua saída do PSL em novembro de 2019, uma manifestação típica de particularismo dos partidos pessoais verificável até mesmo no site da organização política. Em “dúvidas frequentes”, à pergunta “o que é a Aliança pelo Brasil” responde-se: “sob a liderança do Presidente Jair Bolsonaro, estamos iniciando a fundação um de um grande e verdadeiro partido conservador”.

Quanto à segunda questão, assim como Berlusconi dizia ser o “ungido do senhor” (BOBBIO, 2016, p. 65), Bolsonaro também está envolto em um discurso religioso, possuindo íntimas relações com o campo evangélico, em especial o novo pentecostalismo. Do mesmo modo, Berlusconi “atribuía-se a tarefa de proteger os valores cristãos ameaçados pelos ‘comunistas ateus’” (BOBBIO, 2016, p. 67), um tipo de raciocínio igualmente presente no Programa da Aliança pelo Brasil. Mais importante ainda, se no governo Bolsonaro há espaço tanto para uma política econômica guiada pela narrativa do antiestatismo, como para uma política cultural crítica da “doutrinação marxista” que caracterizaria a hegemonia dos “comunistas brasileiros”, os mesmíssimos elementos podem ser observados na Itália de Berlusconi. No já mencionado “Um partido subversivo”, publicado em 2001, Bobbio faz a seguinte consideração:

Acredito que a Força Itália tenha uma ideologia. Talvez seja uma ideologia apenas negativa, a ideologia do antiestatismo em contraposição ao estatismo que Berlusconi atribui a toda a esquerda. Uma ideologia antiestatista em nome do mercado que, embora negativa, consegue se difundir, mesmo porque Berlusconi identifica o estatismo com o comunismo e conseguiu convencer que a Itália, que já foi estatista, foi comunista. O que significa que, para libertar a Itália do comunismo, é necessário libertá-la também do estatismo (BOBBIO, 2016, p. 98 – destaque meu).

Por fim, no âmbito da terceira questão também é possível ver certas afinidades, ainda que a distância temporal traga uma complexidade maior. Ora, Bobbio estava absolutamente consciente de que Berlusconi se aproveitava de um verdadeiro império televisivo para alcançar seus fins políticos. Daí o argumento – em “A democracia precária”, de 1995 – de que o monopólio berlusconiano quase total das televisões privadas repugnava os princípios democráticos (BOBBIO, 2016, p. 46). Os motivos disso aparecem de forma mais clara em “Limites entre a política e o poder da TV”, escrito no mesmo ano, momento em que Bobbio associa a “anomalia italiana” à “aguçada incompatibilidade (...) entre a posse desses meios [de comunicação] essenciais para a formação do consenso e o exercício de uma atividade, como a atividade política em um regime democrático, no qual o poder se conquista exclusivamente pelo consenso” (BOBBIO, 2016, p. 50). Assim, não é mera casualidade que Bobbio tenha destacado – no já citado “O dever dos partidos políticos”, de 1996 – “que a personalização da política, fenômeno comum a todos os países, seja favorecida pela televisão, que mostra mais as faces das pessoas que as suas ideias e, frequentemente, pretendendo breves respostas, prefere a tirada à argumentação, é bem notório” (BOBBIO, 2001, p. 125). Por isso mesmo, em outro artigo escrito em 1994 – “Aquela Itália modelo Berlusconi” –, Bobbio não deixa de relacionar a já mencionada “anomalia italiana” com a

videocracia triunfante, ou seja, do triunfo do poder que se exerce não mais somente por meio da lavra falada, que poucos estão dispostos a escutar, ou da escrita, que pouquíssimos têm tempo de imprimir na mente, mas por meio da imagem que entra insistentemente na casa de todos e se fixa na memória (BOBBIO, 2016, p. 19).

Veja-se: a relação entre “meios de comunicação em massa” e “produção de consenso” já era percebida por Bobbio como algo de suma importância na década anterior. Publicado em Estado, governo, sociedade, de 1985, o texto “A grande dicotomia: público / privado” terminava com uma discussão que, naquele contexto, poderia ser chamada de distópica:

Se é verdade que num Estado democrático o público vê o poder mais do que num Estado autocrático, é igualmente verdadeiro que o uso dos computadores (que se amplia e se ampliará cada vez mais) para memorizar os dados pessoais de todos os cidadãos permite e cada vez permitirá mais aos detentores do poder ver o público bem melhor do que nos Estados do passado. Aquilo que o Príncipe novo pode vir a conhecer os próprios sujeitos é incomparavelmente superior ao que podia conhecer de seus súditos até mesmo o monarca mais absolutista do passado (BOBBIO, 2017, p. 38 – destaque meu).

Ora, se esse acúmulo de informação nas mãos dos detentores do poder já constituía um problema para o filósofo e jurista italiano há quase 40 anos – o texto original é de 1981 –, o que pensar sobre a guerra virtual que caracteriza as redes sociais de hoje em dia? Como se sabe, trata-se de uma temática nevrálgica não apenas para o próprio Brasil, mas principalmente para a sobrevivência do governo Bolsonaro, notadamente em virtude da CPI das Fake News, cuja atribuição, dentre outras, é analisar o modo de produção de notícias falsas e seu alcance pelas chamadas “milícias digitais”, algo que vincula poder político, poder econômico e poder cultural com uma intensidade ainda hoje desconhecida.

Longe de ser uma realidade apenas nacional, a palavra (melhor seria dizer “expressão”) fake news foi eleita “a palavra do ano” em 2017 pelo dicionário Collins, e está intimamente associada à investigação em andamento no Congresso Americano pela suposta utilização de targeted advertising (publicidade direcionada), produção de fake news (notícias falsas) e a influencia de Estados estrangeiros na campanha do atual presidente norte-americano Donald Trump em 2016. Como se vê, trata-se aqui de um aprofundamento das questões levantadas por Bobbio no início dos anos 80, suscitando um debate muito mais complexo sobre o atual tipo de articulação entre democracia, representação política e mercado – a relação entre “meios de comunicação”, produção de consenso e iniciativa privada, no dizeres de Bobbio. A utilização lucrativa de artifícios tecnológicos como os da empresa Cambridge Analytica – que recolhe dados das gigantes digitais Google, Facebook e Instagram para traçar um perfil político dos usuários, identificar suas tendências e “pontos fracos” a fim de revender essas informações aos comitês de campanha dos partidos – é seguramente uma antessala dos acontecimentos que ocorreram no Brasil durante a corrida presidencial.

4. A retomada do despotismo: inversão do liberalismo?

As afinidades eletivas apresentadas nos parágrafos anteriores, mesmo que não tenham qualquer ambição exaustiva, ainda assim permitem satisfatoriamente apontar a atualidade de uma fração do pensamento político de Bobbio. Como destacado no início do artigo, não se trata apenas de inferir “o que dizia Norberto Bobbio para a Itália dos anos 70 vale para o Brasil de hoje”, mas de perceber como a análise da Itália dos anos 90 pode constituir uma chave de leitura ainda mais interessante para analisar alguns componentes da degeneração bolsonarista da democracia. No entanto, condizente com o espírito “questionador” de Bobbio, habilmente retratado por Raymundo Faoro no prefácio ao Diário de um século - Autobiografia como um intelectual “semeador de dúvidas”, “o terrível alimentador de dissenso” (BOBBIO, 1997a, p. XIV), me parece oportuno encaminhar a última seção do presente artigo com mais um questionamento: se a atualidade de Bobbio é posta pela fertilidade da análise da degeneração da política pela personalização da política, e se isso significa a retomada do conceito de despotismo, qual seu impacto para a teoria política liberal, em especial para a teoria do Estado moderno?

A referência a um debate particularmente difundido no final dos anos 90 pode ajudar na compreensão desta problemática. De certo modo, uma espécie de prelúdio do que vivenciamos hoje foi apresentada por Bernard Manin com o conceito de “democracia de auditório” (MANIN, 1997, p. 218). Como o próprio autor salienta, esse fenômeno era analisado como fruto da personalização da escolha eleitoral, uma situação que tinha duas causas. Em primeiro lugar, os meios de comunicação política então atuais – TV e rádio – afetavam a natureza da própria relação de representação, estabelecendo uma comunicação direta com o eleitorado sem a mediação do partido político. Consequentemente, manifestava-se uma troca de elites políticas, em que o político tradicional ancorado no partido democrático dava lugar ao domínio do media expert. Em segundo lugar, essa personalização era uma resposta às novas condições a partir das quais o poder era exercido, em que o aumento da complexidade dos problemas – um tema conectado à narrativa da “globalização” – exigia cada vez mais respostas rápidas e circunstanciais (MANIN, 1997, p. 220).

Mais importante ainda, Manin sustenta que essa situação de imprevisibilidade alimentava uma espécie de poder discricionário, algo próximo do poder prerrogativo invocado por Locke, isto é, ao poder de tomar decisões quando não existem determinações prévias que orientem os comportamentos. Nesse contexto, é a confiança pessoal inspirada pelo líder político que emerge como base da própria sociabilidade.

Se Manin acredita que isso não significava o início de um poder irresponsável (MANIN, 1997, p. 221), já que os eleitores continuariam como destinatários do poder último de destituir os representantes, o apurado arcabouço conceitual de Bobbio impedia uma conclusão desse tipo. É justamente a premissa de que a democracia moderna se baseia no governo das leis, e não no governo dos homens, que fez com que Bobbio – já em 1984, no artigo “A democracia do aplauso” – discutisse a legitimidade por aclamação do então secretário geral do Partido Socialista italiano, Benedetto Craxi, vendo nessa atitude não apenas o sufocamento do dissenso, mas a própria emergência de um chefe carismático (BOBBIO, 2006, p. 219). Não por acaso, quase quinze anos depois, diante da Casa das Liberdades – uma coalização criada em 2000 por Berlusconi –, Bobbio convocava os italianos a derrotá-la nas urnas. Por qual motivo?

Direita e esquerda não têm nada a ver: está em jogo a democracia. Berlusconi declarou querer reformar também a primeira parte da Constituição, isto é, os valores fundamentais sobre os quais se apoia a República Italiana. Anunciou uma lei que daria ao Parlamento o poder de estabelecer a cada ano a prioridade dos crimes a perseguir. Tal lei subordinaria o Poder Judiciário ao poder político, abatendo dessa forma um dos pilares do Estado de direito (BOBBIO, 2016, p. 93).

No âmbito do presente artigo, é interessante notar como podem se relacionar democracia (em risco) e despotismo. Igualmente incluído no livro Contra os novos despotismos, no texto “Separação como arte liberal”, de 1994, o filósofo e jurista italiano, em diálogo com Michael Walzer, salienta que o objetivo do liberalismo é prevenir o uso tirânico do poder, isto é, aquele em que se unificam poder político, poder econômico e poder cultural. Por isso mesmo, Bobbio salienta que “a unificação dos três poderes em um só homem ou em um só grupo tem um nome bem conhecido na teoria política. Chama-se, como denominava Montesquieu, despotismo” (BOBBIO, 2016, p. 15 – destaque meu). Mas o aparente simples uso desse termo não traz consequências para as bases conceituais a partir das quais se firmou o próprio pensamento liberal político? Seria mero descuido que a caracterização de Berlusconi como déspota seja substituída por “tirânico clássico” alguns anos depois (BOBBIO, 2016, p. 105)?

Veja-se: a referência a Monstequieu não é acidental, já que nele se encontra a diferenciação entre despotismo, monarquia e república a partir da “distribuição de poderes”, um elemento ausente na primeira forma de governo. Para o autor de O espírito das leis, o despotismo deve ser abordado como uma categoria autônoma, e não como gênero da monarquia, algo que mesmo autores modernos como Maquiavel e Bodin defendiam (BOBBIO, 1997, p. 139). Como se sabe, aqui entra em cena a distinção quanto à natureza e quanto ao princípio que caracterizam o despotismo: no primeiro caso, trata-se do governo de um só, sem freios, “que arrasta tudo e todos”; no segundo caso, trata-se do medo como meio a partir do qual o governo é regido. No entanto, aqui interessa notar a linha de continuidade que conecta a discussão clássica sobre o despotismo – cuja origem remete a Aristóteles – com o tratamento dada ao tema por Montesquieu.

Ao menos dois elementos tradicionais seguem inalterados para o pensador francês: (i) a existência de uma relação servil entre governantes e governados e (ii) a localização histórica e geográfica dessa forma de governo na Ásia (BOBBIO, 2000a, p. 343). Daí o conceito de “despotismo oriental”, cujo protótipo seria o império chinês. Como se sabe, essa “localização” mudou com o tempo. Se em Maquiavel o despotismo passa a ser associado ao Império Otomano, durante o século XIX será a Rússia a detentora do trono (BOBBIO, 2000a, p. 647). De todo modo, é justamente a partir dessa compreensão que se dá uma das dicotomias que caracterizaram o pensamento iluminista: a sociedade ocidental, esclarecida, em que se manifestam tanto repúblicas como monarquias, de um lado, e a sociedade oriental, degradada e arbitrária, típica do despotismo, do outro. Uma distinção que se apresenta nos termos de uma verdadeira antítese, como destaca Bobbio no texto “Grandeza e decadência da ideologia europeia”, publicado em 1986. Mas aqui há uma diferença substancial: diferentemente da tirania, que seria, apesar de ilegítima e temporária, uma manifestação de desvio no interior da civilização europeia, o despotismo foi considerado a forma de governo característica dos povos não-europeus, os bárbaros. Consequentemente,

a oposição entre democracia e despotismo é parte constitutiva, vital, essencial, da visão de mundo, da filosofia da história, através da qual o pensamento europeu buscou, em antítese àquilo que é diferente e negativo, definir positivamente a própria identidade (...). A antítese liberdade-despotismo é um dos temas recorrentes do pensamento político ocidental, a começar por Aristóteles, uma das “grandes dicotomias” na qual se sustenta boa parte da filosofia da história, o principal critério de distinção e de oposição entre o Ocidente e o Oriente (BOBBIO, 2000a, p. 642).

Ora, se o despotismo é o outro do Ocidente, uma externalidade, como explicar sua utilização para caracterizar uma país europeu – a Itália – na passagem do século XX para o século XXI? Veja-se: Bobbio está perfeitamente consciente de que a dicotomia liberdade-despotismo constitui uma interpretação da história demasiado simplista, uma ideologia (BOBBIO, 2000a, p. 650). E mesmo que se procure separar o lado mais ou menos verdadeiro das ideologias, mesmo no que se refere à sua eficácia – “que é afinal o único critério com base no qual uma ideologia deve ser julgada” –, ainda assim seria possível dizer que a ideologia europeia – não só da liberdade, mas do progresso – foi se esgotando pouco a pouco. Segundo Bobbio,

na teoria política contemporânea, o conceito mesmo de Estado despótico perdeu o seu significado originário, e o termo “despotismo” passou a ser cada vez menos usado na linguagem técnica, conservando apenas o seu genérico significado polêmico na linguagem comum. Na linguagem técnica da filosofia e da ciência política, “despotismo” foi substituído por outros termos conceitualmente mais precisos, tais como “Estado totalitário”, “autocracia” etc (BOBBIO, 2000a, p. 650 – destaque meu).

Essa passagem pode estabelecer os critérios de uma primeira resposta à pergunta feita no parágrafo anterior. Uma vez que os textos que compõem os escritos de Bobbio sobre o berlusconismo foram publicados em jornais, seria possível dizer que o termo “despotismo” deve ser entendido ali enquanto manifestação da linguagem comum, em que prevalece o chamado uso “polêmico” do déspota como alguém arbitrário, aquele que corrompe o bom governo, isto é, como sobreposição do termo tirania. Como se vê, a utilização feita por Bovero do termo “autocracia eletiva” como forma de compreender conceitualmente a degeneração da democracia vai ao encontro desse entendimento.

Ainda assim, uma segunda resposta é possível: não é apenas o título do livro – Contra os novos despotismos – que joga a favor do termo aqui analisado. Se no prefácio escrito por Enzo Marzo não há qualquer hesitação em associar Berlusconi a essa forma de governo (BOBBIO, 2016, p. 12) – mais do que isso, Marzo chega a dizer que o berlusconismo, como um pesadelo recorrente, é “um mal que vem de longe, que nos impede de entrar realmente na modernidade” (BOBBIO, 2016, p. 09 – destaque meu) –, no posfácio escrito por Franco Sbarberi pode-se ler que a forma de regime despótico “não foi invocada sem razão” (BOBBIO, 2016, p. 132):

O que de fato se está discutindo há mais de dez anos na Itália não é só o problema da incompatibilidade, no interior das democracias, entre livre mercado e acumulação monopolista dos meios de informação, mas também a insanável contradição entre a posse desses instrumentos, decisivos para a organização do consenso, e o exercício de uma atividade, como a política, que pode se servir disso de maneira indiscriminada para manipular a opinião pública (BOBBIO, 2016, p. 132)

Entenda-se: apesar da possibilidade de compreender o uso do termo despotismo naquele sentido provocativo, genérico, há uma segunda possibilidade de uso desse conceito, em que este se apresenta como algo não apenas atual, mas presente em próprio solo ocidental. Note-se, no entanto, que as consequências desse tipo de raciocínio não são apenas distintas. Mais do que “diferença”, há uma profundidade que inverte os sinais do termo tido como referência. Assim, no primeiro caso – em que despotismo é utilizado de modo polêmico – pode-se analisar a sequência em que a segunda passagem implica uma deterioração momentânea, a degeneração democrática. No segundo caso – em que despotismo é utilizado em seu sentido clássico – na sequência a segunda passagem implica uma negação, uma inversão democrática. É como se no curso do desenvolvimento da modernidade aquilo que era considerado como arcaico e exterior aparecesse agora como seu próprio produto interno. Ou seja, tratar-se-ia de uma espécie de orientalização do ocidente: da separação liberal à unificação despótica, essa inversão dos sinais, por mais impactante que seja para a própria teoria do Estado moderno, ainda assim pode ser conectada ao pensamento de Bobbio.

No que se refere às consequências desse fenômeno, é possível aprender algo com o artigo “A utopia invertida”, publicado em 1989 acerca da “catástrofe do comunismo histórico”. Ao analisar “a inversão total de uma utopia”, Bobbio salienta como esse discurso virado do avesso se manifestava pela exigência – por parte dos países então soviéticos em disputa com a URSS – de reconhecimento daqueles quatro direitos de liberdade da democracia liberal: (i) a liberdade pessoal; (ii) a liberdade de imprensa e de opinião; (iii) a liberdade de reunião e (iv) a liberdade de associação (BOBBIO, 2000a, p. 352). No entanto, Bobbio é particularmente sagaz e percebe que a “conquista da liberdade dos modernos” impunha um desafio ainda maior à democracia:

pensar que a esperança da revolução tenha-se apagado, e tenha terminado apenas porque a utopia comunista faliu, significa fechar os olhos para não ver. As democracias que governam os países mais ricos do mundo são capazes de resolver os problemas que o comunismo não conseguiu resolver? Este é o problema. O comunismo histórico faliu, não discuto. Mas os problemas continuam, exatamente aqueles mesmos problemas, talvez agora e em um futuro próximo, em escala mundial. (...) A democracia venceu o desafio do comunismo histórico, admitamos. Mas com quais meios e com quais ideais pretende enfrentar os mesmos problemas a partir dos quais nasceu o desafio comunista? (BOBBIO, 2000a, p. 353).

Como se vê, esse “problema” para a democracia, intimamente associado à questão da desigualdade e da “sede de justiça” (BOBBIO, 2000a, p. 353), reverbera naquele ideal da filosofia da história tido pelo filósofo e jurista italiano, em 1959, como o mais importante: a igualdade cada vez maior entre os homens que desagua na compreensão da democracia como ideal de igualdade e tarefa da justiça (BOBBIO, 2009, p. 50). Ainda assim, é possível vasculhar o laboratório dos escritos de Bobbio e nele encontrar um segundo tipo de aproximação à temática da inversão despótica acima destacada: não mais a respeito das eventuais consequências desse fenômeno para a democracia, mas à sua explicação, sua gênese, algo que pode encontrar na relação entre “poder oculto” e “duplo Estado” [Der Doppelstaat] um solo particularmente fértil.

Por isso mesmo, não deveria passar despercebida a reflexão presente em “O poder invisível dentro do Estado e contra o Estado”, de 1981, segundo a qual “no Estado despótico, o soberano vê sem ser visto” (BOBBIO, 2015, p. 41 – destaque meu). Observe-se que a questão da invisibilidade está diretamente vinculada ao Estado, e não “apenas” à democracia. Isso é importante pois aqui se manifesta uma criticidade mais profunda: não se trata de relacionar o “poder invisível” somente às promessas não-cumpridas da democracia (BOBBIO, 2000, p. 41), ou às suas três formas – (i) contra o Estado, como a máfia italiana; (ii) para se beneficiar do Estado, como as organizações secretas e (iii) enquanto instituição do Estado, como os serviços secretos (BOBBIO, 2015, p. 32) –, mas de compreendê-lo como um elemento intrínseco ao Estado moderno. Assim, se no despotismo a invisibilidade caracteriza a relação entre quem governa e os que são governados, e se este poder oculto constitui um elemento de todo e qualquer Estado, então adquire especial importância as reflexões feitas por Bobbio acerca do livro de Fraenkel:

A diferença entre o duplo Estado de um governo autocrático e o duplo Estado de um governo democrático reside no fato de que no primeiro o poder político puro não é apenas manifestado mas também exaltado, ao passo que no segundo, quando existe (mas sempre existe), vive sob a forma de poder oculto (BOBBIO, 1974, p. XXIII – destaque meu).

Segundo Bobbio, aqui se manifestam as duas faces do Estado – uma coberta pelo direito, a outra aberta ao exercício do poder puro – “que se encontram em medidas diferentes e em graus diferentes em todo sistema político” (BOBBIO, 1974, p. XXIII – destaque meu). Ora, se a inversão da democracia em despotismo pode ser analisada quanto às suas consequências valendo-se da referida “utopia invertida”, a análise rizomática dessa questão pode ter na ideia de “face” uma chave de leitura particularmente afeita à compreensão do fundo falso do Estado democrático e sua inversão despótica. Como se vê, essas reflexões atestam não apenas a atualidade de Bobbio, mas sua contribuição para o desenvolvimento da teoria das formas do Estado moderno. Se é possível alegar a tese da degeneração da democracia a partir de uma análise da personalização da política, o desenvolvimento desta leva à inversão da tese em antítese, uma temática capaz de alargar consideravelmente o horizonte de pesquisa da filosofia política nos dias atuais.

De todo modo, a situação da democracia é calamitosa. Em seus últimos escritos, Bobbio se perguntou não poucas vezes acerca da extensão do fenômeno berlusconiano, questionando até que ponto ele existiria fora da Itália. Quase duas décadas após seu falecimento, a situação é indubitavelmente pior. Seguindo a sugestiva recomendação de Bovero acerca da exportação dos modelos made in Italy, as afinidades eletivas com o governo Bolsonaro não são as únicas, tendo em Donald Trump – pela própria história pessoal do atual presidente dos EUA – um dos seus principais exemplos. Não por acaso, Sbarberi termina suas reflexões no posfácio de Contra os novos despotismos com a seguinte reflexão:

“o problema que valeria a pena retomar é se a gestão oligárquico-política dos meios de comunicação de massa seria um fenômeno exclusivamente italiano ou expressa, ao contrário, uma tendência internacional em direção às formas despóticas de controle da opinião pública, que se manifestam de maneira impressionante na iminência das eleições ou nos momentos de crise aguda da política externa dos Estados. Falo de despotismo e não de simples populismo para que formas significativas e entrelaçadas de domínio de poderes públicos e privados pareçam indicativas de uma concepção neopatrimonial do Estado” (BOBBIO, 2016, p. 132-133).

Após a “Itália modelo Berlusconi”, em que se unificam e personalizam poder político, poder econômico e poder cultural, a medida do horizonte que permitia vislumbrar um aprofundamento e extensão da democracia certamente se alterou. Resta saber, da parte daqueles que governam, se o ponto de viragem conduzirá à saída tirânica ou à saída despótica e, da parte dos que são governados, qual será a extensão e profundidade da resistência.

5. Conclusão

Procurei demonstrar no presente artigo como o pensamento político de Bobbio ainda pode ser particularmente frutífero para a compreensão da política brasileira, num plano particular, e para a teoria política liberal, num plano geral. Tendo reconstruído e contextualizado os argumentos do filósofo e jurista italiano nos artigos da década de 70 – “A Constituição não tem culpa” e “O dever de sermos pessimistas” – utilizados no artigo “Bolsonaro e o pessimismo da razão”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, demonstrei como o alargamento do horizonte de contribuição da biblioteca bobbiana pode ocorrer incorporando os textos da década de 90 que desaguam na análise do berlusconismo.

Essa retomada de alguns dos principais textos políticos de Bobbio permitiu a discussão de temas como a autocracia, a transformação dos partidos políticos em facções e a personalização da política, um movimento que foi mediado pela apresentação de algumas afinidades eletivas entre a “Itália modelo Berlusconi” e o “Brasil modelo Bolsonaro”. Nesse sentido, destaquei (i) o facciosismo dos partidos políticos e sua derivação personalista, (ii) a existência de uma direita fundamentalista religiosa que pretende salvar o país da pretensa ameaça comunista e (iii) o amálgama entre meios de comunicação e líderes carismáticos como exemplos não exaustivos de uma proximidade a ser aprofundada.

Tendo demonstrado a pertinência do pensamento de Bobbio, sugeri que sua atualidade era acompanhada do ulterior questionamento acerca da relação entre liberalismo e despotismo. Se este último desponta como chave conceitual para a compreensão do ocidente, a depender de seu uso – “polêmico” ou “tradicional” –, duas alternativas aparecem para a construção do diagnóstico da atual situação política: tirania ou despotismo. No primeiro caso, referente à degeneração democrática, a redução do déspota ao tirano parece sugerir uma perda de profundidade teórica, notadamente pela queda em um discurso que apenas aparentemente questiona ideologia do progresso, já que, enquanto desvio momentâneo, a tirania pressupõe um caminho anterior e, por isso mesmo, corre o risco de reduzir a análise do despotismo / tirania a um descarrilhamento da história. No segundo caso, referente à inversão despótica da democracia, as reflexões de Bobbio ainda podem ser particularmente frutíferas. Se no plano das consequências – quais os impactos da inversão? – é de se esperar que a sociabilização moderna aprofunde os problemas a partir dos quais nasceu o “desafio comunista”, no âmbito da análise explicativa – como é possível a inversão? – observa-se na hipótese do fundo falso da democracia uma radicalidade muito maior. Ambas as opções despontam como alicerces para o alargamento do horizonte de pesquisa e prática da esquerda democrática.

*Doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ. Coordenador Científico do Instituto Norberto Bobbio – Cultura, Democracia e Direitos Humanos.

**Artigo originalmente publicado na Polifonia, revista internacional da Academia Paulista de Direito 
(https://apd.org.br/degeneracao-da-democracia-reflexoes-a-partir-de-norberto-bobbio/). 


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