sexta-feira, 10 de julho de 2020

Claudia Safatle - Quem paga pelo aumento do Fundeb?

- Valor Econômico

Cerca de 70% do fundo deve ser usado para pagar salários

A proposta de emenda constitucional que perpetua o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) deve ser votada na próxima semana pela Câmara dos Deputados. A PEC 15/2015, embora apresente avanços na política de financiamento e distribuição de recursos para educação básica, traz sérios riscos fiscais para os três níveis de governo - União, Estados e municípios - e excessiva constitucionalização de temas que bem poderiam compor a legislação ordinária.

Criado com prazo de vigência até dezembro deste ano, o Fundeb tem por finalidade melhor distribuir os recursos da educação básica entre os municípios brasileiros.

A PEC dobra, até 2026, a complementação de verbas da União, que sobe de 10% para 20% do total dos aportes dos Estados e municípios, de forma gradual, a começar com 12,5% no ano que vem.
Uma despesa, hoje, de cerca de R$ 16,4 bilhões cresce para R$ 20,5 bilhões no próximo ano e para R$ 45,4 bilhões em 2026, perfazendo R$ 413,6 bilhões em dez anos.

A proposta da relatora, deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), não define a fonte de receitas que financiará essa nova despesa e desconsidera as mudanças demográficas do país.

A PEC eleva dos 60% atuais para 70% o montante do Fundeb que deve ser destinado a pagamentos de salários dos profissionais da educação. Mas veda a possibilidade de o fundo financiar também o pagamento dos aposentados e pensionistas do setor. Pelas contas feitas no Ministério da Economia, isso vai resultar em aumentos de quase 13% ao ano na folha de pagamentos da educação publica.

Os reajustes concedidos aos professores da ativa elevarão automaticamente a despesa previdenciária, devido a regras de paridade e integralidade. Além disso, o número de professores na ativa tende a diminuir, dado que já está ocorrendo acelerada redução no número de crianças em idade escolar. Entre 2008 e 2018, as matrículas caíram 7,3%.

Com as regras mencionadas, cada vez mais os recursos terão que ser direcionados para reajustes salariais, em uma vinculação que engessa o orçamento e não cuida da eficácia do ensino básico.
O gestor do município estará amarrado a esse gasto e não poderá, eventualmente, direcionar recursos para outros serviços necessários, como a construção de creches.

Ao carimbar a destinação desse dinheiro, produz-se generosidades descabidas tais como os “abonos do fundeb”, pagos no fim do ano aos professores somente para cumprir a regra. Há, ainda, um efeito histerese na medida pois aumentos salariais em momento de elevação das receitas não podem ser revertidos quando há queda de arrecadação. E não faz sentido ter uma lei do piso do magistério e tal vinculação dos recursos do Fundeb.

Um dos aspectos que o governo tentou mudar, mas não teve sucesso, é o da repartição do dinheiro do fundo entre os municípios de tal forma que os cerca de 300 municípios pobres de Estados ricos ficassem mais bem assistidos em detrimento dos 16 municípios ricos de Estados pobres.

O atual critério de distribuição foca a média das receitas dos municípios de cada Estado, não analisando cada um de forma isolada. Segundo cálculos da área econômica do governo, que acompanha a tramitação da PEC, cerca de R$ 5,1 bilhões - praticamente um terço do aporte federal deste ano - serão destinados aos municípios mais ricos, que não precisariam da ajuda.

O Executivo tentou corrigir a distorção e tornar o Fundeb mais redistributivo, mudando os critérios de distribuição da parcela da União. Tentou, também, limitar o aumento da complementação de recursos federais de 10% para 15%.

Assim, a PEC que tramita no Congresso propõe gastar alguns bilhões a mais por ano para alcançar o mesmo resultado, “simplesmente porque opta por conservar regra geradora de distorções já mapeadas”, assinalou uma fonte que acompanha a tramitação da proposta.
O aumento do percentual da complementação da União será redistribuído conforme critérios mais equânimes, mas não a sua totalidade.

A proposta de emenda constitucionaliza o custo aluno qualidade (CAQ) previsto no Plano Nacional de Educação, para garantir o “padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira” aos Estados e municípios.

O texto da relatora coloca na Constituição o custo aluno qualidade, o que também embute alto risco fiscal assim que o conceito for regulamentado.

A proposta constitucionaliza, ainda, a aplicação na educação pública de parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, incluídos os recursos do Fundo Social do pré-sal. E veda a aplicação dos recursos vinculados à Manutenção do Desenvolvimento do Ensino (MDE) e do Salário-Educação para pagamento de aposentadorias e pensões de profissionais da área. Não há, no projeto, uma definição sobre quem deve arcar com essa despesa.

A PEC ignora as mudanças na estrutura demográfica do país e prevê uma única revisão no sexto ano e não revisões periódicas. Cria um piso constitucional para programas como o de alimentação escolar e o de livro didático, restringindo aperfeiçoamentos e realocação de recursos. Enrijece o orçamento público, e justamente sobre uma despesa que vem diminuindo, dada a redução do número de alunos.

Em relação à sustentabilidade fiscal dos entes da federação, a proposta peca em ao menos três aspectos: 1) forte aumento de receitas do Fundeb sem a definição de quem paga; 2) vinculação de 70% dos recursos do Fundeb para pagamento de pessoal na área de educação; e 3) vedação expressa do uso desses recursos para pagamento de aposentadorias e pensões.

Não se questiona, aqui, a importância da educação básica para o país onde milhares de jovens e trabalhadores são analfabetos funcionais. Cabe, porém, ao Congresso Nacional a responsabilidade de promover avanços no tema sem prejudicar a já por demais frágil situação das finanças públicas do país. E isso requer mais do que boas intenções.

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