quinta-feira, 9 de julho de 2020

Com apoio de estímulos, varejo ressuscita as vendas – Editorial | Valor Econômico

A reação inicial das atividades, em especial do comércio, indica que o tecido econômico pode não ter se dilacerado tanto quanto se temia

O varejo deu um salto em maio, após o feio tombo de abril. Escorado por medidas de apoio à renda e ao crédito, o comércio cresceu 13,9% em relação ao mês anterior no sentido restrito e 19,6% no amplo (inclui veículos, motos e material de construção), atingindo todos os ramos. A reação da indústria, que cresceu 7% no mesmo mês, deixou de fora três Estados. O resultado do varejo foi muito mais forte que o esperado, mas sua continuidade dependerá da renda dos consumidores, após o fim dos auxílios e benefícios de emergência. O comércio, praticamente parado antes, consumiu estoques, o que poderia puxar o desempenho da indústria mais à frente, se os índices continuarem positivos.

Com graus diversos de reabertura, após o isolamento social forte de abril, o impacto negativo da covid-19 nos negócios foi menor. O número de empresas varejistas que assinalaram a pandemia como restrição recuou praticamente ao nível de março - 43,4% da amostra do IBGE- após ter subido a 63,1% em abril.

O índice de difusão do crescimento, segundo o IBGE, foi semelhante ao observado em dezembro de 2019 para o varejo restrito e ao de outubro do ano passado, para o ampliado. O IBGE mediu também o impacto das justificativas das empresas para a queda do varejo em relação ao mesmo mês de 2019. A pandemia motivou 6,6 pontos percentuais da queda de 7,2% do comércio restrito em relação a maio do ano passado, e de 5,8 pontos percentuais dos -14,9% do comércio ampliado.

O apoio à renda e ao crédito, com repactuações de dívidas que protelaram desembolsos imediatos, impulsionou o consumo dos típicos bens de salário, que apresentaram as maiores altas. Tecidos, vestuário e calçados, que registraram quedas abissais de 42,2% em março e 69% em abril (em relação ao mesmo mês de 2019), tiveram aumento de vendas de 100%. Móveis e eletrodomésticos avançaram 47,5%. Na mesma base de comparação, a venda de veículos avançou 51,7% e 22,2% na de materiais de construção.

Dessa forma, com todo o estrago causado pela pandemia, com números superlativos na queda e na retomada, o comércio varejista recuou 0,6% no ano e cresceu 2,7% em doze meses até maio. Hipermercados, supermercados, alimentos e bebidas avançaram 11% no ano e 7,5% no ano. Esses segmentos foram os menos atingidos, ao lado (com menos vigor) do de artigos farmacêuticos e perfumaria. O varejo ampliado ainda mostra recuo de 5,4% no ano e avanço de 1,4% em doze meses.

As medidas de proteção social tiveram um impacto decisivo no resultado, embora tenham prazo para acabar. No caso dos que perderam o emprego na pandemia, uma injeção de recursos de R$ 52 bilhões durante três meses correspondeu a três vezes mais que a liberação dos saques do FGTS no governo Temer e cerca de 4,5 vezes os permitidos já no governo Bolsonaro.

Ou foi 35% maior que ambos somados. A grosso modo, incluindo o benefício emergencial para os que tiveram contrato de trabalho suspenso ou jornada reduzida, a rede de apoio oficial bancou mais de 25% da folha salarial total mensal do setor privado no último trimestre. A maior parte do dinheiro foi para os mais pobres, que gastam o que recebem.

O apoio ao crédito e à liquidez teve peso mais relevante, como esperado, para as empresas do que para as pessoas físicas. Ainda assim, um contingente razoável de consumidores não tiveram que pagar dívidas e se descapitalizar em um momento agudo da crise. Mas as repactuações com os bancos foram na maioria voltadas às pessoas físicas (58% do total de R$ 702,4 bilhões em valor das operações prorrogadas), segundo apresentação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, feita ontem. Entre novas contratações e renovações de crédito, as pessoas físicas tomaram mais R$ 210 bilhões.

Os estímulos - da ajuda a Estados e municípios à redução de compulsórios bancários e rede de proteção - somam 7,3% do PIB, segundo o BC, algo acima dos 6,8% do PIB da média dos emergentes. Pelos resultados, foi dinheiro bem gasto, na hora certa, mas será retirado da economia em breve. A reação inicial das atividades, em especial do comércio, indica que o tecido econômico pode não ter se dilacerado tanto quanto se temia. Um julgamento definitivo será possível quando os estímulos cessarem. Os números estarrecedores do desemprego aparecerão com toda a força, em um ambiente em que o coronavírus ainda estará à espreita. Já será um grande alívio se o PIB não cair os 6,5% previstos.

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