quinta-feira, 9 de julho de 2020

Custoso desgoverno – Editorial | Folha de S. Paulo

Desastres na saúde e no ambiente não serão camuflados com propaganda

Abraçados pelo governo Jair Bolsonaro em nome de alegados interesses econômicos, o boicote às ações antipandemia e o desmonte da política ambiental revelam-se ameaças crescentes para setores produtivos do país.

Uma área particularmente sensível no atual cenário é a das exportações. Tome-se o exemplo da carne: em alerta após detectar um novo foco de Covid-19 perto de Pequim, a China decidiu redobrar o monitoramento de empresas estrangeiras das quais compra o produto.

Com isso, suspendeu as importações de algumas unidades de frigoríficos brasileiros, depois de notícias sobre a contaminação de trabalhadores pelo Sars-CoV-2.

Outra questão que assombra os negócios do Brasil pode infectar uma enormidade de atividades —o desmatamento da Amazônia.

Na segunda-feira (6), líderes de 36 companhias, nacionais e estrangeiras, e de quatro organizações empresariais encaminharam ao vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal, uma carta na qual pedem providências duras e imediatas em defesa da região.

No documento, o grupo diz estar preocupado com o impacto econômico da “percepção negativa” que se formou a respeito do país no exterior “em relação às questões socioambientais”, capaz de afetar “o desenvolvimento de projetos”.

O manifesto vem no rastro de uma outra carta, enviada para as embaixadas brasileiras de oito nações, em que investidores internacionais demonstravam inquietação com o desmantelamento de políticas voltadas ao ambiente.

Durante reunião virtual do Mercosul na semana passada, Bolsonaro declarou que irá desfazer “opiniões distorcidas” sobre o Brasil.

Em junho, a Secom, responsável pela publicidade da Presidência, reivindicou a liberação de R$ 325 milhões —mais que o dobro do previsto no Orçamento deste ano— para, a pretexto da eclosão da epidemia, “promover a comunicação” do Executivo com a sociedade.

A intenção, na realidade, é tentar recompor as destroçadas imagens do governo e do país, cujo preço seguirá sendo cada vez mais elevado para a economia.

Ainda que surja o dinheiro, contudo, trata-se de iniciativa fadada ao fracasso. Se a comunicação constitui de fato mais uma entre tantas áreas deficientes da administração federal, não é isso que explica o vexame global de Bolsonaro.

Salvo quando se lida com militantes e correntes ideológicas, inexiste propaganda capaz de camuflar desastres fartamente documentados em números. Só novas políticas poderiam reverter a deterioração do prestígio brasileiro.

Há menos de um mês 29 pesos-pesados globais enviaram uma carta aberta a embaixadas brasileiras na Europa e nos Estados Unidos, com o alerta de que se a destruição não for estancada o país terá dificuldades com boicotes a exportações de alimentos e também na venda de títulos no mercado financeiro internacional. Os grupos, que atuam no agronegócio, controlam ativos de US$ 3,7 trilhões. Têm muito a perder com a irresponsabilidade ambiental.

Nenhum comentário:

Postar um comentário