sexta-feira, 10 de julho de 2020

Luiz Carlos Azedo - O exemplo de Rondon

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental”

Há muito tempo, a política para a Amazônia deixou de ser um assunto de segurança nacional. Se tivéssemos que traçar uma linha divisória, do ponto de vista histórico, quem sacou a mudança foi o ex-presidente José Sarney, ao criar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 1989. A criação do Ministério do Meio Ambiente veio depois, no governo Collor de Mello, em 1992, no rastro da Conferência Rio-92. Desde então, o Brasil passou a ser uma referência em termos de construção de uma política ambiental, apesar de todos os problemas nossos. Vem daí a ajuda internacional que recebíamos para preservar a biodiversidade da Amazônia, até Jair Bolsonaro assumir a Presidência e nomear Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente. Pôs tudo a perder. Agora, corre atrás do prejuízo, porque os investidores deram um basta à política de desmonte do Ibama e devastação da Amazônia. O conceito de sustentabilidade passou a ser parte integrante das cadeias de comércio global e a preservação da Amazônia, um problema de sobrevivência da humanidade.

Nem todos concordam com isso, é claro. Terraplanistas, negacionistas e reacionários existem no mundo inteiro, porém, nenhum deles tem o poder destruidor da Amazônia do ministro Ricardo Salles, com suas boiadas, como revelou na reunião ministerial de 22 de abril. Falou para agradar Bolsonaro, mas a divulgação dos vídeos desnudou a loucura de nossa atual gestão ambiental. O Brasil foi um dos grandes artífices das principais convenções internacionais de meio ambiente, que tratam de mudanças climáticas, diversidade biológica e desertificação, e do Acordo de Paris (2015). O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental, apesar de a legislação existente no país servir de referência para políticas de sustentabilidade no mundo todo: Lei das Águas (1997), Lei dos Crimes Ambientais (1998), Política Nacional de Educação Ambiental (1999), Sistema Nacional de Unidades de Conservação(2000) e Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006).

A declarada intenção de burlar e desmontar essa legislação provocou uma forte reação de governos, investidores e personalidades de todo o mundo. O governo se viu obrigado a dar demonstrações de que vai mudar de postura em relação à Amazônia, o que resultou na reunião de ontem do vice-presidente Hamilton Mourão, que preside a Comissão da Amazônia, com investidores estrangeiros. O governo foi duramente cobrado. Ao lado do chanceler Ernesto Araújo, cuja gestão à frente do Itamaraty envergonha a diplomacia brasileira, e do próprio Ricardo Salles, Mourão anunciou a intenção de aumentar a fiscalização e proibir as queimadas na Amazônia Legal. No ano passado, a primeira grande crise do governo foi provocada pelo avanço do desmatamento e pelas queimadas na Amazônia. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro protagonizou um bate-boca com o presidente francês, Emmanuel Macron, no qual se destacou pelas grosserias contra a primeira-dama francesa.

Campanha mundial
Agora, estamos diante de uma nova crise, por causa da pandemia de coronavírus, que chegou às aldeias indígenas. As dimensões das reservas indígenas sempre foram muito contestada pelos militares que cercam o presidente Jair Bolsonaro, com destaque para o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que foi comandante militar da Amazônia. Entretanto, os estudos ambientais e as fotografias dos satélites mostram que os índios, com suas reservas, são os verdadeiros protetores da floresta. Mesmo do ponto de vista militar, o Exército não teria a menor possibilidade de êxito em suas tarefas sem a incorporação dos índios às tropas que guarnecem nossas fronteiras.

Acontece que o mundo está de olho na sobrevivência de nossos índios, principalmente das etnias ameaçadas de extinção. O premiado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado lidera uma campanha internacional em sua defesa. Mineiro de Aimorés, ocupa a cadeira nº 1 da Academia de Belas Artes da França e mobiliza artistas, intelectuais e personalidades de todo o mundo. Bolsonaro não tem a dimensão do tamanho do problema que criou, inclusive para o agronegócio brasileiro, que deixou de ser o grande vilão, porque a moderna agricultura não precisa derrubar as florestas.

O arquétipo do herói de Bolsonaro na Amazônia é o ex-deputado e major reformado do Exército Sebastião Curió Rodrigues, que atuou como agente de informações na campanha contra a Guerrilha do Araguaia (PCdoB) e, depois, como coordenador do garimpo de Serra Pelada. Quão distante é do papel histórico do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), que realizou uma saga sem paralelo nos sertões do Centro-Oeste e do Norte do país, instalando linhas telegráficas ao longo de 1.650km de cerrado e 1.980km de florestas amazônicas.

“Matar nunca, morrer se preciso for”, foi o lema que adotou para proteger os índios Bororo, Botocudo, Kaingang, Xokleng, Nambikuára, Xavante e Umotina (foto do Museu do Índio) ao implantar a ligação telegráfica entre Brasil, Paraguai e Bolívia nos sertões de Goiás, Mato Grosso, Amazonas e Acre. Criador do Serviço de Proteção ao Índio, que deu origem à Funai, guiou o ex-presidente americano Theodore Roosevelt em sua expedição pelo Amazonas. De 1927 a 1930, inspecionou a fronteira brasileira desde as Guianas à Argentina. Em 1938, promoveu a paz entre Colômbia e Peru. O Parque Indígena do Xingu e o antigo Museu Nacional do Índio foram ideias suas. Não por acaso, o Congresso Nacional deu o nome de Rondônia ao território do Guaporé e lhe concedeu a patente de marechal.

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