terça-feira, 21 de julho de 2020

Míriam Leitão - A educação no meio do conflito

- O Globo

Depois de um dia de intensa negociação, o governo teve que ceder da proposta do Ministério da Economia. O novo Fundeb de ser votado hoje

O dia de ontem foi de fortes emoções para quem acompanha o debate da educação brasileira. Na reunião de líderes, pela manhã, o deputado Arthur Lira (PP-AL) levou recado do governo, queria adiar a votação da PEC do novo Fundeb. O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) recusou e manteve o início da discussão com votação marcada para hoje. De tarde, no meio do debate em plenário, veio o pedido do Planalto para uma conversa. Suspensa a discussão. O ministro Luiz Eduardo Ramos, às 17h, estava na sala de Rodrigo Maia e a relatora, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), foi chamada. Pouco depois das 18h, o governo cedeu e finalmente houve acordo. Mas por que toda essa aflição? Porque o executivo chegou na última hora na conversa e com uma proposta inaceitável.

A primeira ideia apresentada pelo Ministério da Economia, no fim da semana passada, era estranha pelo conteúdo, pela forma e pela hora. Era a reta final da negociação que começou em 2015. O Congresso quis discutir com tempo para evitar exatamente o atropelo, porque no final de 2020 o fundo expira. E ele é importante demais para a educação em milhares de municípios.

O Congresso passou o dia de ontem negociando. No acordo, os parlamentares aceitaram fazer pequenos ajustes e, no texto final, dar destaque à importância da educação infantil, o que já seria mesmo feito. De noite, a torcida era para que não houvesse novos sustos.

A proposta que o Congresso construiu — e que o Ministério da Economia tentou atropelar — foi resultado de uma lenta costura entre todas as correntes políticas. A imprensa acompanhou, os especialistas explicaram. Em 2018, a intervenção no Rio paralisou a tramitação de todas as emendas constitucionais. Em 2019, com o governo novo esperava-se algum interesse. Mas o Ministério da Educação se recusou a participar. O Ministério da Economia avisou que era inaceitável a ideia do Congresso que, naquela época, era de aumentar de 10% para 40% a participação da União. A elevação ficou então de 10% para 20%. E escalonada. Mas o governo seguiu ausente das discussões. Ontem negociava-se um pequeno aumento nesse percentual.

Em janeiro deste ano, o então ministro Abraham Weintraub, em entrevista, anunciou que o governo preparava um projeto inteiramente novo. A PEC estava para ser votada. Causou a maior confusão, e ele nunca mandou a tal proposta. Agora, de novo, em cima da hora de votar, o Ministério da Economia apresentou a ideia de tirar 5 pontos percentuais da elevação da participação do governo. Esse dinheiro iria para um programa de ajuda a famílias pobres com crianças em idade pré-escolar, através de um auxílio-creche.

É um erro técnico de gestão de contas públicas tirar dinheiro de um fundo de educação para um programa de transferência de renda. O Ministério da Economia faz isso porque o dinheiro do Fundeb não entra na conta do teto de gastos. A proposta era ruim, desrespeitava o processo legislativo e embutia um absurdo: não haveria Fundeb em 2021.

O fundo nasceu no governo Fernando Henrique como Fundef. A engenharia fiscal era de que todos os entes federados contribuíssem para uma distribuição melhor dos recursos de financiamento da educação. No governo Lula, foi ampliado para incluir o ensino médio e virou Fundeb.

O governo Bolsonaro quis fazer um gol de mão e depois do tempo regulamentar. Tirar parte do dinheiro que ele terá que colocar a mais no Fundeb e levar para um projeto com o qual pretende substituir o Bolsa Família. Projeto que ele ainda nem formulou. Alguns economistas acham que o Brasil precisa gerir melhor os gastos com educação e não aumentar os recursos. A educação precisa de mais recursos e melhor gestão. E também é preciso que haja um Ministério da Educação, o que neste governo nunca houve até agora. Tomara que o ministro Milton Ribeiro se recupere logo da Covid-19 e tenha uma atitude diferente dos seus antecessores.

O ano que vem será difícil. É o pós-pandemia. Mais do que nunca o Fundeb será necessário para compensar a queda de arrecadação, para as obras nas escolas, para recuperar a educação dos mais pobres e dos municípios mais pobres do país. Será fundamental o entendimento entre os entes federados para o investimento na educação das crianças e jovens do Brasil. O novo Fundeb será um passo importante na direção certa.

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