quarta-feira, 22 de julho de 2020

Míriam Leitão - Minirreforma pode aumentar a carga

- O Globo

Depois de um ano e meio, o governo manda uma reforma que só une dois impostos. Projeto simplifica, mas pode elevar a carga tributária

O governo chegou atrasado com a sua proposta, e ela inclui apenas uma parcela dos impostos sobre consumo. Aliás, só dois tributos. Não incluiu sequer o IPI para não ter que encarar os vespeiros da Zona Franca de Manaus e de outros subsídios. A despeito disso, o passo foi na direção certa. A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) moderniza e simplifica os velhos PIS e Cofins e começa a formatar um IVA. A proposta da Câmara dos Deputados incide sobre impostos que recolhem 12% do PIB, a do governo federal, em 4% do PIB.

A grande dúvida em relação à minirreforma que o governo apresentou ontem foi por que fazer uma proposta tão pouco abrangente se agora já há interesse do Congresso e dos estados de fazer algo mais amplo? Por que ela é intencionalmente restrita? Os secretários de Fazenda dos estados já se manifestaram em conjunto a favor de que a reforma, como tem sido estudada na Câmara e no Senado, incluísse o ICMS. Há divergência em relação ao ISS das grandes cidades, mas nada que não possa ser negociado.

A explicação do ministro Paulo Guedes de que queria respeitar a autonomia dos estados e municípios não faz muito sentido, porque uma reforma tributária tem que ser coordenada pela União. O fato é que há um ano e meio a Câmara discute na PEC 45 a proposta de união de cinco a seis impostos — se incluir a Cide — o Senado fala em unir sete impostos, e o governo ontem, depois de um ano de promessas, apresentou a unificação de dois apenas.

O economista Bernard Appy, que inspirou a PEC 45, teme o aumento da alíquota. Aliás, outros tributaristas ouvidos também estão com a mesma convicção de que os 12% aumentam a carga.

— A proposta certamente melhora bem a legislação do PIS-Cofins, aproximando-o de um bom IVA, mas mantém muitas exceções que acabam resultando numa alíquota mais alta do CBS — diz Appy.

E ele lista algumas dessas isenções: na venda de imóveis residenciais, o tratamento dado à Zona Franca, manutenção do crédito presumido para produtos agropecuários, nenhuma restrição no caso de aquisição de bens e serviços de uso pessoal dos sócios das empresas.

— Mesmo com as exceções previstas, a alíquota ainda está muito elevada, havendo um risco relevante de aumento da carga — diz Appy.

O secretário da Receita, José Tostes, disse que a cobrança é “por fora”, ou seja, incide no produto sem imposto, o que no cálculo dele seria o equivalente ao que é pago pelas empresas de lucro real, 9,25%. Além disso, incide sobre a receita bruta e não sobre a receita total.

Na entrevista de ontem, tanto o secretário da Receita quanto a assessora especial Vanessa Canado fizeram elogios ao IVA, o modelo de imposto de valor adicionado. Na semana passada, Guedes em entrevista disse que é um imposto dos anos 50. Segundo Vanessa, hoje é adotado em mais de 160 países.

A proposta avança sobre as plataformas digitais de vendas, que serão obrigadas a recolher o tributo quando os vendedores deixarem de emitir nota fiscal. Isso pode criar custos adicionais para as plataformas, mas essa é uma discussão que tem sido travada em todo o mundo e ficou ainda mais intensa com o aumento do comércio eletrônico durante a pandemia, explicou o Ministério da Economia. Vanessa Canado disse que as pessoas jurídicas já são obrigadas e emitir nota e no caso das pessoas físicas há regimes diferenciados que facilitam a formalização do negócio.

— Hoje temos muitos regimes simplificados que as pessoas físicas podem aderir. Tem o MEI, o Simples, o lucro presumido. Acho que não haverá qualquer complexidade nem para o consumidor nem para as plataformas — disse Vanessa.

Tostes explicou que o governo enviará mais três etapas da reforma. A próxima será o IPI. Não existe explicação razoável para depois de um ano e meio falando do assunto não tenha já isso pronto. Na Câmara e no Senado há mais ousadia nos projetos que o governo sempre desdenhou.

Contudo, o CBS vem por projeto de lei, é mais fácil de aprovar e começa a valer em seis meses. O governo promete ainda mudar tributos sobre empresas, pessoas físicas, taxar dividendos e propor uma desoneração da folha. A reforma será em capítulos. Mas ontem mesmo o senador Davi Alcolumbre falou em reativar a Comissão Mista que tentará unificar as propostas. Na Câmara, o assunto já tinha sido reativado pelo deputado Rodrigo Maia.

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