segunda-feira, 13 de julho de 2020

Sergio Lamucci - O difícil equilíbrio da política fiscal

- Valor Econômico

Dívida elevada e economia anêmica complicam cenário

A condução da política fiscal terá grandes desafios já neste semestre, mas especialmente no ano que vem. O país deve terminar 2020 com uma dívida bruta na casa de 95% do PIB, o que aponta para a necessidade de retomada do ajuste das contas públicas. Ao mesmo tempo, uma contração fiscal muito forte pode ter consequências negativas para a economia, num cenário em que ainda não se sabe como famílias e empresas reagirão no pós-pandemia.

Se o governo não indicar um caminho crível de consolidação das contas públicas, as expectativas sobre a trajetória fiscal podem se deteriorar, elevando o risco país e os juros futuros. Com isso, a manutenção da Selic em níveis baixos por um longo período pode entrar em xeque. No entanto, um ajuste fiscal muito abrupto pode minar a recuperação da economia, o que seria péssimo para o mercado de trabalho e para a própria dinâmica da dívida pública.

Em post publicado na semana passada no blog do Fundo Monetário Internacional (FMI), o diretor do departamento de Assuntos Fiscais, Vitor Gaspar, e a economista-chefe da instituição, Gita Gopinath, afirmam que a política fiscal terá que continuar a ser flexível e a apoiar a economia até que uma saída segura e duradoura da crise esteja assegurada. “Embora a trajetória da dívida pública possa subir adicionalmente num cenário adverso, uma retração fiscal prematura representa um risco ainda maior de tirar a recuperação dos trilhos, com maiores custos fiscais futuros”, escrevem os economistas do FMI.

A necessidade de manter o apoio fiscal é clara, mas a questão é como os países podem financiá-lo sem que a dívida se torne insustentável, apontam Gaspar e Gita. Eles observam que a expectativa de que o custo de empréstimo dos governos permaneça baixo por um longo tempo ajuda nessa tarefa, mas dizem cautela é aconselhável. Há uma grande diversidade de níveis de endividamento e de capacidade de financiamento entre os países, lembram eles.

A dívida bruta brasileira vai subir quase 20 pontos percentuais neste ano, para cerca de 95% do PIB, em função das medidas de combate à doença e da perda de receita. Já o endividamento médio dos emergentes em 2020 deve ficar em 63% do PIB, estima o FMI. Esses números sugerem que o Brasil tem pouquíssimo espaço de manobra fiscal. Ao mesmo tempo, um tranco exagerado na política fiscal pode prejudicar a recuperação pós-pandemia. Como vai se comportar o consumidor depois do fim do auxílio emergencial e com uma situação difícil no mercado de trabalho? Ainda que o governo implemente neste ano um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família, ele deve ter uma dimensão menor que o atual benefício. O valor tende a ser mais baixo que os atuais R$ 600, e concentrado numa fatia menor da população.

Também é difícil acreditar numa recuperação rápida do investimento privado. As empresas têm enorme capacidade ociosa e o nível de incerteza deve seguir elevado. Há o risco de uma reaceleração dos casos e mortes pela covid-19 e o governo de Jair Bolsonaro é uma grande fonte de instabilidade.

Em relatório do J.P. Morgan da semana passada, intitulado “Desta vez é diferente”, os economistas Nora Szentivanyi e Jahangir Aziz dizem que, nesta crise, é mais provável os emergentes melhorarem a dinâmica de médio prazo da dívida dando apoio ao crescimento do que por meio de uma rápida consolidação fiscal. Diferentemente de outras crises que costumam atingir esses países, a turbulência atual não foi causada por estímulo à demanda e superaquecimento, segundo eles.

Com isso, restaurar a confiança dos investidores com medidas como um forte ajuste fiscal e corrigir excessos passados pela reestruturação de balanços não seriam “precondições para a retomada”. Apertar as contas públicas para lidar com temores de instabilidade pode ser um tiro pela culatra se prejudicar o crescimento de médio prazo, dizem os economistas. No relatório, os dois fazem cinco simulações para a trajetória da dívida de 22 países emergentes, entre eles o Brasil.

Segundo o exercício, o baixo crescimento leva a dívida a subir muito mais do que déficits fiscais elevados. Na simulação em que o rombo primário (exclui gastos com juros) é maior do que o previamente estimado em 3 pontos percentuais do PIB em 2020, 2 pontos em 2021 e 1 ponto em 2022, a dívida brasileira fica 2,9 pontos do PIB maior do que no cenário-base para o indicador, em que atinge 99% do PIB em 2029. Na hipótese de um crescimento nominal do PIB 2 pontos percentuais abaixo do projetado de 2022 em diante, o endividamento bruto do Brasil ficaria 17,4 pontos maior.

O exercício tem limitações, obviamente, considerando as mesmas hipóteses para todos os países. Além disso, um quadro fiscal pior pode implicar em menor crescimento, se isso levar a um aumento dos juros e a uma forte desvalorização do câmbio.

A novidade do relatório é menos apontar para os riscos de uma consolidação fiscal muito rápida, uma vez que diversos economistas advertem para esse risco. O incomum é um estudo de um grande banco alertar para os potenciais problemas de um ajuste muito severo em países emergentes. Esse tipo de percepção pode indicar que uma consolidação fiscal mais gradual tem chance de ser recebida sem grande desconforto pelos investidores.

O difícil é como chegar a esse equilíbrio. Os economistas do J.P. Morgan afirmam que, como boa parte da deterioração fiscal ainda está por vir, manter a calma dos mercados requer das autoridades dos países emergentes o compromisso com uma âncora fiscal crível de médio prazo e com a volta aos arranjos de política fiscal e monetária anteriores à crise.

Em 2021, há uma possibilidade considerável de rompimento do teto de gastos. As despesas da União poderão subir apenas R$ 31 bilhões, pelo critério de correção que segue a inflação em 12 meses até junho do ano anterior. Para que o limite seja respeitado, será preciso cortar muito as despesas discricionárias, como investimentos e as de custeio da máquina pública, que já estão no talo. Isso tende aumentar a pressão para alguma flexibilização do teto.

O momento é delicado para a mudança, porque o mecanismo ancora as expectativas fiscais de longo prazo, ainda que tenha problemas. Mas um aumento tão modesto das despesas em 2021 pode levar a mudanças. Se elas ocorrerem, é fundamental que haja regras rigorosas para conter gastos como salários dos servidores, já previstos nos gatilhos caso o teto seja rompido. Isso indicaria o compromisso fiscal, ao mesmo tempo em que se permitiria um ajuste mais gradual, o que pode ser desejável em resposta a uma crise tão complexa.

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