segunda-feira, 27 de julho de 2020

Um teto para a elevada carga tributária brasileira – Editorial | Valor Econômico

A ideia poderia ancorar expectativas, tal como fez o teto para as despesas do governo

Tal como foi feito com as despesas do governo federal, seria importante fixar um teto para a carga tributária brasileira. As discussões no Congresso sobre medidas para enfrentar o aumento do desemprego e da pobreza produzidos pela pandemia vão exigir mais recursos públicos. Para viabilizá-los, há três soluções possíveis: aumentar o endividamento, cobrar mais impostos ou cortar outros gastos.

Com as medidas já contratadas para enfrentar os efeitos da crise, a dívida bruta se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. O rombo das contas federais alcança a casa dos R$ 800 bilhões. Persistir nessa linha é desastre certo.

A elevação da carga tributária é, portanto, um temor legítimo no “novo normal” que se estabeleceu na crise do coronavírus. O impacto econômico sobre famílias e empresas deu força à formulação de programas de assistência aos mais pobres, às crianças, aos desempregados, às microempresas. Debates como a expansão do Fundeb e a ameaça de derrubar o veto ao fim da desoneração da folha salarial são demonstrações da tendência no Congresso.

Elevar a carga tributária para fazer frente a novas despesas tem sido a solução preferencial nas últimas décadas. Tanto que os brasileiros suportam hoje uma carga de 33,1% do PIB, no dado de 2018. É um nível próximo da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 34,2%, mas bem acima de países como a Austrália (28,5%), Estados Unidos (24,3%), Chile (21,1%) e México (16,1%).

Na semana que passou, o governo enviou ao Congresso a primeira parte de sua proposta de reforma tributária, com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), resultado da reforma do PIS/Cofins.

A forma como a alíquota de 12% foi calculada, uma conta de chegada para mantê-la com o mesmo desempenho arrecadatório do PIS/Cofins, deixou muita gente com a pulga atrás da orelha. Mostrou que a calibragem desse tributo pode, no futuro, ser usada para fechar outros buracos nas contas fiscais.

O atual governo, porém, estabeleceu como diretriz que não haverá aumento de carga tributária. Isso já pauta as discussões da equipe econômica.

No entanto, está em consideração dar um passo a mais, segundo informou a este jornal o secretário especial de Receita, José Barroso Tostes Neto. O limite à carga poderia ser institucionalizado, num formato que ainda está em estudo. Uma hipótese é colocar um comando na lei, ou na Constituição.

A inédita fixação de um teto para a carga tributária poderia ancorar expectativas, tal como fez o teto para as despesas do governo. E daria força à terceira opção: atender às novas demandas sociais com remanejamento de recursos. É o que está sendo analisado, por exemplo, para a formação do Renda Brasil.

Essa é uma via difícil, politizada, cheia de tabus e evitada desde a década de 1990. Mas, no tabuleiro montado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, vai sobrando como a saída possível. Os dois tetos, o dos gastos e o da carga, forçariam o debate nessa direção.

A limitação da carga tributária também atenderia, com alguma boa vontade interpretativa, a uma determinação do presidente Jair Bolsonaro, de não criar novos impostos.

Guedes quer insistir na Contribuição sobre Pagamentos (CP), uma versão turbinada da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). Mas, como tem argumentado nos bastidores, essa seria uma contrapartida à desoneração da folha, cuja tributação é perversa e onerosa à criação de empregos. Não traria receita adicional, e sim uma substituição.

A desoneração da folha é o meio pelo qual o governo poderá superar as resistências do setor de serviços à criação da CBS. A proposta será complementada com reformas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda.

O Congresso, porém, vai analisar as iniciativas do governo junto com outras duas propostas de emenda à Constituição (PECs) de reforma tributária. Criação da CP, desoneração da folha, programa de renda mínima, pacto federativo e o Orçamento de 2021 vão acabar se emaranhando em algum momento com esse debate. E o encontro com as urnas está logo ali, com as eleições municipais.

Com tudo isso, será sorte se o cidadão brasileiro não tiver de pagar uma conta adicional. Colocar um limite formal na carga tributária é uma ideia bem-vinda. Assim como o convite para discutir a qualidade do gasto e a razão de ser de benefícios e incentivos fiscais.

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