quinta-feira, 23 de julho de 2020

Vitória da boa política – Editorial | O Estado de S. Paulo

Com o avanço do Novo Fundeb, o País dá importante passo em direção a um futuro melhor, a despeito da inação do presidente

A Câmara dos Deputados deu mais uma mostra de que não tem faltado ao País quando o que está em discussão são projetos de grande interesse nacional. Em rápida sucessão, graças a um acordo entre os partidos, a Casa aprovou em dois turnos a proposta de emenda à constituição (PEC) que torna permanente o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta o porcentual de contribuição da União dos atuais 10% para 23% até 2026, de forma escalonada. O texto seguiu para o Senado e deverá ser votado na semana que vem. Não é esperado que os senadores façam alterações de mérito.

A aprovação da PEC foi celebrada por especialistas em educação, organizações da sociedade civil, como o Todos Pela Educação, e pela maioria dos governadores, que antes de o texto ir a plenário assinaram um manifesto em favor do relatório da deputada Dorinha Seabra (DEM-TO). Foi uma vitória da boa política, do diálogo em prol do melhor para o Brasil.

Com as mudanças no fundo aprovadas pelos deputados, estima-se que mais 17 milhões de alunos serão beneficiados pelo novo aporte de recursos nas redes de ensino de Estados e municípios. Esses recursos devem proporcionar valorização salarial dos profissionais de educação, melhoria da infraestrutura de escolas e creches e, portanto, desenvolvimento das condições de aprendizado de milhões de crianças e adolescentes. É do futuro do País que a PEC trata.

O Novo Fundeb reequilibra a distribuição dos recursos e corrige uma série de distorções que, ao fim e ao cabo, mantinham a desigualdade entre as redes públicas de ensino que o próprio fundo tem como missão precípua eliminar. “É um momento histórico. Vai se dar mais (recursos) para quem mais precisa e menos para quem menos precisa”, disse Priscila Cruz, presidente do Todos Pela Educação.

O patamar mínimo de investimentos por aluno passará dos atuais R$ 3,5 mil/ano para cerca de R$ 5,7 mil/ano em 2026, ao final do processo de aumento da complementação da União. O Novo Fundeb também altera o foco de distribuição de recursos, antes estadual e agora municipal. É uma mudança importantíssima, pois hoje municípios pobres de Estados ricos não recebem a complementação da União. Pelas novas regras, o repasse dos recursos também será atrelado ao cumprimento de metas de qualidade, o que incentivará as redes de ensino a melhorar seu desempenho para receber mais recursos, alimentando um círculo virtuoso.

No Facebook, o presidente Jair Bolsonaro esbanjou cinismo e associou a aprovação da PEC na Câmara aos supostos esforços de seu governo. “Um governo que faz na Educação. Transformamos o Fundeb em permanente, aumentamos os recursos e o colocamos na Constituição”, escreveu Bolsonaro. A estratégia é a mesma adotada quando da aprovação do pagamento do auxílio emergencial. O governo pretendia pagar apenas R$ 200 aos trabalhadores informais afetados pela pandemia de covid-19. Ao ver que seria derrotado no Congresso, que estava inclinado a autorizar o pagamento de R$ 500, anuiu com R$ 600 e cantou vitória para sua claque.

O governo Bolsonaro não fez rigorosamente nada pela educação. Durante mais de um ano, Dorinha Seabra foi olimpicamente ignorada pelo ex-ministro de triste memória Abraham Weintraub. Até que na noite do sábado passado o governo resolveu ter ideias sobre o Novo Fundeb, para transformá-lo num instrumento eleitoreiro. Não sem razão, foi alijado dos debates na Câmara, que acabou por lhe impor uma derrota acachapante. A única concessão feita pelos deputados foi a aprovação da destinação de 5,25% dos recursos da União – vale dizer, dentro dos 23% complementares – à educação de crianças de 0 a 3 anos, mas sem os tais “vouchers” ou crédito direto para creches propostos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Seria um despautério.

Com o avanço do Novo Fundeb, o País dá um importante passo em direção a um futuro melhor, a despeito da inação de um presidente que parece não saber o que é governar.

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