quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Abandono das reformas mina papel de Guedes no governo – Editorial | Valor Econômico

Guedes precisa recorrer a quem apoia vários de seus projetos, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia

Desde que o presidente Jair Bolsonaro resolveu apoiar-se no centrão para evitar ser desalojado do Palácio do Planalto, mais integrantes da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, deixaram o governo. Não é coincidência. A agenda econômica bateu em um muro de oposição no centro do poder, escorado pela falta de convicções liberais do próprio presidente da República.

As reformas delineadas pela equipe econômica pararam, mas isso não foi tudo. Ministros militares, sem a desaprovação pública de Bolsonaro, inventaram um plano de obras que só pode prosperar por meio de gambiarras que põem abaixo o teto de gastos - único empecilho à volta do descontrole fiscal. As manobras, das quais também participa o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, contam com ampla torcida organizada, reunindo o centrão fisiológico e os partidos de esquerda. Paulo Guedes dá sinais de que caminha para o isolamento no governo. Seus apelos diretos por declarações de apoio a Bolsonaro indicam isso.

A saída de Mansueto Almeida foi a de maior peso, e premonitória - como secretário do Tesouro, era o guardião de um cofre que em breve poderá ser arrombado. Ele teve disputas desgastantes com outros membros da equipe econômica e desilusões com o abandono de seu plano de reequilíbrio fiscal dos Estados, batizado com seu prenome, que abria um leque de 9 alternativas para a escolha dos governadores iniciarem a arrumação de suas contas. Enviado ao Congresso, está lá até hoje e de lá provavelmente não sairá.

Frustrações embalaram a demissão de Paulo Uebel, secretário especial da Desburocratização. Com apoio em estudos do Banco Mundial, de consultorias, de economistas locais e de sua própria experiência, elaborou uma reforma administrativa para dar racionalidade funcional, produtiva e salarial à máquina do Estado. Embora não fosse seu objetivo, a reforma traria economias aos cofres públicos, ao disciplinar promoções, carreiras (há mais de 300 hoje), benefícios e exigir o mínimo que hoje inexiste em todos os escalões da República - a avaliação de desempenho.

O presidente Jair Bolsonaro, que não quer se aborrecer com o que não entende, e não quer problemas com o funcionalismo, desdenhou da reforma administrativa. Ela não foi enviada e ficou à espera da oportunidade, que não veio. Bolsonaro disse que a reforma ficará para o ano que vem. Uebel pegou o paletó e foi embora.

O secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, dono da Localiza, saiu depois do total encalhe do programa de venda das estatais. Desfazer-se de patrimônio público é, e tem de ser, mais difícil do que vender ativos em uma empresa privada, mas o programa não andou mesmo foi por falta de interesse do governo. Bolsonaro não é privatista, as “jóias” da coroa - Petrobras, Banco do Brasil - não entraram na lista de privatizações e mesmo vender empresas penduradas no Tesouro não é fácil dadas as centenas de apadrinhados pendurados nesses cabides de emprego.

O recuo das promessas eleitorais por Bolsonaro já ocorria antes da pandemia e a covid-19 acrescentou dissabores a quem já estava amuado. Guedes chegou tarde, e com parcimônia, na discussão dos auxílios emergenciais que o vírus tornou necessários. Mas os programas de apoio funcionaram a ponto de levantar a popularidade e o faro eleitoral do presidente.

Diante da abertura necessária dos cofres, os ministros militares vieram com um “Plano Marshall” mambembe e descosturado que, ademais, dinamita o teto de gastos. Foi um ataque frontal ao ministro da Economia, que parecia ter fracassado em meio ao festival de baixarias da reunião de 22 de abril. Os ministros militares e Marinho voltaram à carga.

Como o Estado está quebrado, é preciso voltar à racional sobriedade após o fim do estado de calamidade pública, que deu respostas sociais à pandemia. Furado o teto, as demandas não terão fim, em especial com uma base governista alicerçada no centrão. Sem a premência do aperto fiscal, as reformas serão deixadas de lado. Em seu lugar virão o risco de uma explosão do déficit público e seu financiamento por via inflacionária.

Bolsonaro disse ontem que “nosso norte continua sendo a responsabilidade fiscal e o teto de gastos”, mas não é bom se fiar em suas palavras. Guedes precisa recorrer a quem apoia vários de seus projetos, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, refazer pontes e reeditar uma parceria que conseguiu realizar a reforma da Previdência.

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