sábado, 1 de agosto de 2020

Adriana Fernandes - Chaminé no teto

- O Estado de S.Paulo

Gogó em torno da defesa do teto de gastos não está mais adiantando no Congresso

No seu quarto ano de aniversário, o teto de gastos está sob pressão porque falhou em um dos principais argumentos vendidos pelo governo Michel Temer para a sua aprovação.

Até agora, não deu certo a premissa de que a regra fiscal que trava o controle das despesas comprimiria o Orçamento e levaria o Congresso e o Executivo a terem de escolher as mais urgentes prioridades da população, como saúde e educação, para irrigar os recursos.

Ao longo desses anos, também não prosperou a tão propalada revisão dos chamados gastos tributários com incentivos fiscais, que no Brasil consomem 4,2% do PIB. O corte desses benefícios foi engavetado pelo governo e pelo Congresso.

A tal escolha das prioridades não funcionou e tem encorajado de forma legítima a sociedade, por meio de organizações que representam essas áreas, a buscar o seu quinhão para que os seus recursos não sejam contraídos num ambiente de recessão econômica e de vigência de uma regra fiscal muito restritiva, como o teto.

Na disputa pelo espaço apertado do Orçamento, o limite do teto foi ao longo do tempo sendo capturado por setores da sociedade apadrinhados pelos grupos de poder instalados no Palácio do Planalto. Quem grita mais leva.

É disso que se trata a reação recente dos movimentos sociais em defesa da educação, saúde e dos programas sociais, que pedem mudanças na regra do teto.

Independentemente de quem vença a guerra de números que tem sido travada em torno de quanto se perdeu ou ganhou com o teto, a verdade é que os representantes dessas áreas não querem ficar amarrados pelas restrições da regra fiscal enquanto buracos no Orçamento são abertos para despesas muito menos prioritárias.

O exemplo mais gritante pode ser visto nas concessões para os militares, Ministério Público e Judiciário. Só com um penduricalho no salário dos militares, o Brasil vai gastar R$ 26 bilhões em cinco anos.

A reação desse movimento social é de natureza bem diferente daquela que move integrantes do governo a tentar burlar o teto de gastos a todo custo para expandir investimentos numa lista de obras arquitetada sem transparência e com destino certo: a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Ficou tudo mais embolado com a pandemia da covid-19. Reportagem do Estadão desta semana revelou com detalhes as forças dentro do governo (e dentro da própria equipe econômica) para fazer gambiarras com o teto. Propostas não faltam, até mesmo com o uso do dinheiro que deveria estar sendo aplicado com a urgência necessária para o combate dos efeitos do novo coronavírus.

O governo, que até a pandemia comprimia os gastos sociais a ponto de acumular uma fila de dois milhões de pedidos de benefícios, agora quer turbinar o programa Renda Brasil, a sua versão repaginada do Bolsa Família, para dar porta de saída ao auxílio emergencial de R$ 600. E, é claro, impedir que a popularidade do presidente caia.

Do ponto de vista do Ministério da Economia, foram quatro anos de verdadeira “guerrilha” dos técnicos para impedir que as forças destruidoras do teto avançassem sobre o pouco de espaço que existe no Orçamento.

Sucessivas investidas ocorreram para aprovar despesas que nada têm a ver com as prioridades mencionadas acima. Bombas foram desarmadas. Outras prosperaram. Quanta energia empregada nesse trabalho! Em pelo menos duas vezes, a máquina administrativa ficou em situação de quase shutdown (paralisação) para atender às restrições legais do teto.

Em muitas dessas batalhas, a equipe econômica foi buscar guarida no Tribunal de Contas da União (TCU) para que a Corte arbitrasse decisões que deveriam ser resolvidas pelo próprio Executivo. Disputas essas, muitas vezes travadas entre o Ministério da Economia e o Palácio. A favor da equipe econômica, está o medo dos presidentes da República de ter o mesmo destino da ex-presidente Dilma Rousseff: a condenação por irresponsabilidade fiscal.

Como esse não é o papel do TCU, a tática de terceirização de responsabilidade decisória está se exaurindo. Funcionou no governo Temer e no primeiro ano do governo Bolsonaro, mas agora não está colando mais.

Mal desenhado por não permitir acionar os gatilhos automáticos de corte de despesas para evitar o seu estouro, o teto agora vive o seu momento mais difícil. Os seus defensores dentro da equipe econômica, que acreditam ser ele a principal âncora da política fiscal, estão atordoados com a velocidade e a força do processo dentro do governo pela sua mudança.

Perguntam eles ao ministro Paulo Guedes: por quanto tempo o senhor acha que vai conseguir convencer o mercado a financiar o governo indo para o décimo ano com déficit, em 2023, e sem nenhuma expectativa de voltar ao superávit, além de uma dívida pública caminhando para 100% do PIB?

Fora da área econômica, o drama é outro: garantir dinheiro para a retomada do crescimento.

O que não está certo é que esse debate seja feito às escuras. Basta de dribles! Que a discussão seja aberta e transparente para evitar que se acabe colocando uma “chaminé” no teto a serviço, novamente, de interesses menores.

Gogó em torno da defesa do teto não mais está adiantando. É preciso um plano organizado de saída desse impasse fiscal com o Congresso.

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