terça-feira, 11 de agosto de 2020

Desafios ainda aguardam os emergentes após pandemia – Editorial | Valor Econômico

Endividamento alto é problema para o Brasil

Passada a fase mais aguda do enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, os desafios econômicos dos países emergentes estão longe do fim. Muitos desses países ainda registram níveis elevados de mortes e contaminação da população, mas as autoridades começaram a flexibilizar as regras de distanciamento social e a reabrir as atividades. A desconfiança de que a saída da crise sanitária vai levar mais tempo do que se esperava, de que a aguardada vacina vai demorar a chegar e o reduzido espaço fiscal e monetário para o governo atuar tornam tudo mais difícil.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem certeza de que o impacto causado pelo novo coronavírus na economia dos emergentes será bem mais severo do que o provocado pela crise financeira de 2008. A previsão do Fundo é que o Produto Interno Bruto (PIB) dos emergentes vai encolher 3,2% neste ano - situação bem diferente da expansão de 2,6% de 2009. Para agravar, desta vez, as economias estão mais debilitadas. Se o crescimento médio anual dos emergentes foi de 6% de 2000 a 2012, frente a 2% das economias avançadas, de 2013 a 2019, houve desaceleração para 4,5% ao ano, enquanto os demais países seguiram no mesmo ritmo. Se a China e a Índia forem excluídas da conta, o crescimento é ainda menor.

Entre outros problemas, os países emergentes enfrentam agora a queda do preço das commodities, como o petróleo, o que diminui suas receitas. A automação crescente reduz a demanda de produtos que dependem do uso intensivo de mão de obra; e o aumento do protecionismo limita as exportações. Além disso, a pandemia secou ou praticamente eliminou algumas fontes de receitas, como o turismo, importante para a Costa Rica e Marrocos, entre outros; e as remessas de emigrantes, representativas para a Guatemala e Paquistão, por exemplo. Em alguns casos, esses fatores afetam também economias avançadas como a Noruega e a Rússia, prejudicadas pela queda do petróleo, e Portugal com o refluxo do turismo. Mas o impacto é relativamente menor porque a dependência não é tão significativa e há outras fontes de receita.

Apesar disso tudo, os países emergentes acompanharam as economias avançadas com políticas de afrouxamento monetário, redução dos juros e compra de títulos privados. Com o aumento generalizado da liquidez, puderam também captar recursos com a emissão de títulos e ações nos mercados avançados.

No entanto, as mais recentes decisões de bancos centrais de emergentes, como no Brasil, África do Sul e Colômbia, revelam a avaliação de que os movimentos de flexibilização podem estar perto do fim. Há menos espaço fiscal e monetário e maior risco de a dívida pública atingir patamares insustentáveis.

Na avaliação do FMI, um terço dos países já não tem espaço fiscal e pode enfrentar problemas de liquidez. Se o Brasil já gastou 10% do PIB no enfrentamento ao coronavírus em seus diversos aspectos, há países que gastaram mais e podem ir além. Mas os demais emergentes estão mais para a situação do Brasil. Na Índia, Malásia, Polônia, Qatar, África do Sul e Tailândia, os gastos públicos relacionados à pandemia ficaram ao redor de 10% do PIB. Mas, segundo o Banco Mundial, as economias em desenvolvimento gastaram em média metade disso.

Antes mesmo de a pandemia atingir os níveis mais críticos, a dívida global já era uma preocupação. Segundo o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês) atingiu US$ 258 trilhões no primeiro trimestre, ou um recorde de 331% do PIB global. Em mercados emergentes, os índices de dívida aumentaram para o patamar inédito de 230% do PIB. Cerca de US$ 3,7 trilhões em dívidas de mercados emergentes vencem até o fim de 2020, e dívidas em moeda estrangeira representam quase 17% do total, pressionando também a área externa no caso dos países mais frágeis nessa frente.

Com reservas robustas, o Brasil não precisa se preocupar com as contas externas. Já em relação ao endividamento, porém, a previsão é que vai chegar perto de 100% do PIB no fim do ano, em comparação com 76% em 2019. O governo da Colômbia prevê que a dívida do país aumentará para 65% a 66% do PIB em relação a 50% no mesmo período de 2019.

Enquanto lutam para manter a cabeça acima da linha d’água, alguns países emergentes contratam desafios futuros para os quais não há uma saída fácil. Há casos em que o pior ainda pode estar por vir, quando chegar a hora de enfrentar esses problemas.

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