sábado, 29 de agosto de 2020

João Gabriel de Lima - A floresta, o agro e a fazenda do tio Militão

- O Estado de S.Paulo

No Brasil, quando parece que está tudo resolvido, surge alguém e estraga tudo

Era uma vez quatro primos. Todos sobrinhos do tio Militão, grande fazendeiro. Tio Militão morreu. Os primos Huguinho, Zezinho e Luisinho brigaram, brigaram e, afinal, chegaram a um acordo. Huguinho, que gostava de pecuária, ficaria com os bois e as pastagens. Zezinho, formado em agricultura, herdaria as plantações de cana. E Luisinho, bon vivant, transformaria o casarão com piscina num luxuoso hotel-fazenda. Era hora de comemorar o acordo com um grande churrasco – Huguinho forneceria a carne, Zezinho a caipirinha e Luisinho, os espetos.

Espera aí. Eram quatro sobrinhos, e não três. Havia o primo 04, Joãozinho, o que fugira para o exterior, sabe-se lá em que rolo se metera. Joãozinho voltou de Miami e reivindicou as vacas de Huguinho, a cachaça de Zezinho e uma suíte vitalícia na pousada de Luisinho. A briga recomeçou. O pasto virou erva daninha, o leite azedou e a piscina está cheia de sapos.

Na democracia brasileira, existem momentos em que huguinhos, zezinhos e luisinhos chegam a um consenso. Isso aconteceu na reforma da Previdência – passou de Dilma para Temer, de Temer para Bolsonaro e, no final, o Congresso aprovou uma reforma parecida com a de Dilma. Em outras vezes, somos a fazenda do tio Militão. Quando parece que está tudo resolvido, surge alguém e estraga tudo.

A Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura foi criada em 2015, ano da cúpula de Paris. Trata-se de uma dessas associações da sociedade civil que cumprem um papel fundamental: unir gente com ideias diferentes e buscar acordos. Segundo um de seus fundadores, Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, o agro temia que o Brasil fechasse compromissos pesados demais – e os ambientalistas, leves demais. Formaram-se ao menos dois grandes consensos. Para ser uma potência agrícola, o Brasil teria de ser também uma potência ambiental, com voz forte nas discussões sobre mudanças climáticas. Para ter credibilidade como potência ambiental, teríamos de implantar de verdade o Código Florestal.

Passaram-se cinco anos. O Código Florestal ainda é peça de ficção, já que a maior parte dos Estados não consegue completar o Cadastro Ambiental Rural, por falta de competência ou vontade política. O desmatamento explodiu. Organizações do agro e do meio ambiente assinaram, juntas, um manifesto em defesa da floresta. Pressionadas pelo ministro Ricardo Salles, algumas entidades do agro pediram para retirar a assinatura, causando uma cisão. Entre os criminosos do campo – leia-se grileiros – consolidou-se a impressão de que o Código Florestal nunca será implantado para valer.

“Mesmo assim, neste ano, após todo o estrago ambiental do ano passado, ganhamos força”, diz Marcello Brito, personagem do minipodcast da semana. “Ficamos próximos do Congresso e de vários ministérios do governo, exceto o do Meio Ambiente.” Sem floresta não há agricultura, pois é a mata que garante o regime de chuvas – o fenômeno dos rios voadores. Parece uma obviedade que agro e proteção ambiental tenham de caminhar de mãos dadas. Iniciativas do Estadão, como os projetos Retomada Verde e Desafio Verde, seguem nessa direção.

Parece uma obviedade – mas, mesmo assim, não é fácil pacificar todos os huguinhos, zezinhos e luisinhos. Ainda mais com tantos joãozinhos atrapalhando.

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