quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Luiz Carlos Azedo - Mudança de franquia

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Guedes deu uma de bom cabrito, mas não se tem precedentes de um ministro à frente da Economia do país aceitar um pito público desses sem pedir demissão”

Perdão pela ironia, mas faz sentido: o presidente Jair Bolsonaro não quer mais saber de Posto Ipiranga, seu coração bate pela BR Distribuidora. Agora, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá de fazer uma escolha de Sofia: ou joga ao mar suas velhas teses e, com ela, o que resta da equipe de economistas liberais, ou pega o boné e volta para seus negócios. O que Bolsonaro fez, ontem, ao criticar publicamente a proposta do projeto Renda Brasil apresentada pela equipe econômica, é muito desmoralizante. Durante visita a Ipatinga, em Minas, o presidente da República desautorizou o ministro: “Ontem (terça, 25), discutimos a possível proposta do Renda Brasil, e falei: ‘Está suspenso’. A proposta, como apareceu para mim, não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobre para dar a paupérrimo”.

Guedes deu uma de bom cabrito, mas não se tem precedentes de um ministro à frente da Economia do país aceitar um pito público desses sem pedir demissão. É uma situação inimaginável, por exemplo, com o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, que exigiu a saída de todos os ministros desenvolvimentistas que o desafiaram. Nem o senador José Serra, que foi ministro da Saúde, dava pitaco na economia. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso só tratava de divergências com Malan em privado. O mesmo pode ser dito em relação ao ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, no governo Temer. Grande artífice do “teto de gastos”, que foi fundamental para reverter a recessão do governo Dilma Rousseff, ninguém apitava publicamente na economia além dele, nem no auge da crise provocada pelo caso JBS, na qual o presidente Michel Temer, por duas vezes, teve que evitar um impeachment.

Guedes, porém, tirou por menos: “É assim mesmo. Ele é o presidente e é quem decide”, disse. Apesar da forte reação do mercado — em baixa no mundo inteiro, o dólar está disparando no Brasil; o índice Bovespa desabou ontem —, o ministro da Economia disse que a equipe deve apresentar “o cardápio” de programas que podem ser unificados ao atual Bolsa Família, criando o Renda Brasil. “Está tudo equacionado. Não tem truque nem fura-teto. Tudo será feito com total transparência”, disse à jornalista Cristiana Lobo, da GloboNews. Há controvérsias. Bolsonaro terá nova rodada com ministros e assessores para decidir o valor do novo programa de transferência de rendas para os mais pobres. Sua proposta era acabar com os descontos de despesas com saúde e educação no Imposto de Renda, uma mecanismo para transferir renda da classe média para os mais pobres. Bolsonaro discorda por motivos óbvios: está deslocando o eixo da sua base eleitoral para os mais pobres, mas não quer perder apoio da classe média mais do que já perdeu. Este é o xis da questão: Bolsonaro antecipou em dois anos e meio a sua campanha de reeleição. Toda a política econômica está sendo subordinada ao seu projeto eleitoral.

Pulo do gato
O problema mais urgente a ser resolvido pela equipe econômica é a prorrogação do abono emergencial de R$ 600, cujo valor o presidente da República quer que seja o mesmo do Renda Brasil, o programa que vai substituir o Bolsa Família. O auxílio emergencial de R$ 600 é pago a 64 milhões de pessoas; o Bolsa Família, que não passa de R$ 205, quando beneficia cinco pessoas, atende a 14 milhões de famílias. Não existe a menor possibilidade de manter essa escala nem esse valor, sem quebrar a economia, mesmo incorporando os recursos de 27 programas sociais do governo, entre os quais, o abono salarial e o seguro-defeso. Guedes propôs um programa no valor de R$ 250, mas Bolsonaro quer mais. Também não aceita o fim do seguro-desemprego, que entraria no bolo.

O ministro da Economia ainda acredita num pulo do gato, nos dois sentidos: a criação de um imposto sobre todas as operações digitais, que teria uma base praticamente universal, porém, pode levar ao entesouramento de moeda e ampliação de operações em dinheiro vivo, além de promover um grande efeito cascata. Isso ampliaria muito a carga tributária, ou seja, tudo ao contrário do que pregam os economistas liberais. Há setores simpáticos à tese no mercado financeiro, mais preocupado com a administração da dívida pública e com o deficit fiscal, bem como no Congresso, onde a base parlamentar do governo pressiona para que haja aumento de gastos com obras.

Entretanto, o maior adversário da proposta do novo imposto no Congresso é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Entre os economistas, a crítica à proposta baseia-se nas teses do economista Arthur Laffer, para quem a diminuição dos impostos cobrados das empresas pode aumentar a arrecadação do Estado. Segundo a “Curva de Laffer”, a partir de um certo ponto, por mais que a alíquota do imposto seja aumentada, o tributo deverá gerar menos receita fiscal. Nossa carga tributária é cada vez maior, por causa da progressiva criação e aumento de alíquotas de impostos. Segundo a Receita federal, a carga tributária bruta em 2019 atingiu 33, 17% do PIB, ou seja, um terço da renda nacional vai para os governos da União, estados e municípios; sem a contrapartida de investimentos e serviços de qualidade, a máquina administrativa consome quase tudo. Ninguém aguenta mais.

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