sábado, 22 de agosto de 2020

Merval Pereira - Apoio incipiente

- O Globo

O presidente Bolsonaro criou um monstro que pode engoli-lo, o Congresso. Revitalizado no início do governo, quando o presidente ainda tentava governar sem os partidos, imaginando que o poder do Executivo era insuperável, o Congresso, com especial atuação da Câmara presidida por Rodrigo Maia, assumiu a direção dos trabalhos de aprovação das reformas.

Chamou a si a tarefa de reformar a Previdência Social, mesmo atrapalhada pela ambiguidade de Bolsonaro, que até o último minuto incluiu categorias que lhe são caras nas exceções da nova legislação.

Até fazer o acordo com o Centrão, renegando tudo o que dissera na campanha eleitoral e nos meses iniciais de seu governo, Bolsonaro recebeu dos parlamentares demonstrações cabais de que sem eles não governaria.

A recente votação do veto ao aumento de servidores públicos enquanto perdurar a pandemia da Covid-19 demonstra bem como a relação do presidente com uma base parlamentar ainda incipiente pode trazer novos problemas para o governo.

Teve que contar com o presidente da Câmara para organizar sua base para derrotar a decisão do Senado, que derrubara o veto do presidente. Mas criou diversos atritos com os senadores, a começar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que não quis presidir a reunião do Congresso porque já imaginava que o governo poderia ser derrotado e não queria se indispor com o governo, com cujo apoio conta para poder se reeleger.

Agora, com os ataques do ministro da Economia, Paulo Guedes, aos senadores que votaram pela derrubada do veto, Alcolumbre já não pode se omitir, pois nada importa o apoio de Bolsonaro se os senadores não quiserem reelegê-lo. “Aqui não tem voto de cabresto”, avisou um senador, referindo-se tanto a Bolsonaro quanto a Alcolumbre.

Para manter seu prestígio interno, Alcolumbre terá que colocar seu prestígio externo em jogo. A boca grande do ministro Paulo Guedes mais uma vez o coloca em confrontação com o Congresso, mas desta vez também o presidente Bolsonaro não quer afrontar seus novos aliados.

Quando Paulo Guedes ou outro ministro agredia o Congresso, recebia palmas do presidente Bolsonaro. Foi assim que o ex-ministro Abraham Weintraub começou sua derrocada, flagrado dizendo que mandaria para a cadeia “todos aqueles vagabundos”, a começar pelo Supremo.

Dito em reunião fechada, não haveria problema. Tendo o ministro Celso de Mello mandado divulgar o vídeo da reunião, tornou-se insustentável sua permanência no cargo. Desta vez, Guedes errou no timing político. Chamar os senadores que derrubaram o veto de “criminosos” foi um excesso, mesmo que se leve em conta que estava tomado por uma “santa indignação”, um sentimento justo diante da irresponsabilidade de permitir aumentos nesta crise econômica que tentamos atravessar.

O problema é que quem fala muito corre o risco de dar bom dia a cavalo, já diz o ditado popular. Guedes fala muito, e nem ele nem o governo são coerentes na maior parte das vezes. Os senadores já ressuscitaram na internet pelo menos duas declarações do ministro da Economia defendendo que os servidores que estão na frente de combate à Covid-19 seriam exceções no congelamento dos salários.

O veto do presidente foi contrário ao combinado com os parlamentares, e por isso formou-se um ambiente propício à sua derrubada. Muitos senadores espalharam que Bolsonaro queria o veto, o que parecia plausível diante das suas incoerências. Bolsonaro chama seus novos parceiros do Centrão de sócios. “Sócios no bom sentido”, alertou, assim como avisa, quando diz que ama um homem, que “é um amor hétero”.

Bolsonaro e suas contradições profundas.

Confissão
A decisão do Senador Flavio Bolsonaro de não aceitar a acareação com seu suplente Paulo Marinho sobre a acusação deste de que recebeu informações antecipadas sobre a Operação Furna da Onça e demitiu seu amigo Fabrício Queiroz para tentar apagar os rastros da “rachadinha” que ele comandava, demonstra receio de cair em contradição e ser pego na mentira. Uma confissão de culpa indesmentível.

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