quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Vinicius Torres Freire - O rapa de Doria nas universidades

- Folha de S. Paulo

Governo estadual teve a má ideia de tapar déficit com dinheiro de ciência e pesquisa

O governo de João Doria quer fazer um rapa nos fundos das três universidades estaduais, USP, Unicamp e Unesp, e na Fapesp, a fundação que financia pesquisa científica. Quer raspar o tacho do dinheiro que a contabilidade chama de “superávit financeiro”. Na conta dos balanços de 2019, trata-se de R$ 1,5 bilhão. O Orçamento do governo estadual é de R$ 239 bilhões. O déficit de 2020 está estimado em uns R$ 10 bilhões.

O plano vai abalar as universidades e arrebentar a ciência paulista, que faz boa parte da pesquisa nacional, que está sendo arrebentada por Jair Bolsonaro. Além do mais, o projeto paulista parece ilegal, pois universidades têm autonomia. Deve ser emendado na Assembleia Legislativa. Ainda assim.

Do ponto de vista da administração pública, é um incentivo ao desperdício e à falta de planejamento. Em tese, essa faca no pescoço induz o gestor a imediatismos corporativos, como torrar o dinheiro enquanto pode, antes que o Estado leve o que eventualmente possa sobrar. Logo, prejudica planos de investimento a longo prazo, plurianuais, e outras prudências e eficiências no uso dos recursos.

Esse “superávit financeiro” consiste basicamente de caixa e equivalentes de caixa. Mais não se sabe sobre esses dinheiros, pois os balanços das universidades e da Fapesp não especificam a natureza das reservas. Essas e outras satisfações poderiam constar das notas explicativas, por falar nisso, que são pouco mais do que citações da lei e de normas contábeis. Não explicam nada.
A Fapesp diz em público que esses dinheiros estão reservados e comprometidos com o pagamento futuro de projetos em andamento. Seja como for, a fundação e as universidades precisam de reservas.

O rapa na ciência faz parte de um pacotaço fiscal. O governo Doria diz que o estado está na pindaíba e que seria injusto não usar essas “sobras” das universidades e da Fapesp em gastos essenciais, em especial com pobres. Pode ser, mas com esse argumento também se pode fechar a universidade.

Quais outros recursos estão “sobrando”? A gente não sabe. Doria pretende diminuir incentivos fiscais (favores com o ICMS), fechar autarquias e assemelhados e demitir parte de seus funcionários. No projeto de lei, não mostrou as contas, o que é uma atitude que não presta. O projeto coloca em questão a utilidade de manter certas instituições, o que parece razoável, dada a multiplicidade de burocracias, e pede autorização para privatizar outras tantas, mas não explica em que condições serão prestados certos serviços, o que não é razoável.

As universidades estão no aperto em parte porque fizeram bobagem nos anos de bonança, de crescimento e arrecadação alta (as universidades paulistas têm direito a uma porcentagem fixa da arrecadação estadual). Elevaram despesas fixas (basicamente salários), tendo receitas que flutuam com o ciclo econômico. É assim que o governo do estado do Rio de Janeiro vai à falência ano sim, outro também.

As universidades são autônomas, mas não para fazer besteira, embora não exista um sistema racional de controle, um método que não submeta as universidades à politicagem e a desmandos de governantes chucros. Seria conveniente ter uma regra “anticíclica”: em anos bons de receita de impostos, seria necessário colocar o dinheiro em um fundo, por exemplo.

Agora, as universidades estão fazendo reservas, um “fundo”. A Fapesp de fato faz planos de médio prazo. O governo do estado quer arrombar uma porta de cofre que estava sendo consertada.

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