terça-feira, 29 de setembro de 2020

Andrea Jubé - Trio de nomeações turbina passe de Davi

- Valor Econômico

Presidente do Senado concentra nas mãos diversos trunfos para forçar sua reeleição

Um dispositivo da Constituição Federal veda a reeleição para o mesmo cargo da Mesa Diretora, mas Alcolumbre articula com seus pares uma revisão da norma constitucional mediante a singela alteração do regimento interno.

Enquanto essa articulação ganha corpo, como mostrou o Valor na semana passada, as mudanças no tabuleiro político valorizam o passe do presidente do Senado. A atuação de Davi será essencial ao Palácio nos próximos três meses, quando ele presidirá duas votações estratégicas para o governo na Casa: as indicações do presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal e para o Tribunal de Contas da União.

O número sobe para três, se o indicado para o Supremo for um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Na atual conjuntura, após a denúncia do Ministério Público do Rio que transforma em réu o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), junto com Fabrício Queiroz, uma vaga no STJ - colegiado que julgará os recursos dessa ação - torna-se ainda mais estratégica, ou oportuna, do que uma cadeira no Supremo.

Pela proximidade das datas, as atenções voltam-se para o preenchimento da vaga no STF, porque o decano Celso de Mello antecipou a aposentadoria para o próximo dia 13. Dois meses depois, será a vez do presidente do TCU, José Múcio Monteiro, sair de cena.

Um senador influente do Centrão disse à coluna que a indicação do ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, para a vaga do TCU em dezembro é pule de dez. Egresso da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), com mestrado em combate à corrupção na Espanha, Rosário é próximo de Bolsonaro e dos ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Por sua vez, cotado para o STF, Jorge Oliveira é o coringa de Bolsonaro, a carta que o presidente usará para não errar a jogada. Se Jorge quiser, vai para o STF. Mas se o “timing” político favorecer outra indicação, aguardará a vaga do ministro Marco Aurélio. Em qualquer situação, será o homem da confiança de Bolsonaro no Supremo.

Mas o “timing” agora favorece a abertura de uma vaga no STJ. Além de ser o foro competente para os recursos da ação contra Flávio Bolsonaro, é a instância responsável por julgar os governadores - e a maioria dos mandatários estaduais é considerada adversária pelo presidente.

É nessa conjuntura tão sensível para o jogo político que Davi Alcolumbre, ganha mais protagonismo. Caberá a ele liderar a articulação para viabilizar, junto à senadora Simone Tebet (MDB-MS), a pauta na Comissão de Constituição e Justiça, e depois no plenário, para que haja quórum e os 41 votos necessários para aprovar o indicado de Bolsonaro para o STF. O mesmo ocorrerá, se depois houver nomeação para o STJ.

Em dezembro, a pouco mais de um mês para a eleição da Mesa, igualmente caberá a Alcolumbre liderar a articulação para viabilizar a pauta na Comissão de Assuntos Econômicos, junto ao senador Omar Aziz (PSD-AM), e depois no plenário, para que haja quórum e os 41 votos necessários para aprovar o indicado para o TCU.

Garantir quórum será um desafio, porque a pandemia continuará intimidando os senadores do grupo de risco, que ainda evitam Brasília. A votação no “drive thru” deverá ser reeditada nesses casos.

Na semana passada, ganhou corpo a articulação pela reeleição de Alcolumbre. O Valor mostrou que ele se reuniu pessoalmente com quase 50 senadores, articulando acordos, divisões de espaços na Mesa e presidência de comissões. Ele tem os apoios de grandes bancadas, como PSD e PP, mas ainda não tem o aval do MDB, maior força da Casa.

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Mesmo que reedite o apoio do Planalto e conte com o respaldo de grupos que estavam com Renan Calheiros (MDB-AL) em 2019, Davi terá de resolver o imbróglio constitucional.

O parágrafo 4.º do artigo 57 da Constituição diz que os mandatos dos membros da Mesa Diretora serão de dois anos, “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

Para viabilizar pelo menos uma reeleição, Câmara e Senado fizeram interpretações inconstitucionais afirmando que o dirigente poderia ser reconduzido uma vez na eleição entre uma legislatura e outra. Isso consta do Regimento Interno da Câmara e de um parecer da CCJ do Senado de 1998.

O professor José Afonso da Silva, um dos maiores juristas brasileiros, afirma que essa interpretação sobre a reeleição é inconstitucional. “A Constituição quis impedir o exercício continuo do cargo [da Mesa Diretora] por quatro anos”, registrou o constitucionalista.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), delegado de carreira, esclarece que a vedação à reeleição é constitucional. Ele afirma que se Alcolumbre reeleger-se baseado em simples alteração do Regimento Interno, o grupo “Muda, Senado” vai propor mandado de segurança contra o ato junto ao STF. “Não dá pra fugir disso”, afirmou. Se o presidente da Corte, Luiz Fux, não pautar a ação do PTB que questiona o fato, a eventual reeleição será questionada adiante.

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A ironia de todo esse processo é que a PEC da reeleição (PEC 101/2003), aprovada em comissão especial da Câmara em maio de 2004, que autorizaria expressamente a recondução dos presidentes das Casas para novo mandato, era de autoria do então deputado Benedito de Lira (PP-AL), pai do líder do PP, Arthur Lira (AL), forte candidato à sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Se tivesse sido aprovada, a PEC de Benedito de Lira iria sabotar o projeto político de seu filho, Arthur, que 16 anos depois, teria de disputar a sucessão com Maia.

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