sábado, 12 de setembro de 2020

Ascânio Seleme - Trabalho terremoto

- O Globo

Se já havia uma forte tendência de reduzir o contingente dentro dos escritórios, o isolamento social provou que é perfeitamente possível para inúmeras categorias profissionais trabalhar permanentemente desde casa

A pandemia de Covid-19 fez mudanças importantes nos arranjos do trabalho. A principal delas é o estabelecimento do home office como uma alternativa que, para muitas empresas, vai se estender mesmo depois de terminada a pandemia. Se já havia uma forte tendência de reduzir o contingente dentro dos escritórios, o isolamento social provou que é perfeitamente possível para inúmeras categorias profissionais trabalhar permanentemente desde casa. A revista britânica “The Economist”, que deu a capa da sua edição desta semana ao tema, relata que um estudo da Universidade de Chicago descobriu que 40% dos trabalhadores de países ricos podem produzir remotamente.

Se para uma grande parte das empresas e um número enorme de trabalhadores a novidade traz muitos aspectos positivos (e também alguns negativos), para outros o home office pode produzir um enorme impacto negativo em seus negócios. O setor que mais será atingido por esta mudança de hábitos de trabalho é o imobiliário. Algumas grandes empresas globais, como a Pinterest, empresa de media social, estão refazendo contratos de aluguéis e de leasing de imóveis, pagando inclusive multas altas, para reduzir os espaços físicos que ocupam. No Brasil, algumas empresas já começaram a seguir este caminho.

Como efeito colateral, edifícios comerciais que forem desocupados podem permanecer fechados por muito tempo. Alguns terão de se redesenhar para outra finalidade sob pena de não abrirem mais. Quem vai ocupar, por exemplo, o edifício Eco Sapucaí, construído ao lado do Sambódromo no terreno da antiga fábrica da Brahma, que está fechado desde sua inauguração, em 2015? São 19 andares de 4,5 mil m² cada, com 34 elevadores e 1065 vagas de garagem. O governo do Estado do Rio chegou a cogitar mudar toda sua estrutura para lá, mas acabou desistindo.

Como este, existem dezenas de outros prédios comercias no Centro do Rio. Em 2017, a cidade já tinha 372 mil metros quadrados de escritórios desocupados, segundo nota publicada por Lauro Jardim em setembro daquele ano. O desafio para empresas e governos é dar nova destinação a estes imóveis. Embora seja complicado, mas talvez a alternativa seja adaptar alguns destes prédios para uso residencial. Com certeza, a pressão por moradias dignas em países como o Brasil em nada vai mudar com as novidades sobre o trabalho pós-pandemia.

O que pode ocorrer também é a quebradeira de empresas e o desemprego em massa de trabalhadores dos setores imobiliário e da construção civil. E um sonho pelo menos já pode ser enterrado definitivamente. O de Paulo Guedes de engordar os cofres do país vendendo centenas de imóveis comerciais que a União tem espalhados pelo país.

Segundo a reportagem da “Economist”, algumas grandes empresas relutam em abrir mão de seus escritórios enormes exatamente para não perder valor com prédios vazios. A Bloomberg, uma das gigantes da comunicação global, está estimulando financeiramente seus funcionários a voltar ao trabalho presencial. A empresa estabeleceu um estipêndio de 55 libras (R$ 374) por dia para aqueles que, mesmo podendo legalmente permanecer em casa trabalhando, voltem a operar no escritório.

A legislação trabalhista é outra questão importante e terá de ser resolvida pelo Congresso Nacional. Muito provavelmente serão necessárias novas leis para regular estas mudanças de hábitos do trabalho, quando passarem a ser permanentes. Inúmeras questões terão de ser reendereçadas. Exemplos: quem deve pagar pelo custo do trabalho doméstico? Como serão realizadas sessões de desligamento de funcionários? De que forma serão contabilizadas as horas trabalhadas? Estudo da Universidade de Stanford mostra que as pessoas que estão trabalhando remotamente aumentaram em média 50 minutos a sua jornada diária.

O esforço para adaptar o novo normal do trabalho na rotina das pessoas, das empresas e da economia exige governos sérios, focados e atuantes e um Congresso ágil e moderno. Obviamente o Brasil vai sofrer mais que outros países nesse caminho, que não será curto nem fácil.

Depoimento do presidente
Os que se ofenderam com a decisão do ministro Celso de Mello de exigir que o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no caso da tentativa de interferir na Polícia Federal seja presencial, e não por escrito, são os mesmos que acham que o Supremo Tribunal Federal pega muito pesado com aquela gente boa que ultimamente tem passado longos períodos na cadeia. Como qualquer investigado, Bolsonaro pode até ficar calado para não constituir prova contra si próprio, mas terá de mostrar a cara.

Celso de Mello afirma que “absolutamente ninguém” está acima da lei. E ponto final. Que falta o decano fará ao STF.

Amin x Bolsonaro
Está dando água a jogada da turma de Bolsonaro em Santa Catarina para livrar a cara da fiel vice-governadora Daniela Reinehr do processo de impeachment em curso contra ela e o governador Carlos Moisés. Quem torpedeou a última estratégia bolsonarista foi o deputado estadual João Amin (Progressistas), presidente da comissão especial que analisa o processo. João é filho de Espiridião e Ângela, ex-governador do estado e ex-prefeita de Florianópolis. O que a patota de Bolsonaro queria era afastar o governador e colocar no seu lugar a vice. Amin abateu a manobra, por ora.

Cara de pau
Que o MDB é um partido cara de pau, todo mundo sabe. Agora cara de pau deslavada soube-se esta semana. Ao anunciar que pode expulsar o ex-prefeito e candidato a um novo mandato João Maria Monção, que disse em discurso gravado que roubou, sim, mas não tanto quanto o seu adversário na próxima eleição, o MDB parecia querer dizer que roubar pode, o que não pode é assumir publicamente o roubo. O candidato já havia sido julgado e condenado, até cana cumpriu. Até aí o MDB ficou mudinho.

Rio on e Rio off
O Rio é mesmo muito especial. Vejam como somos extraordinários. Pode ter igual, mas difícil encontrar gente mais consciente e cuidadosa com a pandemia de coronavírus que a nossa. Pelo menos nos dias úteis. De segunda a sexta, ficamos em casa, quietos, lógico que não vamos nos expor, melhor trabalhar em home office. Mas no fim de semana, bem, aí ninguém é de ferro. Uma praiazinha não vai matar, não é mesmo? Então, o Rio é on de segunda a sexta e off nos sábados, domingos e feriados.

Isolamento faz mal
Estudo da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, revela que um em cada três pacientes da Covid-19 desenvolveu problemas de saúde mental. Os males mais constantes são ansiedade, fadiga e alterações significativas no sono.

Xadrez em alta
O site Twitch, especializado em jogos on-line, constatou que de março a agosto (no auge da pandemia) pessoas assistiram a 41,2 milhões de horas de xadrez. O valor é quatro vezes maior do que a audiência dos seis meses anteriores. Para você ver como andam as coisas.

Inclusão em baixa
De acordo com o Instituto para a Produtividade Corporativa (ICP), 27% das empresas americanas abandonaram inteiramente os esforços em favor da diversidade e da inclusão em suas cadeias de produção em razão da crise sanitária.

Adiós, Venezuela
A crise política e econômica é tão grave na Venezuela que desde as últimas eleições legislativas, de 2014, cinco milhões de venezuelanos deixaram o país. Esse total representa um sexto da população. A diáspora venezuelana já é, proporcionalmente, a segunda maior da América do Sul, superada apenas pela do Equador, que hoje tem metade dos seus cidadãos vivendo fora do país.

Filha de peixe
Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, foi presa ontem preventivamente pela Polícia Federal em operação que investiga desvios em contratos de assistência social. Você se surpreendeu com a notícia? Duvido.

Blasfêmia
Em 78 países a blasfêmia é considerada crime e pode resultar em punições formais. O Brasil de Deus acima de todos que abra o olho porque um dia esta moda pode chegar aqui.

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