sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Bernardo Mello Franco - Sinais contraditórios na posse de Fux

- O Globo

As sessões solenes do Judiciário costumam ser pródigas em rapapés. Mesmo assim, Augusto Aras exagerou. O procurador-geral da República disse que o ministro Luiz Fux “alia a mente de Atenas à força de Esparta”. Até as estátuas gregas ficariam coradas com a bajulação.

Fux fez um longo discurso ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Na única referência à Antiguidade, evocou Platão para declarar apoio à Lava-Jato. Depois citou pensadores mais contemporâneos, como Fagner e Michael Sullivan. “Ele me deu a honra da parceria na canção ‘Flor Mariana’, como presente de casamento para minha filha”, informou.

Sobre o que interessa, a relação da Corte com o bolsonarismo, o ministro emitiu sinais contraditórios. Numa passagem, ele afirmou que “harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. A frase indicou uma mudança positiva em relação ao colaboracionismo de Dias Toffoli.

Em outro momento, Fux sugeriu que o Supremo pode passar a se omitir em debates caros ao governo. Ele criticou a “judicialização vulgar” de questões “permeadas por desacordos morais”. “Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais”, afirmou.

A declaração deve ter animado Jair Bolsonaro, que ataca o Supremo sempre que se vê contrariado por alguma decisão. Em abril, ele hostilizou o ministro Alexandre de Moraes após ser impedido de nomear um amigo para a chefia da Abin. “Quase tivemos uma crise institucional. Faltou pouco”, esbravejou.

Diante de um governo autoritário, que faz ameaças constantes à oposição, às minorias e à imprensa, o Supremo não pode julgar apenas temas de consenso. Em diversos momentos, terá que contrariar o Planalto para proteger a Constituição.

À revista “Justiça & Cidadania”, Fux acrescentou que sua gestão será marcada por “uma postura de muita deferência às escolhas feitas pelo governo”. Se ele seguir essa linha, a diferença em relação a Toffoli será apenas de estilo.

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