Na imprensa séria e independente é
preciso conferir
Nos 95 anos do GLOBO,
tratamos aqui de um tema muito caro para nós, jornalistas. O mais caro: o que é
notícia? Discutimos as várias respostas que jornalistas e veículos produziram
ao longo da história, assim como as críticas do público e, sobretudo, das
pessoas — como políticos e governantes— que são objeto das notícias, opiniões e
comentários. Saiu no último 30 de julho.
Voltamos hoje ao tema,
mas por um outro viés. Este: como a notícia é apurada e checada constantemente,
várias vezes. Convém repetir a definição que está nos Princípios Editoriais do
Grupo Globo: “Jornalismo é o conjunto de atividades que, seguindo certas regras
e princípios, produz um primeiro conhecimento sobre fatos e pessoas. Qualquer
fato e qualquer pessoa: uma crise política grave, decisões governamentais com
grande impacto na sociedade, uma guerra, uma descoberta científica, um desastre
ambiental, mas também a narrativa de um atropelamento numa esquina movimentada,
o surgimento de um buraco na rua, a descrição de um assalto à loja da esquina,
um casamento real na Europa, as novas regras para a declaração do Imposto de
Renda ou mesmo a biografia das celebridades instantâneas”. Ou, acrescentamos
nós, o discurso de um presidente.
“O jornalismo”, segue a
definição, “é aquela atividade que permite um primeiro conhecimento de todos
esses fenômenos, os complexos e os simples, com um grau aceitável de
fidedignidade e correção, levando em conta o momento e as circunstâncias em que
ocorrem. É, portanto, uma forma de apreensão da realidade.”
E, de novo
acrescentamos, uma forma de revisitar o conhecimento dia após dia ou, nesta era
de internet, momento após momento.
O presidente Bolsonaro
discursou na ONU, e isso foi noticiado. Publicamos o que ele falou. Mas, na
imprensa séria e independente, a notícia — o conhecimento — não para aí. É
preciso conferir o que o presidente disse. O que se fez intensamente desde a
divulgação do texto presidencial. Para azar do presidente.
Alguns dizem que temos a
mania de perseguir Bolsonaro — aliás, ele próprio repete isso sempre que tem a
oportunidade. Mas o que podemos fazer? Publicar o discurso, dar o assunto por
encerrado e entrar no noticiário da Covid e dos jogadores do Flamengo? Isso,
sim, seria desrespeitar o público. Seria deixar de procurar e oferecer novos
conhecimentos.
E conhecimentos
importantes. Por exemplo, a entrada de capitais estrangeiros. Fomos checar nos
dados do Banco Central e... está em queda, nas duas modalidades. O investimento
direto — aquele destinado a fábricas, lojas, negócios da economia real — caiu
27% no acumulado de janeiro/agosto contra o mesmo período do ano passado.
No caso dos
investimentos no mercado de capitais, tem até uma boa notícia para agosto
passado, uma entrada de US$ 2,3 bilhões. Mas isso depois de retiradas enormes.
Nos 12 meses encerrados em agosto, o BC registrou uma saída expressiva de US$
43 bilhões.
Isso é conhecimento, uma
boa aproximação da realidade. E dizemos “aproximação”, e não realidade pura,
porque falta aqui uma análise dos motivos das entradas e saídas. E até poderia
ser um bom tema para o presidente. Ele poderia dizer que, com a taxa básica de
juro tão baixa, 2% ao ano, o Brasil deixou de ser a farra dos investidores
especulativos.
Mas aí também seria
preciso acrescentar, como fizemos nos nossos comentários na CBN, no “Jornal da
Globo” e na GloboNews, que os investidores estrangeiros estão exigindo juros de
8% ao ano para comprar títulos do governo brasileiro com vencimento em dez anos.
Desconfiam que o governo pode fazer estripulias nas contas públicas e descambar
para o populismo gastador.
Eis como fizemos várias
aproximações da realidade e apresentamos conhecimento sobre fatos — as contas
externas — e pessoas, no caso, o presidente e suas fake news.
Houve várias outras —
especialmente nos trechos sobre fogo, desmatamento e Covid — que muitos colegas
reportaram à saciedade. O presidente distorceu fatos, não apresentou
conhecimento, mas propaganda.
Nós continuamos com nosso jornalismo.
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