segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Celso Rocha de Barros* - Queimar onça custa votos?

 

- Folha de S. Paulo

Visão do crescimento do presidente é extensiva: para ele, o Brasil vai ser mais rico se tiver mais minas e mais pastos

 Graças a Jair Bolsonaro, a pandemia de Covid-19 já matou duas vezes, e talvez mate três vezes, o número de brasileiros que morreram na Guerra do Paraguai. Além disso, diga-se o que quiser do ditador paraguaio Solano López, embora ele tenha ocupado parte do território de Mato Grosso, não lhe ocorreu incendiá-lo, o que só ocorreu como consequência do desmonte da política ambiental brasileira por Jair Bolsonaro.

 A matança de brasileiros não custou votos a Bolsonaro. Pelo contrário: ajudado pelo auxílio emergencial criado pelo Congresso, o presidente da República ganhou popularidade nos últimos meses.

 Agora descobriremos se queimar onça viva custa votos. O mais provável é que não. Bolsonaro deixou claro na campanha que seu governo destruiria o meio ambiente. Ninguém se importou.

Da mesma forma, ninguém quer falar de moral, de meio ambiente, de padrões elementares de decência, de preservar o mundo para nossos descendentes, certo? Se nos importássemos com isso, eu estaria escrevendo sobre outro presidente.

 Vamos falar de dinheiro, então.


Pois bem, o que a destruição do Pantanal e da Amazônia prova é que, se você acreditou que Paulo Guedes faria diferença, você é um otário.

 Porque isso aí, garimpo ilegal, invasão de terras indígenas, destruição de floresta, é o verdadeiro programa econômico de Jair Bolsonaro. É assim, inclusive, que ele pensava em ficar rico quando estava no Exército. É nisso que ele acredita. Sua visão do crescimento é extensiva: para ele, o Brasil vai ser mais rico se tiver mais minas e mais pastos. A visão de Bolsonaro para o Brasil é Serra Pelada sob administração do Major Curió.

 Nada contra minas e pastos, mas é impressionante que não passe pela cabeça do presidente que nossa prioridade deva ser aumentar a produtividade, não só das minas e pastos, mas também das fábricas, dos restaurantes, das faculdades, dos canais de YouTube e das lojas já existentes.

 Capital humano? Meu amigo, o ministro da Educação era o Weintraub, uma hipoteca subprime de capital humano. Instituições? Jair nunca encontrou uma instituição em que não tenha tentado colocar bomba, a começar pelo Exército. Privatização? A única privatização que mereceu discursos de aprovação do deputado Jair Bolsonaro foi a da polícia da zona oeste carioca.

 Já há setores da elite percebendo o problema. Uma coalizão de ONGs ambientais e associações do agronegócio entregaram a Bolsonaro um documento pedindo que a política ambiental deixe de ser apenas o Salles com um fósforo. O agronegócio, afinal, precisa do acordo com a União Europeia, que não deve sair sem salvaguardas ambientais.

No fundo, mesmo se você só pensar em dinheiro, fica a dica: meça o grau de compromisso dos seus candidatos a presidente com a eficiência econômica pelo seu programa ambiental. Um programa de proteção ambiental responsável quer dizer que ele não vai ter a alternativa de crescer extensivamente, e vai ter que começar a trabalhar pela produtividade.

Mas não deveríamos pensar apenas em dinheiro, deveríamos? A expectativa era que em 2020 já fôssemos melhores. Brasileiros morrendo sem ar ou onças queimadas vivas não deviam custar votos só quando também custam dinheiro.

 *Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

Nenhum comentário:

Postar um comentário