sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Eliane Cantanhêde - O preço da reeleição

- O Estado de S.Paulo

Para Renda Brasil e Pró-Brasil, tem de atingir aposentados, Educação e Agricultura?

É curioso como o “novo” Renda Brasil repete a novela da “nova” CPMF. O presidente Jair Bolsonaro jura que os dois estão enterrados e não se fala mais nisso, mas, mais dia, menos dia, o ministro Paulo Guedes desenterra a CPMF e o relator do Orçamento no Congresso, senador Marcio Bittar, ressuscita o Renda Brasil, tenham lá que nome tenham as duas “novidades”. E fica tudo no ar. Ou seja: Bolsonaro confunde de propósito, para testar a opinião pública e jogar a responsabilidade no colo alheio.

Essas idas e vindas do presidente ilustram algo que está escancarado, à vista de todos: Bolsonaro parou de fingir que apoia seu Posto Ipiranga incondicionalmente, que encampou o liberalismo e que está governando o País para valer. Caiu a máscara e ele assume o seu verdadeiro eu e a sua candidatura (muito) antecipada à reeleição.

Há, assim, um embate sem solução entre política e economia, eleição e governança, populismo e pragmatismo, gastança e contas públicas, responsabilidade e inconsequência. O resultado é complexo, mas fácil de explicar pela aritmética: as contas precisam fechar. Para gerar despesas, é preciso providenciar receitas. Nunca é simples, mas fica muito mais complicado com pandemia e recessão.

É aí que a porca torce o rabo, porque Bolsonaro exige que o Ministério da Economia garanta despesas que ele considera fundamentais para sua popularidade, hoje, e sua reeleição, amanhã. E Guedes e a equipe esbarram em limitações práticas, técnicas e até políticas para arranjar receitas e sustentar a ambição política do chefe: dinheiro curto, teto de gastos, resistência de ministros e da sociedade.

As opções são questionáveis sob vários ângulos e duplamente prejudiciais às próprias pretensões de Bolsonaro. O cobertor é curto: para ganhar votos com o Renda Brasil, tem de perder com congelamento de pensões e aposentadorias? Para ganhar votos com o Pró-Brasil, tem de perder com cortes em áreas estratégicas como Educação, Cidadania e Agricultura? Para manter votos com isenção das igrejas evangélicas, tem de perder dos tantos que são contra?

Renda Brasil e Pró-Brasil são os carros-chefes da campanha de Bolsonaro. Um é dinheiro na veia do eleitor, mas a opinião pública deu um pulo e Bolsonaro ameaçou a equipe econômica de “cartão vermelho” diante da ideia de congelar por dois anos os reajustes da Previdência para financiar o programa. Tira daqui, põe dali, é soma zero para popularidade e voto.

Já o Pró-Brasil é obra, inauguração, viagem, chapéu de vaqueiro e criança no colo, particularmente no Nordeste, tão populoso quanto oposicionista. Mas, quando o Estadão informa que o dinheiro pode sair da Educação e da Agricultura, não é só a opinião pública que se espanta, são os próprios ministros.

O da Educação, Milton Ribeiro, até agora um fantasma que fala em zumbis, explica que ele não tem culpa se os antecessores – Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, de triste memória – deixaram sobras porque não sabiam o que fazer com o dinheiro. E a da Agricultura, Tereza Cristina, avisou ontem mesmo, no Live Talks A Retomada da Economia, do Estadão, em parceria com a Tendências Consultoria: “Eu sou pequenininha, sou quietinha, mas eu brigo duro”. Bolsonaro sabe disso.

E daí? Chama o Centrão! Se for um sucesso, os louros serão do presidente, como no auxílio emergencial. Se for um desastre, a culpa será do Congresso – e do Supremo, da mídia. Assim, Bolsonaro vai ajustando sua estratégia e as contas públicas para conquistar o voto dos pobres e manter o dos ricos. Com uma carta na manga após jogar fora o liberalismo e o combate à corrupção: Lula. Se algo de 2018 sobrevive para 2022, é: “ou eu ou o PT, o que vocês preferem?”

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