sexta-feira, 4 de setembro de 2020

George Gurgel* - Eleições, Governança Municipal e sustentabilidade

O Brasil vive momentos de crise dos valores republicanos. Coloca-se o imperativo de unidade das forças democráticas no caminho de superação desta difícil conjuntura que atravessamos, agravada com a pandemia que impactou a tudo e a todos na maneira de ser e agir, no dia a dia das nossas vidas.

A pandemia deu maior visibilidade à nossa tragédia política e social. Acelerou mudanças, modificou a maneira de viver e trabalhar da maioria da população.

O modelo hegemônico de administração pública municipal no Brasil precisa ser transformado.

As relações políticas, econômicas e sociais estabelecidas na maioria dos municípios brasileiros, são insustentáveis entre si e com o território onde as pessoas vivem e constroem as suas vidas.

As próximas eleições municipais colocam em disputa as concepções de governar e de se relacionar de cada um de nós e da sociedade em geral, desafiando a nossa maneira de fazer política, antes e durante a pandemia.

O que tem a dizer o campo democrático na disputa política-eleitoral em curso, rumo as eleições municipais do próximo mês de novembro?

Quais são os valores a serem defendidos pela Cidadania e os compromissos dos candidatos a prefeitos e vereadores nas próximas eleições?

Os próximos prefeitos e vereadores eleitos estão desafiados a trabalhar para superar a triste e desoladora realidade de uma parcela majoritária da população dos municípios brasileiros, desrespeitada nos seus direitos básicos, constitucionais, a saber: moradia, educação, saúde, saneamento, mobilidade, trabalho e renda.

As novas administrações municipais devem estar comprometidas com o enfrentamento sistemático dos graves problemas sociais, econômicos e ambientais vividos no cotidiano dos municípios brasileiros, agravados com a pandemia.

Qual Governança Municipal? Deveria ser a indagação principal da Cidadania e de toda a população frente aos partidos e aos candidatos que disputam mandatos em novembro.

Aqui a questão democrática coloca-se como centralidade nas relações entre os governantes e governados. O conteúdo das mudanças em curso e as que devem ser realizadas, durante a pandemia e o futuro imediato, em cada município brasileiro, deveria ser a pauta de toda a sociedade, neste processo político-eleitoral que estamos vivendo para a escolha das nossas representações nas próximas eleições municipais.

Quais são os fundamentos de escolha dos governantes municipais?

Destacaríamos a história e as relações do candidato com o município, com o partido que o apresenta, os compromissos éticos e a capacidade de gestão do postulante.
Assim, as relações estabelecidas e construídas historicamente na sociedade brasileira deveriam estar sendo avaliadas e questionadas pela maioria da população, que não se ver contemplada por este sistema político-eleitoral hegemônico.

Mudanças estão acontecendo. São processos em curso. Novas relações estão sendo construídas, a partir das mudanças técnicas em andamento e de novas relações políticas e sociais estabelecidas na sociedade, funcionando em redes no mundo do trabalho e da cultura, impactadas pela pandemia.

O período eleitoral é o momento em que a política é colocada na agenda pública, quando os eleitores delegam aos eleitos as suas representações nos governos municipais.

As eleições municipais trazem para os municípios as contradições e os conflitos da sociedade de maneira geral, com especificidades e particularidades do município, em função da realidade política, econômica e social.

São nos municípios que as pessoas vivem e realizam suas vidas.

Atualmente, o Brasil possui 5.570 municípios distribuídos pelos 26 estados da Federação (IBGE, 2014). Minas Gerais concentra o maior número deles (853), seguida de São Paulo (645). No outro extremo, os estados localizados na região norte são os que possuem o menor número, apesar da grande extensão territorial: Amazonas (62), Rondônia (52), Acre (22), Amapá (16) e Roraima (15). O mais populoso é São Paulo com mais de 11 milhões de pessoas, e o de menor população é Borá, também em território paulista, com apenas 805 habitantes. A maioria dos municípios brasileiros enfrenta problemas de custeio e contam apenas com as cotas constitucionais.

Quais as razões desta crise permanente dos municípios? Qual o papel dos governos, do mercado, da sociedade civil e da Cidadania no enfrentamento desta crise?
Devemos discutir e avaliar os desafios de cada política pública, em cada município brasileiro, relacionando-a com a realidade econômica, social e ambiental, regional e nacional.

Assim, há que se discutir a realidade e a qualidade da gestão pública municipal, associadas às mudanças necessárias no caminho de um novo pacto federativo entre o governo federal, estados e municípios.

Quais as questões estruturantes a serem consideradas neste contexto frente a essa realidade municipal, regional e federal?

O Brasil é urbano. A maioria da população brasileira vive nas cidades. As cidades dão a tônica das regiões onde estão inseridas. Assim, a qualidade das políticas públicas a serem construídas será definida pelo pacto entre estes diversos atores políticos, econômicos e sociais em questão.

Quais seriam os desafios de uma Governança Municipal nesse contexto?

A Cidadania, com seus direitos e deveres, é o principal instrumento da Governança Municipal. Está convocada a ter uma efetiva participação na construção e na implementação de políticas públicas, assim como no processo de avaliação permanente destas políticas, através de Planos, Programas e Projetos que venham a atender às demandas municipais, em sintonia com as outras políticas públicas regionais e nacionais, no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental de cada município brasileiro.

Portanto, deve-se discutir a Governança Municipal como fundamento da sustentabilidade do município de uma maneira mais ampla, com foco na região onde está inserido e suas respectivas áreas urbanas, concentradoras de populações, violências e desigualdades sociais.

A crise dos municípios e das suas administrações reflete um conjunto de distorções, disfuncionalidades e limites das atuais estruturas políticas e administrativas que são responsáveis pela formulação e implementação das políticas públicas municipais, tanto na esfera do próprio município, quanto nas áreas estadual e federal.

Esta crise pode ser resumida na insuficiência de receita, na falta de visibilidade em relação às decisões sobre despesas e investimentos, na insuficiência de recursos técnico-administrativos e, ainda, na falta de uma efetiva participação da cidadania na política municipal. Esta crise é agravada pelos constantes desvios de verbas, tão noticiados pela imprensa.

Neste contexto, coloca-se o imperativo de realizar as reformas política, administrativa e tributária que não mudem apenas os critérios de redistribuição de recursos entre União, Estados e Municípios, melhorando a situação atual da maioria dos municípios, como também garantir aos Estados e à União recursos que viabilizem a implementação de políticas públicas, criando as condições para o enfrentamento da difícil realidade econômica e social da maioria dos municípios brasileiros.

Aqui a questão democrática se coloca na sua centralidade.

Os eleitos no próximo pleito municipal estão desafiados a construir novas relações de Governança entre o Estado, o Mercado e a Sociedade em geral. As atuais relações não atendem às demandas da maioria da população, em cada município brasileiro. São os nossos dilemas permanentes a serem superados para a ampliação da democracia brasileira, com a inclusão desta maioria excluída da população, através de uma participação efetiva da Cidadania, construindo políticas públicas inclusivas nas áreas de educação, moradia, saúde, saneamento básico, segurança, mobilidade, trabalho e renda, como condições elementares para a dignidade da vida social.

Assim, a autonomia da Sociedade, em relação ao corporativismo do Estado e do Mercado, é um dos principais desafios da Governança Municipal. Uma cidadania propositiva é a base de consolidação e ampliação da democracia brasileira.

A criação de mecanismos institucionais de acompanhar e avaliar as relações entre o Executivo e o Legislativo municipal, desafia a Cidadania e o Poder Público à construção de novas relações com os atores políticos, econômicos e sociais do município.

Portanto, a eficiência de uma Governança Municipal está relacionada com os meios, os modos de construção, de implementação das políticas públicas e com os seus resultados alcançados.

Aqui, vale destacar a importância das parcerias para atingir os objetivos desejados. A Governança Municipal se realiza através da cidadania e das relações estabelecidas com a sociedade em geral para a implementação das políticas públicas municipais, no caminho de ampliação das conquistas democráticas e da sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Estes são os dilemas e desafios de uma Governança Municipal: a necessidade de dialogar e pactuar entre os diversos atores políticos, econômicos e sociais, no dia a dia, de cada município brasileiro.

A Governança Municipal avançou no Brasil, com conquistas efetivas da cidadania, naqueles municípios em que foi possível a construção de pactos políticos, garantindo políticas públicas inclusivas, para a maioria da população.

Considerando, sempre, a necessidade de uma visão sistêmica no processo de construção e implementação das políticas públicas em geral, coloca-se como imperativo a escolha de prioridades, através de dialogo permanente entre governantes e governados, que garantam a construção e a implementação de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade municipal, articuladas às políticas regionais, sob responsabilidade estadual e federal, construindo pactos de cooperação entre o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil, através de redes regionais, nacionais e internacionais, com foco na melhoria do bem-estar da população.

Assim, a Governança Municipal deve ser parte integrante de uma visão mais ampla da realidade econômica, social e ambiental do município e estar comprometida com a reorganização do espaço urbano a favor do público, melhoria das condições de moradia, educação, saúde, segurança, mobilidade urbana e ampliação da renda familiar em função dos que mais necessitam.

Ainda, é importante destacar os limites do próprio município neste processo de construção de uma Governança Municipal, ampliados com as crises política, econômica, social e de valores que estamos enfrentando nestes tempos de pandemia, na área federal e nos governos estaduais.

Destacamos que a Governança Municipal se realiza em cooperação, diálogo e conflito permanente da Cidadania com o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil.

As últimas eleições presidenciais sinalizou claramente a insatisfação da sociedade brasileira em relação à maneira tradicional de se fazer política e os valores estabelecidos pelos principais partidos que chegaram ao poder neste período conhecido como Nova República. Esgotou-se um ciclo.

As próximas eleições municipais vão acontecer em uma nova conjuntura, inaugurada com a eleição do presidente Bolsonaro, ainda que atropelada pela pandemia. Deve ser um bom termômetro para a avaliação da conjuntura política brasileira, com sinalizações a serem consideradas no caminho das eleições presidenciais de 2022.

O campo democrático continua desafiado a entender a gravidade e a complexidade do momento político em que vivemos. Há uma distância entre o discurso e as ações destas forças democráticas no Congresso Nacional e na sociedade em geral.

Os resultados eleitorais, no próximo novembro, podem consolidar uma hegemonia conservadora na maioria dos municípios, já sinalizada pelo eleitorado nas últimas eleições presidenciais e nas pesquisas recentes.

Ainda, favorece ao governo federal, a política assistencialista de Bolsonaro, o trabalho permanente da Polícia Federal de combate à corrupção, assim como as denuncias de corrupção e as prisões recentes no Rio de Janeiro e em vários lugares do Brasil em plena pandemia, podendo ter reflexos significativos nas próximas eleições municipais.

No segundo turno das eleições, podemos ter uma polarização nas capitais e nas grandes cidades, entre o campo bolsonarista e a oposição, desafiando um posicionamento da sociedade brasileira em relação ao futuro imediato.

No Brasil, cada vez mais, a política está se realizando como espetáculo midiático e um ativismo forte do Judiciário, pautando a agenda e a opinião pública em geral.
Os poderes da República estão em desequilíbrio. Os monstros indomáveis da modernidade, lembrando Marx, estão soltos.

A República brasileira está desafiada a reconhecer os seus espantalhos.

Entre bêbado(s) e equilibrista(s), la nave va.

*George Gurgel, Professor da Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade

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