sábado, 26 de setembro de 2020

Hélio Schwartsman - Farol da democracia

 - Folha de S. Paulo

 Donald Trump parece predisposto a rejeitar resultados que não o favoreçam

A democracia funciona porque favorece trocas pacíficas de poder. O grupo que perde a eleição tende a aceitar os resultados, confiando que os rivais terão a mesma atitude quando a situação se inverter.

Pois é justamente esse mecanismo que pode estar em xeque nos EUA. Donald Trump vem emitindo sinais cada vez mais inquietantes de que poderá não acatar um fracasso nas urnas. Não é incomum que lideranças populistas contestem o sistema eleitoral. Bolsonaro também flerta com o discurso de fraude.

O problema, no caso dos EUA, é que a predisposição de Trump a rejeitar resultados que não o favoreçam, somada às idiossincrasias do sistema eleitoral americano, pode levar a uma situação de incerteza, judicialização e crise constitucional.

Na maioria dos regimes democráticos presidencialistas, vige o princípio do “um homem, um voto”. Num país populoso, mesmo uma eleição apertada se traduz numa diferença de centenas de milhares ou mesmo de milhões de votos. É relativamente difícil de contestar.

Nos EUA, porém, o que vale é o colégio eleitoral, que “pica” a corrida presidencial em 50 eleições estaduais majoritárias, da qual sai vitorioso o candidato que obtiver uma combinação de resultados que lhe garanta a maioria dos delegados. O espaço para contestações, legítimas ou arquitetadas, se amplia enormemente.

Pior, neste ano, por causa da pandemia, espera-se um aumento dos votos pelo correio, que, às vezes, chegam depois do dia do pleito, colocando em câmera lenta o processo de apuração. Não é impossível que o candidato que desponte como vitorioso num estado-chave na noite da eleição se torne o derrotado uma semana depois. Militantes exaltados não teriam dificuldade para gritar “fraude”.

É no cenário de caos que Trump parece apostar, enquanto se esforça para formar maioria na Suprema Corte. Seria um desenlace melancólico para o país que já pretendeu ser o farol da democracia.

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